Dossiê José Miziara
Entrevista com José Miziara
Parte 3 – Transição para o cinema de sexo explícito e a volta para a TV
Por Gabriel Carneiro
Fotos: Laisa Beatris
Z – Nos anos 1980, houve a transição para o cinema e sexo explícito e você fez alguns…
JM – Quatro [a filmografia oficial apresenta seis].
Z – Como você se adaptou a isso? Você viu algum problema?
JM – Habituei-me da seguinte forma. Depois que você faz o filme, você tem que levar para o distribuidor e o exibidor, não é? Geralmente ele acumula as duas funções, distribuidor e exibidor. No começo, ele perguntava: “tem trepada?”. Você dizia: “tem”. “Mas simulado, né?”. “É”. Acabou. Passou um tempo: “quantas trepadas tem por rolo?”. O filme tem nove rolos. “Tem tantos”. Tudo bem, ele passava o filme. Chegou um tempo em que dizia assim: “tem sexo explícito?”. “Não”. “Então não dá”. As Amantes de Um Homem Proibido foi o maior fracasso que tive por causa disso, foi justamente na passagem. “Não tem sexo explícito?”. “Não”. “Então não passa”. Eu escolhia circuito em que ia passar meus filmes, chegava lá e dizia assim: “eu quero Ipiranga, Art Palácio, quero em Campinas, quero em Ribeirão, quero aqui, senão não dou meu filme.” Aí inverteu, não tinha circuito para mim. “Ó, se você quiser tem um cineminha ali, outro cineminha ali”. Aí o fracasso do As Amantes de Um Homem Proibido – que é um bom filme. Eu não queria fazer filmes de sexo explícito, não queria mesmo. Inclusive, até hoje, tenho pudor disso. Tenho! Talvez porque tenha filha mulher, sabe? É um negócio deprimente. De-pri-men-te. Chegava dia 20, os caras com o borderô no bar. “Olha o quanto eu faturei”. Vou fechar meu escritório. Não vou poder filmar mais, vou fechar meu escritório. Uma birita aqui, uma birita ali, o pessoal conversando, me convenceram a fazer alguns filmes assim. Senão, como é que ia levar dinheiro pra casa? Pensei: vou fazer, mas vou fazer da seguinte forma: todos os argumentos que escrever serão sátiras em cima desse público estúpido. Você pode pegar os meus filmes. Fiz quatro. Tem uma história muito engraçada. O John Boorman veio filmar aqui no Brasil. Lembra que ele fez um filme na Amazônia [A Floresta de Esmeraldas, 1985]? O filho dele [Charley Boorman] é o astro do filme, que é criado lá entre os índios. Acabou o filme dele, sobrou um monte de ponta de filme. A secretária dele, brasileira, que por sinal foi atropelada em Londres e morreu, pegou essas pontas todas e ofereceu para quem queria comprar. Como sempre soube manipular muito bem negativo, fui lá e comprei todas as pontas dos filmes do John Boorman. Com as sobras dos filmes do John Boorman, fiz dois filmes.
Z – Quais?
JM – A Quebra Galho Sexual, e filmando ao mesmo tempo, filmei O Oscar do Sexo Explícito. Ou seja, numa trepada deixava rodando um minuto e mais meio minuto para outro filme. Com pontas, fiz esses dois filmes, foram os dois que mais renderam dinheiro. Botei um smoking, peguei uma menina, fomos numa boate que emprestaram para a gente e eu e ela lá, apresentando: Melhor chupada, Melhor trepada, Melhor anal. (risos). Pegava as atrizes que tinham feito as cenas, elas vinham ao palco e o pessoal aplaudia, e dava pra elas um Oscaralho, um Oscar do sexo explícito. Foi maravilhoso, era um caralho com uma asinha, era um Oscaralho. Pronto. Dava pra cada um. Pra cada menina, pra cada cara. O único trabalho que tive foi pegar dois velhos e escrever um quadrinho humorístico pequenininho. Os dois eram os primeiros atores de sexo explícito que estavam sendo homenageados naquela noite. E tinha lá a piadinha: “você lembra, bem?”. “Não, não lembro”. Alguma coisa assim. Era uma besteira lá. Foi o filme que mais dinheiro me deu. Mas você pode ver que era tudo assim. Feito com ódio. Escrito com ódio mesmo. Esse povo burro, analfabeto. Montava os planos gerais, então não precisava fazer a cena, era só fingido. Montava os planos gerais e pedia para quem fazia comigo nessa época, o Pio Zamuner. “Pio, vai lá e faz os detalhes”. Ele fazia. A gente conheceu cada coisa, é muito degradante. Muito. Tinha marido e mulher fazendo. Com filho. Você cada uma que… Uma vez foi lá a mulher de um carcereiro com a filha. As duas queriam fazer e disse que já tinham autorização do marido. Porra, mulher de um carcereiro. Aparecia cada uma lá que você não faz idéia.
Z – Quais são os outros filmes?
JM – O Rabo I, que foi para poder gozar com o Rony Cocégas. A música é dele. A música de abertura e ele que faz o garçom. E teve o outro que fiz lá no sítio do meu cunhado, o Deliciosas Sacanagens. Mas é o tipo de filme que você faz em quatro dias. Mas não deu mais. Fechei o escritório, voltei pra televisão.
Z – Já para o SBT?
JM – É. Fui direto para o SBT. Quem formou o departamento de novela do SBT fui eu. Com O Espantalho. Queria ser ator, nada de dirigir ou produzir. “Me dê um texto de no máximo uma página e meia, uma vez por semana, carro vem me buscar, vem me trazer”. Estou lá há 23 anos. Dessa vez. Porque antes já teve outras. Há pouco tempo veio um cara aqui. Ele quase me entusiasmou. O Adone Fragano. “Miziara, você tem algum filme pra gente fazer?”. “Você já tem o dinheiro?”. “Tenho”. “Você não vai arrecadar não, né?”. “Não, já tenho”. Sentei ali no computador, escrevi umas 10 páginas. Aí ele disse: “o negócio é o seguinte. Já tem o dinheiro, mas a gente tem que dar uma nota com 50% a mais”. “Adone, faz um favor pra mim? Vai tomar no seu rabo, tá”. Imagina: quero que você faça um filme pra mim, te dou o dinheiro. Quanto custa o filme? 10 milhões. Tudo bem, te dou os 10 milhões, mas você me dá uma nota de 15. Tô muito velho pra isso.
Z – Há quanto tempo você está fazendo A Praça é Nossa?
JM – 23 anos, desde o primeiro programa. Dessa vez, porque em 1956 fiz a Praça. Mas é um bom prêmio pra que tem 56 anos de carreira e tá cansado. Hoje a minha vida é essa aqui, cinema, mais nada. Só saio daqui para jogar sinuca.
Z – Você ainda tem vontade de filmar?
JM – Não tenho. Não tenho a menor vontade. Primeiro, porque não passa nos cinema. Se não for da Globo Filmes, não passa. Então, que circuito eles vão me dar? Vou ter que ir lá novamente, me sujeitar àquele negócio todo? Chega. Tô satisfeito. Mas comecei um roteiro, bom toda vida. É um roteiro policial. Comecei a idéia por ter visto aqui embaixo. Naquela rotatória da São Vicente, tem umas menininhas que ficam ali, que esses merdas botam as meninas pra chupar pau por cinco reais. Fiz a história de uma crioulinha que faz isso, mas só que ela é surda-muda e lê lábio, e ela vê a combinação de um assassinato. Você já viu aquele filme Corra Lola, Corra? A fita é sensacional. E peguei mais ou menos a corrida dessa menina pra poder fugir dos bandidos e poder avisar a moça que os policiais iam matar. Dava um roteiro interessante. Mas aí depois dessa. É bem possível que eu retome. Porque gosto de escrever, gosto, então é bem possível que retome o roteiro. Mas fico pensando: e depois, o que eu faço com ele? Dar para outro é que não vou (risos). Só se eu der para a minha filha, porque minha filha que adora as minhas coisas. Ela já disse: “ô, paiê, quando você morrer tudo isso é meu”. Os outros não ligam. Agora, ela não, ela quer tudo pra ela.
Z – O que você pensa do cinema brasileiro atualmente?
JM – Tem coisas boas. Coisas muito boas. Acabei de rever o Tropa de Elite. Bom filme. Bom filme. Bem feito, bem fotografado, inclusive uns planos novos: o plano começa, ele sendo tapado, aí, no “ação”, o cara sai de trás. Muita câmera na mão. Bem escrito, tudo. Tanto que fez sucesso, né? Tem o Se eu Fosse Você e o Se Eu Fosse Você 2. O Daniel [Filho] tem um defeito. Quando vai fazer comédia, tem o mesmo defeito do Manga. Tem coisas que tinham que ser mais breves, bem mais breves. É o mesmo defeito do Manga. Tem outro nacional que vi, que é muito ruim. O Casamento de Romeu e Julieta. É porque ele filmou o óbvio. Se você pegar o óbvio, o que você vai botar em cima do óbvio?