Dossiê Alfredo Sternheim
O Alfredo é um camarada da minha época do cinema, temos quase a mesma idade e somos contemporâneos. Nós nos conhecemos durante a realização do Noite Vazia, do Walter Hugo Khouri, que foi um grande sucesso de bilheteria. Eu fazia um papel de ator e o Alfredinho era um dos assistentes. Nos anos 60, ele já era um dos críticos mais conceituados, era uma espécie de Rubens Ewald Filho da época. Apesar de todo esse conhecimento, ele não é apenas um teórico de cinema. Ele também põe a mão na massa.
Uma coisa legal do Alfredo é que ele alia teoria e prática. Isso é muito difícil na área cinematográfica, porque muitas pessoas sabem escrever uma crítica, mas não sabem fazer uma enquadração. O meu colega Paulo Autran, por exemplo, fez um filme e nem ele mesmo foi ver. Por quê? Porque ser ator de teatro, de cinema e dirigir é muito diferente. Mas o Alfredo teve uma verdadeira escola de cinema que foi o Walter Hugo Khouri. Ele tornou-se diretor com um grande embasamento.
Quando chamei o Alfredo pra fazer o Corpo Devasso, ele já tinha feito aquele filme com a Vera Fischer (Anjo Loiro) e estava estourando. Como meu diretor, o Alfredo não criou nenhum problema. Trabalhar com ele é como trabalhar com o Ozualdo Candeias e com o Jean Garrett. Corpo Devasso é um filme muito bem feito, com começo, meio e fim. É uma espécie de Midnight Cowboy sabe? Eu acho que ele acertou em cheio na época fazendo esse filme. Ele cumpriu todos os prazos estipulados e não deu uma de estrela em nenhum momento. Tem muito diretor que faz isso. Me lembro que a gente começou a fazer o filme num dia 10 de um mês e terminou no dia 15 do seguinte. Ele não perdia tempo durante uma filmagem. Por exemplo: se estivesse chovendo, a gente passava a filmar uma cena interior. Ele sabia aproveitar todas as oportunidades.
A última fez que eu estive com o Alfredo foi em São Paulo há uns dois anos. Nos encontramos num shopping e eu percebi que ele estava meio amargurado com a situação do cinema. Isso muitas vezes também acontece comigo também. Desde que o cinema brasileiro ficou restrito a ter ajuda estatal ficou difícil filmar.
Infelizmente, a produção hoje ficou na mão dos ladrões do cinema brasileiro. Atualmente, um filme se paga na pré-produção. O camarada faz uma fita com parte da verba do governo e o resto ele põe no bolso. Acabou o respeito e mesmo o glamour com o cinema. Não é como eu, Mazzaropi, Zé do Caixão. A gente tinha que correr no Marabá pra ver se o filme tinha bilheteria. Você pega o meu estado, por exemplo, hoje em dia somente duas cidades têm cinema. Antes, tinham salas de cinema em 14 cidades. Municípios como Maracaju, Dourados e mesmo Corumbá não tem nenhum cinema. Poxa, Corumbá não é cidade pequena, tem 150 000 habitantes e nenhum cinema. Só tem igrejas. O camarada fica rasgando dinheiro do povo e ainda acham bonito.
Eu acho que se o Alfredinho tivesse virado produtor, ele poderia ter feito mais grandes trabalhos. Ele fez muita coisa boa. Muitas vezes eu fico vendo meus filmes no Canal Brasil, relembrando o passado e fico chateado. Depois, a gente ainda vê amigos falecendo como o Anselmo Duarte e agora o John Herbert. É triste. Mas eu não paro, realizei um curta chamado Maria Fumaça, Chuva e Cinema e todos que viram gostaram. Também participei como ator do Cabeça a Prêmio, do Marco Ricca.
David Cardoso, ator, produtor e cineasta. Trabalhou com Alfredo Sternheim como produtor e ator de Corpo Devasso (1980).