O Furo

Dossiê José Miziara

O Furo
Direção: José Miziara
Brasil, 1976.

Por Adilson Marcelino

“Das atrizes que trabalhei, a melhor foi Nádia Lippi, e exatamente no primeiro filme que dirigi que foi o episódio O Furo, do longa Ninguém Segura essas Mulheres. Foi a atriz que consegui o melhor resultado com a direção e eu duvido que exista no cinema nacional outro trabalho melhor dela do que o desse filme”. Assim se pronunciou o cineasta José Miziara sobre Nádia Lippi, quando ela foi homenageada na coluna Inventário Grandes Musas da Boca, aqui na Zingu!

Antes de estourar nacionalmente com Bem Dotado – O Homem de Itu, Miziara realizou esse Ninguém Segura essas Mulheres, filme em episódios produzido pelos Estúdios Silvio Santos. O filme fez boa bilheteria e carimbou o passaporte do cineasta para dirigir seu primeiro longa, O Bem Dotado, já que aqui dirigiu apenas o segmento O Furo – ainda que tenha assinado o roteiro de todas as quatro histórias do filme.

Ninguém Segura Essas Mulheres é formado pelos episódios Marido que Volta deve Avisar, dirigido por Anselmo Duarte; Desencontro, dirigido por Harry Zalkowistch; Pastéis para uma Mulata, dirigido por Jece Valadão; e O Furo, de Miziara. Para cada um deles, a produção escalou deusas de diferentes linhagens: respectivamente, Vera Gimenez, Betty Saddy, Aizita Nascimento e Nádia Lippi.

A diferença crucial entre os três primeiros segmentos e o episódio dirigido por Miziara é que eles são comédias rasgadas e o último um drama tocante. Se nos primeiros, Dennis Carvalho, Milton Moraes e Tony Ramos são os astros, em O Furo quem faz par com Nádia é Jece Valadão, em mais uma composição de personagem característica de sua carreira, ainda que aqui em um perfil mais sensível e romântico, apesar das conseqüências de sua história.

Em O Furo, Nádia Lippi é Dalva, moça típica do interior que é flagrada pelos pais em amasso com o namorado – o próprio Miziara fazendo uma participação – e é expulsa de casa. Sem lenço e sem documento – é menor de idade -, desembarca em São Paulo com destino direto para a antiga arte de rodar bolsinha no asfalto. E é em uma dessa noites de viração que conhece Lúcio – Jece Valadão -, um guarda noturno que a deixa se esconder em seu trabalho quando a polícia baixa no pedaço e leva outras prostitutas em cana.

O jeito simples de Dalva conquista Lucio, e ali naquela noite mesmo ele a leva para casa em que mora na periferia. Ao acordar, ele não a vê ao seu lado na apertada cama, instintivamente corre para ver se sua carteira não havia sido surripiada, mas é surpreendido com a atitude da moça, que lhe traz o café no leito. Depois de passar manhã e tarde juntos, Lúcio faz o convite derradeiro: “ eu sou sozinho, você também. Quer morar aqui comigo? O que eu ganho é pouco, mas se você fizer o serviço de casa, dá para a gente viver junto”. Dalva se emociona, mal acredita no convite, mas aceita logo que percebe que ele fala sério. Lúcio, porém, faz um aviso: se você se interessar por outro homem não tem problema, me avisa e vai embora. Eu só não aceito ser traído.

E assim o casal leva a vida com dificuldade, mas feliz. Até que um simples detalhe sela o destino trágico dos dois – O tiro que ele desfere nela, já vemos desde o início da narrativa, com ela balbuciando “por que? por que?”. Mas o motivo só saberemos durante o desenrolar da história.

Ninguém Segura Essas Mulheres foi a primeira e única investida dos Estudios Silvio Santos no cinema naquela época, já que o Homem do Baú priorizou seu canal de TV. Mas essa produção foi especial, além do mérito do filme, por revelar o talento de José Miziara como roteirista e cineasta, que a partir daí construiria uma das mais bem-sucedidas trajetórias no cinema popular.