Dossiê José Miziara
Nos Tempos da Vaselina
Direção: José Miziara
Brasil, 1979
Por Filipe Chamy
Ainda boa parte dos apreciadores do cinema brasileiro de gênero suspira com saudades das pornochanchadas. Mas a se julgar por exemplos aparentemente representativos como este Nos Tempos da Vaselina, essa forma canhestra de comédia de costumes saiu muito tarde do cardápio do espectador brasileiro, dando-lhe a impressão de estar com a barriga cheia mas em verdade causando-lhe uma indigestão que ainda hoje o cinema pós-Retomada não conseguiu sanar.
A tal censura dos últimos anos da ditadura militar é um dos motivos alegados para o reputado escracho das fitas, como se viver em época de controle repressivo por parte do Estado impedisse não apenas a exposição da libertinagem, violência e outras facetas humanas como também extinguisse a competência, o talento, a vontade de fazer algo realmente interessante e não apenas juntar rascunhos de idéias com um molde formulaico para agradar ao máximo de pessoas possível. O cinema que quer agradar a todos, a ninguém agrada. Nos Tempos da Vaselina nada tem de engraçado e pouco tem de realmente erótico, então qual é a função de uma pornochanchada em condições assim?
O mote do filme é o deslocamento do protagonista, sujeito metido a malandro que pretende estrear uma grande vida na casa do primo, no Rio de Janeiro. Promessa de volúpia e irresponsabilidade, o litoral embriaga as expectativas do caipira abobado, mas não custava nada alguma alma caridosa lembrar a ele o ditado popular que diz: “malandro é malandro, metido a malandro é mané”. O tal viaja todo alegre e sonhando com farras, mulheres, dinheiro, a fama e o poder dos pobres de espírito. Claro que treinamento nenhum é praticado, apenas a cara e a coragem já servem de escudo. Mas não se pode esperar nada muito bom de alguém que abre o filme satisfazendo suas animalescas vontades sexuais em um oco de árvore, não é? Nesse sentido, o filme é justo, porque compensa a infâmia do personagem com uma galeria de constrangimentos por que ele terá de passar.
O percurso é desastroso. Logo que o homem chega ao Rio é roubado, perde o endereço do primo, quando acha se indispõe com alguns de seus conhecidos por razões diversas etc. A saga do cidadão é fadada ao fracasso, e caso José Miziara não dirigisse o filme na inércia e considerasse seus personagens como seres humanos (e não como tipos específicos, que é o que faz), talvez o filme tivesse a sombra de algum mérito. Mas é esperar demais de uma pornochanchada corriqueira como esta uma atenção aos atores e aos personagens que não resume a coisa toda aos clássicos “pé rapado folgado tenta cantar de galo e se dá mal”, “coroa ninfomaníaca arrasta garotões para o quarto para satisfazer seu fogo pós morte do marido”, “gostosa safada quer sexo com todos que encontra e vira refeição familiar” e outras decorrências desse maniqueísmo bobo e que só traz ao filme a qualidade (negativa) de ser ridículo, em um sentido certamente não pretendido pelo diretor, mas que faz com que não possamos nos importar menos com tudo aquilo mostrado a nós.
Some-se a isso (ou diminua-se) a tradicional falta de apuro técnico em todas as etapas de construção do filme, e teremos mais um exemplar do cinema industrial (com fama de anárquico, vejam só!) praticado por aqui naqueles anos tão “inocentes” quanto “rebeldes”. Se já é bastante medonho intitular um filme com um produto lubrificante utilizado para o sexo, isso diz muito sobre a qualidade do filme. Senão vejamos: o que os responsáveis por fazer uma obra de nome Nos Tempos da Vaselina esperam senão tentar lubrificar a paciência do espectador? Ocorre que o produto (filme e vaselina) de péssima qualidade não presta para aquilo a que se propõe. E assim como no sexo mal lubrificado, o filme mal feito não dá prazer.