Um Certo Capitão Rodrigo

Especial Anselmo Duarte

Um Certo Capitão Rodrigo
Direção: Anselmo Duarte
Brasil, 1971.

Por Gabriel Carneiro

É estranho pensar que a mesma pessoa que dirigiu O Pagador de Promessas e Absolutamente Certo!, entre outros, tenha cometido esse Um Certo Capitão Rodrigo. Neste, Anselmo parece não ter domínio algum sobre o que está fazendo. Não sabe se faz um filme clássico ou um filme moderno – transige entre os dois, errante, assim como seu protagonista, enfadado pela própria linguagem. A adaptação da obra de Érico Veríssimo só parece existir por um capricho.

O filme acompanha a trajetória de Rodrigo Cambara, desde a luta contra os portugueses pela independência brasileira, até a liderança na Revolução Farroupilha. Vemos o certo capitão Rodrigo se estabelecer na pequena cidade de Santa Fé, conquistando mulheres – sendo que uma viria a ser sua esposa -, tendo um filho, se acomodando. Anselmo Duarte aproveita esse enfadonho percurso da vida em família que o capitão toma para desfilar tudo o que sabia da cultura gaúcha, dispondo trajes, mostrando danças típicas, locais, a cozinha local, além da música e do sotaque. E como se alonga nessas questões! Ao longo de 100 minutos, o protagonista pouco faz. Conquista uma ou outra mulher – elas não são difíceis, e Anselmo filma apenas a cotejo -, briga pela mão de sua esposa, toca viola, dança, come, ri alto. Os momentos em que o filme mais parece promissor, caso da batalha entre Rodrigo e Bento Amaral, Anselmo parece fazer tão a toque de caixa, que não há paixão, não há vida na disputa.

O mecanicismo permeia todo o longa-metragem. As poucas lutas são extremamente mal coreografadas, mal filmadas – Anselmo não sabe se coloca a câmera no meio da batalha, ou se observa à distância -, o capitão Rodrigo é um beberrão machista, que não provoca o mínimo interesse em sua personalidade – o cineasta realmente parece perdido frente à obra de Veríssimo. A impressão que fica é que, num filme de aventura épica, nada acontece.

A crítica não seria tão dura, possivelmente, se Anselmo não tivesse demonstrado tanta competência em filmes anteriores. Talvez tenha sido a amargura em relação ao boicote que recebeu após a Palma de Ouro. Queria a todo custo provar que era um cineasta moderno, mas incomodava-se com o liberalismo da nudez; pior, sua melhor característica enquanto cineasta descendente do classicismo era o gosto em contar uma boa história, sem firulas, de maneira limpa e clara, e parece que, em Um Certo Capitão Rodrigo, ele joga isso fora, contando uma história em que pouco ocorre, pouco importa – nem mesmo para criar um personagem interessante. Não à toa, enche o filme de cenas que parecem saídas de um vídeo institucional sobre as maravilhas do povo gaúcho.

Há uma sensação de que Anselmo não queria mais fazer aquilo, estava cansado. Fazia por uma birra, uma lógica interna, difícil dizer a razão. Filmou, fez uma produção cara, bem elaborada tecnicamente, utilizando muitos figurantes, recriando diversos uniformes. Havia um cuidado, mas não havia gosto. Anselmo parecia refém da sina que lhe pregaram. Cumpria, quase religiosamente, o mandamento de se afundar enquanto diretor. O ressentimento o corroeu – triste para ele, triste para nós.