Reflexos em película

Reflexos em película

Batismo
Por Filipe Chamy

Após mais de três anos como colaborador fixo da Zingu!, todo mês participando com pelo menos um texto — e já se somam várias dezenas —, finalmente apareço com uma coluna específica. Não que com isso pretenda me dar ares de uma importância que obviamente não tenho; mas é um exercício curioso condensar suas idéias em um espaço fixo em toda edição. Ao contrário dos meus artigos habituais, nessas linhas — que já existiam em alguns números anteriores, soltas e um tanto perdidas — traço relatos mais próprios, permito-me uma subjetividade outrora timidamente disfarçada, escancaro o aspecto pessoal da exposição em primeira pessoa.

Esse intróito não serve para muito mais que não introduzir a minha principal dificuldade com esta nova perspectiva textual dentro da revista: batizar esta coluna. Por muitos dias, perdi várias horas procurando um título que definisse minhas intenções e objetivos, sem parecer afetado ou ridículo, e sempre com a preocupação de que o nome não fosse um estepe apenas temporário, que me causasse um tormentoso constrangimento sempre que houvesse uma nova edição da Zingu!. Pensei em uma infinidade, a maioria abandonei por julgar por demais referencial, abstrato, ridículo ou despropositado. Entre esses títulos abortados, pensei em 24 por segundo, Retrato em movimento, Porrete e dentada, Aos nossos leitores, Como aprendi a parar de me preocupar e amar a crítica, Torneira de asneiras. Quando o nome me agradava, fazia uma rápida busca virtual para saber se estava me precipitando em um chavão. Não dava outra: havia blogues, poemas e artigos com os títulos tão arduamente cogitados. Também larguei a possibilidade de fazer esse humor citatório, homenagear os filmes que gosto, porque, afinal de contas, paródia sempre foi algo que minimamente suportei. Acabei chegando, então, a este Reflexos em película, nome que instantaneamente me interessou pelo seu caráter inaudito, que tanto diz respeito a uma possibilidade de análise e reflexão (que sempre foi o intuito destas minhas colunas) quanto a uma paixão vibrante pela arte, pelo movimento, pela película, pelo linguajar cinematográfico mesmo. Gostei da brincadeira visual com os “reflexos” do cinema e não pensei mais em outro nome.

Mas, afinal de contas, é o nome tão importante assim para uma obra? Será que há quem se interesse por Buñuel após pesquisar títulos tão originais quanto O discreto charme da burguesia, Esse obscuro objeto do desejo e Um cão andaluz — em que não aparece nenhum cachorro e nem é feita qualquer referência à região da Andaluzia — e ter sua curiosidade cutucada até o ponto de provocar incontrolável desejo de assistir a essas fitas? Pouco provável, mas, sabemos, nesses casos, a busca seria recompensada. Mas o que dizer de filmes cujos títulos são coisas simplórias como Faces, Suspeita, O desprezo? Todas obras com maior ou menor importância de diretores de relevância asseguradamente consagrada. Mas motivarão o público não-cinéfilo (e, portanto, não conhecedor dos cineastas) a alugá-las em sua locadora de preferência?

Isso quando o quadro não é ainda mais grave: falamos das traduções não-literais, geralmente títulos estapafúrdios escolhidos por executivos das distribuidoras e que visam a atrair um expressivo público para as bilheterias com elementos-chave das emoções baratas, nomes que sempre virão acompanhados de palavras como “amor”, “mistério” e “segredo”. Não há nada comprovado que um título simplório como Aurora impeça um filme de ter sucesso ou que um esdrúxulo Noivo neurótico, noiva nervosa mude algo na apreciação do trabalho de Woody Allen; o que talvez comprove que títulos são como nomes de pessoas, que nada mais significam que uma apresentação a elas, com todas as suas características.