Dossiê Alfredo Sternheim
Entrevista com Alfredo Sternheim
Parte 4: O cinema de sexo explícito chega ao Brasil
Por Gabriel Carneiro
Fotos: Dênis Arrepol
Z – Como foi a transição para o cinema de sexo explícito?
AS – No começo, não queria, lógico. Levei o roteiro do Sexo em Grupo, que se chamava Ciranda do Amor, ou algo assim, e era uma comédia – ia fazer com a Alice Gonzaga, na Cinédia, mas não deu certo, não lembro por quê. Levei para o Bajon, que queria fazer uma comédia barata, tinha uma casa de campo. Adaptei o roteiro, mas nada de sair. Um dia ele me chama: “Olha, a gente vai poder fazer o filme, mas vai ter que mudar o nome e tem outra condição: sexo explícito”. Já estavam sendo feitos em 1983. Não queria fazer, vim para casa chateado. Fiquei pensando, pensando. Afinal, que mal há em mostrar genitálias em atividade numa cena? Já estava parado fazia um tempão, não queria ficar mais. Tinha feito Tensão e Desejo, um fracasso de bilheteria, um thriller convencional, que, modéstia à parte, adoro, até hoje acho que está bacana. No começo, pintou muita inibição, mais minha do que dos atores. Para marcação de cena, não usava linguagem chula. Dizia: “Vai para o detalhe do pênis, da vagina…” Até que um dia eletricista me disse: “Alfredo, para com essa porra dessa linguagem, porque não vai rolar, fala ‘caralho’, ‘pau’”. Aí a coisa começou a fluir mais naturalmente. Deu certo. Foi um período que me enriqueceu muito humanamente, para acabar com preconceitos – porque sempre os temos. Claro que chega um ponto que cansa. Não é preconceito moralista. Imagino que seja o tipo de coisa que acontece com diretor que faz western, que faz aquele tradicional duelo final. Você acaba se repetindo e isso cansava. Fiz doze filmes, todos com o Bajon, com exceção de dois, o Orgia Familiar e o Comando Explícito. O bom era isso: podia contar uma história. No Sexo em Grupo, fiz um discurso contra o governo em plena ditadura militar, e não houve censura, porque ninguém imaginou isso num filme de sexo explícito. O exibidor não queria exibir porque era filme de crítico de cinema: vai ser filme cabeça, intelectual. Não queria nem assistir. Ele deu o Rivoli para exibir. Ficou 5 semanas em cartaz, um estouro de bilheteria. Tem uma explicação: fiz um filme com muito humor. Não foram as genitálias em atividade (risos), foram as piadas. O público rolava de rir. Eu ia para ouvir as risadas e até me perguntava: porque o público das 8 ri mais que o das 4? (risos) Virei meio Spielberg do Bajon, da Boca, porque os filmes davam dinheiro a beça.
Z – Você gostava de fazer esses filmes?
AS – Na hora de filmar, fazia com o maior prazer, maior empenho, maior capricho, não relaxava. Achava que ia ser uma fase de transição, que voltaríamos a um cinema tradicional. Me enganei. Acabou o explícito, acabou o cinema, acabou tudo. Foi o fim mesmo, não deu mais para fazer cinema. Voltei ao jornalismo – que já fazia esporadicamente, mas aí voltei mesmo, para me sustentar. Felizmente tive sorte com as oportunidades. Acabou o cinema em 1988, 1989, com o explícito.
Z – E nessas produções você tinha uma preferência por comédias, não?
AS – Sim, adorava fazer comédia. Fazia os roteiros já pensando onde entrariam as cenas do explícito, porque tinha uma cota de cenas explícitas. O distribuidor dos filmes, Alfred Cohen, sócio do Bajon, queira um filme na linha da Roberta Close – que era um sucesso na época – e contratei a Cláudia Wonder para fazer Sexo dos Anormais, outro sucesso incrível. Agora está no documentário Meu Amigo Cláudia, premiado em Madri, em San Francisco, virou cult. O diretor, Dácio Pinheiro, me levou para ver o filme no Festival Mix. Foi uma noite emocionante, porque, além dos meus depoimentos, ele inseriu três cenas do filme, uma delas com a minha queridíssima amiga Ivete Bonfá, que já morreu, e um público jovem rindo, às gargalhadas. Aquilo me deixou feliz, que um público jovem ainda ria de piadas criadas em 1985. Na terceira seqüência do filme, o público não só riu como aplaudiu. Puta que pariu. Aí fiquei emocionado para caralho, foi muito bacana mesmo. Se fosse para voltar a fazer cinema – agora não vou -, gostaria de fazer comédia, tipo Billy Wilder, salvas devidas proporções, claro (risos). Porque sei fazer o público rir. Sexo dos Anormais, aonde é exibido, o pessoal adora. Um amigo pediu uma cópia, e voltou querendo mais cópias. “Tá alugando para o prédio inteiro?” “Se espalhou pelo prédio inteiro, todo mundo ri e quem não viu quer ver.” Hoje isso não tem mais, com o vídeo, a internet, não há razão de fazer filmes de sexo explícito para o cinema, como naquela época.
Z – Quando você fez os filmes explícitos, você trabalhou com as principais estrelas. Como era trabalhar com elas?
AS – Nunca tive problemas nenhum. A Débora Muniz principalmente, que é uma mulher inteligentíssima, foi muito legal – gostaria de ter feito mais filmes com ela. A Sandra Midori é uma gracinha de pessoa, tinha muito carisma com o público, por ser nissei. Foram adoráveis. A Márcia Ferro já era mais complicada, mais temperamental
Z – Uma das coisas da qual você se orgulha hoje é de nunca ter usado pseudônimo. Porque essa escolha? E as pessoas realmente não sabiam quem eram as pessoas que usavam os tais pseudônimos? Hoje, sabemos quem foi.
AS – O grande público não sabia, alguns críticos não sabiam. Achava covardia usar. Sempre fui avesso à mentira, qualquer tipo de mentira. É uma coisa minha, de caráter. Não estou querendo dizer que sou melhor que os outros. Não quis mentir e nem contemporizar demais. Não me sentia bem pondo pseudônimo. Colocar meu nome realmente me criou problemas: fizeram piadinhas no Jornal da Tarde e tal. Não critico quem pôs. Acho pseudo-moralismo esconder o que faz. Pelo menos estou com consciência tranqüila.
Z – Você ainda sente preconceito hoje por conta disso?
AS – Nem tanto. Graças a uma geração como a de você, do Matheus [Trunk], da Andrea [Ormond]. Sinto que a tua geração, pelo menos a que está ligada ao cinema, está encarando com menos preconceito, está encarando o Cinema da Boca sem o estigma que cercava a gente. Mesmo antes do explícito tinha o rótulo: cineasta da Boca, cineasta que faz pornochanchada. Uma vez briguei com um amigo meu, pois me apresentou à Maria Adelaide do Amaral como um diretor de pornochanchadas. Quase dei na cara dele: porque isso não é maneira de apresentar. Era um amigo de 20 anos, sou amigo da viúva dele até hoje. Ele não falou com maldade. Mas não sou diretor de pornochanchadas, sou diretor de cinema, faço comédias, dramas, suspense, documentários. A forma como me apresentou me deixou histérico. Essas coisas me grilavam.