Mulheres do Cais
Direção: José Miziara
Brasil, 1979
Por William Alves
Terezinha (interpretada por Wanda Estefânia) está se mudando. De uma bucólica casinha adornada com muitas gaiolas de pássaros no interior para Santos, a abonada cidade portuária paulista. Mulheres do Cais não esconde as suas intenções. Logo no início do filme, a gente já fica sabendo que a garota chegou ao município para trabalhar no baixo meretrício. Não se trata, então, de uma história sobre a garota interiorana que se vê forçada a usar o corpo em troca de alguns trocados, após malfadadas tentativas de outras carreiras de vida na metrópole. Mas sim da história da moça caipira que já chega na cidade com somente a sua constituição física para comercializar.
Ela, pois, já é uma prostituta no exato momento em que seu navio atraca. Acolhida por uma governanta conhecida como Mãezona, ela logo é apresentada ao seu novo universo. Nele habitam Caixeta e Pepe, dois contrabandistas de alto calibre (e clientes da moça), Calu (o homossexual caricato que também trabalha no rendez-vouz) e as outras garotas da pensão, como a belíssima mulata Lídia, noiva do falastrão e pretenso jogador de futebol Dante. A despeito do título, somente Terezinha tem sua trajetória explorada. As outras tais mulheres do cais só aparecem para dançar e desfilar seus atributos.
Terezinha parece inicialmente empolgada com a recém-adquirida profissão. Em uma sequência no início do filme, em uma boate adulta pertencente ao misterioso Caixeta, ela aplaude entusiasticamente o desempenho das colegas de trabalho, que também trabalham como strippers. Mas a rotina do meretrício vai desgastando mentalmente a garota, que passa a freqüentar assiduamente os bares da região, se embriagando e disparando chiliques aos quatro pontos cardeais. Paralelamente, se desenvolve a trama de Pinote, um contrabandista subordinado a Pepe, um dos barões do crime em Santos.
Além dos belos travellings que apresentam a cidade ao espectador, grande parte do conteúdo das imagens projetadas é, obviamente, erótico. Não faltam closes nos seios das strippers e Terezinha passa grande parte do longa vestindo apenas uma calcinha. Só que diferente de outras obras de Miziara, Mulheres do Cais é uma densa experiência. Ao contrário do irreverente Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, por exemplo, que é uma típica pornochanchada oitentista.
Verdade seja dita, não há grandes atuações aqui. Wanda Estefânia definitivamente não convence, principalmente quando sua personagem recorre aos gritos para externar a frustração. O veterano Roberto Maya se sai melhor, ao encarnar o maquiavélico Caixeta, uma espécie de microempresário da putaria santista, cínico e pouco confiável.
No entanto, o grande mérito de Miziara é a forma com que ele constrói a sequência de acontecimentos que revela a intensa sensação de abandono que permeia o espírito de Terezinha. Na primeira cena, ela é abraçada e beijada por todos os seus parentes, deslumbrados com a possibilidade de uma integrante do clã poder se aventurar numa cidade grande de verdade, com asfalto e telefones em abundância. Mas quando a moça chega lá, não demora muito para que ela dê conta de que ninguém se importa muito. Todos os outros personagens estão preocupados demais com as suas próprias vidas e problemas – como, por exemplo, em determinado momento do filme, quando ela tenta conversar com Calu, mas este está ocupado demais copulando com o garoto que ele seduziu. Como os pais desprezados do seminal Tokyo Story, de Ozu, Terezinha não era esperada. E ninguém tampouco parece muito interessado em ciceronear a recém-chegada.