Dossiê Alfredo Sternheim
Entrevista com Alfredo Sternheim
Parte 2: Escrevendo sobre cinema
Por Gabriel Carneiro
Fotos: Dênis Arrepol
Z – Quando você começou a se interessar por cinema, já havia pensado em ser crítico?
AS – O negócio de ser crítico começou por conta do episódio do Hélio Furtado do Amaral. A partir daí, ele começou a me pedir colaborações para o suplemento literário de O Diário. Depois, o Flávio Tambellini, que era crítico de O Diário da Noite, teve um acidente de carro monstruoso, com o Aurélio Teixeira, numa Romiseta – era engraçado, todo mundo de cinema tinha uma -, e perdeu uma das vistas e ficou muito tempo hospitalizado. Para ele não perder espaço no jornal e não deixar de ganhar, fizemos uma espécie de rodízio, em que assinávamos Flávio Tambellini. Acabei exercitando anonimamente a crítica, por uns dois meses. Virei crítico e já pensava em dirigir cinema. Mas não quis deixar de ser crítico quando passei a dirigir – mais deixei durante um tempo.
Z – Para você, qual era a principal diferença entre ser crítico e ser cineasta?
AS – Sem cuspir no prato em que como, mas sempre gostei mais de dirigir – até hoje. Não dirijo há mais de vinte anos por circunstâncias. Tem mais calor humano, mais contato. A crítica passa. É importante – porque faz uma ponte entre o filme e o público -, adoro fazer crítica – principalmente, adoro falar bem de filme. Evito denegrir a imagem de pessoas, nunca usei termos como “canastrão”. Só me irrito com o uso de verbas oficiais aqui no cinema nacional de uma forma meio safada.
Z – Um influenciava o outro?
AS – Acho que sim. O fato de ser crítico e a minha experiência como assistente de direção me tornou menos pernóstico, mais consciente das dificuldades do que é fazer um filme. Quando ia dirigir, era mais crítico com o meu trabalho também.
Z – Você nunca entrou em dilema ético por exercer as duas profissões?
AS – Quando fui para a Folha da Tarde, tive, porque já fazia cinema. Aí criei um espaço chamado Nosso Cinema, que promovia os filmes. Não fazia crítica, fazia reportagem, entrevista. Quando gostava muito e era alguém com quem não tinha muito contato, aí escrevia. O primeiro que fiz nesse sentido foi sobre André, a Cara e a Coragem, do Xavier de Oliveira. Era um cara do Rio. Não havia conflito ético, portanto. É engraçado. Para os filmes do Sylvio Back, dei espaço e tudo mais, mas Aleluia, Gretchen me incomodou, porque achei getulista e nazista, e fiz uma crítica respeitável, falando das qualidades do filme, e que, tematicamente, era equivocado. Ele nunca brigou comigo, até hoje nos falamos. Teve problema com o Anselmo Duarte, que foi um equívoco. No Estadão, fiz crítica sobre o Vereda da Salvação. Na época de O Pagador de Promessas, ainda não era crítico do Estado. Não sei por que, o Anselmo cismou que havia xingado o filme no jornal e falava isso na televisão. “Tem um crítico, um tal de Alfredo, que faz pornochanchada hoje, e desrespeitou meu filme, ganhador da Palma de Ouro”. O David Cardoso que me contou que ele estava falando essas coisas. Gostava do Anselmo, de conversar com ele. Cheguei um dia para ele e disse: “Anselmo, porque você tá me xingando tanto por uma coisa que não fiz?” Aí expliquei para ele, disse que quem havia feito a crítica era um tal de Fernando Seplinski, que já tinha se matado. Mas ele continuou. Um dia, num jantar que teve no Regina, a Dulce Damasceno de Britto perguntou na mesa: “Porque você não faz mais filmes, Anselmo?” Eu estava sentado ao lado. Ele respondeu relatando a mesma história. Soltei um “Porra”. “Pela enésima vez, Anselmo, não escrevi uma linha sobre o filme. Ao contrário, coloquei um trecho no documentário A Batalha dos Sete Anos, de maneira positiva de divulgar o cinema brasileiro. Não falei mal nem de Pelé e Os Trombadinhas, uma chanchada, que acho uma porcaria, e você vem tirar sarro de mim?” E fui elencando as pornochanchadas que ele havia feito. Ele retrucou: “Me respeita, porque ganhei a Palma de Ouro”. “Esse é seu problema, você está escravo dessa porra de Palma de Ouro. Pega essa Palma de Ouro e enfia…” (risos) Gritamos, me tiraram da mesa. Há uns quatro anos, nos reencontramos e ele me tratou muito bem – talvez não se lembrasse mais do episódio.
Z – Como crítico e repórter do Estado, você conheceu muita gente de fora do Brasil. Tem alguém que te marcou mais?
AS – O Fritz Lang. Fiz uma entrevista exclusiva com ele, em que o Estadão cortou o texto. Ele tinha uma personalidade incrível. O Valério Zurlini, que foi a primeira celebridade internacional que entrevistei. Tremia tanto de emoção que ele foi meio conduzindo, falando para sentarmos, foi super simpático. Ele tinha acabado de ganhar o Leão de Ouro de Veneza. Conheci um cara simplório, simpático, que o John Herbert me apresentou. Sentamos, conversamos, gravei uma mini-entrevista, porque não dei muita importância a ele, embora tenha lhe falado: “Gostei muito de seu filme, A Faca na Água”. Polanski. (risos) Encontrei com ele quatro vezes e sempre foi muito simpático. No segundo festival, já estava meio mascarado, porque já havia feito O Bebê de Rosemary. Na terceira vez, ele sentou na minha mesa, quando veio lançar Busca Frenética. A Helena Ramos o conhecia e queria apresentá-lo a um diretor. Outra pessoa que me emocionou foi o Josef Von Sternberg – o Khouri me apresentou, estava no festival do Rio, mas não o entrevistei -, o criador d’O Anjo Azul. Eu conversava, mas tremia. Passeei de carro com ele, tudo. Depois entrevistei gente bacana – famosa e inteligente -, como o Alain Delon, que estava no auge da fama, pelo Estadão. Pela Folha da Tarde, entrevistei um gênio. De fato, tremi nas bases. O Gene Kelly. Jessica Lange, quando ninguém dava bola para ela. Jane Fonda, Vanessa Redgrave, Liza Minelli, Shirley McLaine. Meu lado fã de cinema foi muito satisfeito na carreira jornalística. No Festival de Teerã, que fui meio de repente, quem encontro lá? Charlotte Rampling, Marcelo Mastroianni, Rex Harrison… Meus companheiros de jantar. Na primeira noite de festival, pus meu smoking. Estava no quinto andar e apertei o botão do elevador. Olhei no espelho para ver se estava legal. Abre-se a porta: William Holden e Stefanie Powers. O curioso é que o ultimo filme que havia visto em São Paulo era O Inferno na Torre, em que o William Holden fica descendo e subindo de elevador de smoking. (risos)