Lançamentos: Ervas Daninhas

Lançamentos
Por Filipe Chamy

Ervas Daninhas , nos cinemas.
Direção: Alain Resnais
Les Herbes Folles, França/Itália, 2009.

Ervas daninhas é uma obra de tantas características diferentes (e, no entanto, complementares) que uma análise ou comentário sobre o filme pode se pautar sobre qualquer aspecto deste último — esperamos que apenas até a data — trabalho de Alain Resnais, o diretor francês que, na virada da década de 1950, mostrou ao mundo o que a inventividade pode produzir, quando aliada à arte sincera e apaixonada.

“Paixão” não é uma palavra à toa, pois Resnais é sem dúvidas um realizador consciente de suas potencialidades e que as exerce com competência não apenas de artesão esforçado, mas de amante dedicado ao ofício. Não é tão fácil chegar a quase noventa anos com uma cabeça tão fresca e tão aberta a novidades, tão cheia de interesse, tão animada por brincadeiras. Brincadeiras, aliás, que extrapolam a diegese de seus filmes e que demonstra até na maneira de filmar. Um detalhe, por pequeno que seja, que ele queira capturar, pelo simples gosto de o fazer. Uma frase aparentemente deslocada, um humor absurdo, um personagem insólito. Resnais não precisa “querer dizer algo” com suas decisões, pois a simples exposição de sua obra já diz tudo sobre ele – e, ao mesmo tempo, passa longe da autobiografia. Ele não escreve os roteiros de seus filmes, mas seria impossível uma pessoa filmá-los do jeito como ele o faz. Não é o elenco (que ele repete à exaustão, sempre de maneira criativa e carinhosa), não é a música, não é a fotografia, não é a edição, não é nada disso. Ao contrário da crítica “fórmula de bolo” que impera na tradição cinematográfica, ao analisarmos cada um dos componentes dos filmes de Resnais, não encontraremos talvez nenhum grande motivo para festa. No entanto, é só assistir a quaisquer de seus trabalhos para ter imediata noção da grandeza de seus feitos.

Em aparência, Ervas daninhas é a história de um homem (André Dussolier) que persegue uma mulher (Sabine Azéma) que teve sua bolsa roubada. Mas as aparências não disfarçam apenas os fatos e os atos, mas as personalidades e as próprias vidas dos personagens, retratados tão peculiar e sensivelmente pelo diretor. A delicadeza com que são mostrados os momentos torpes, de contradição amoral, passagens de crueldade e sofrimento faz pensar antes numa sinfonia que num romance. Porque se cada personagem é uma nota, elas oscilam sempre num movimento pautado, que pode parecer estranho e pouco usual (e talvez o seja), mas que é ritmado o suficiente para que nosso sentidos não sejam agredidos. A comicidade da polícia, as pequenas vinganças de amor, a loucura essencial da aviação, a resignação motivada pelo afeto (retratada com grande beleza pela esposa do protagonista), as cores que mudam conforme nossos humores: a existência não vive afinal de momentos definidos, mas de pequenas células de acontecimentos que não podemos descrever objetivamente – afinal, ninguém é juiz de si mesmo. Compreendendo esse princípio, Resnais carrega no tom de farsa – uma farsa tão bem encenada e perspicaz que passa por realidade absoluta, nunca grotesca, apesar de tudo.

Talvez possa causar rejeição a aparente bizarrice dos tipos envolvidos na trama, que parecem sempre discordar do que parece o caminho natural a seguir, mas romper as expectativas dos espectadores não só é nobre, como também é elogiável, se feito com precisão justificada — não existe apenas uma solução para as coisas, e optar pelo jeito errado e torto talvez seja a única forma de perceber que o prazer não reside apenas nas facilidades, mas na eficácia do conserto dos equívocos (e não que não seja delicioso também se contentar em perceber os equívocos dos outros). Resnais se diverte e concede ao seu público a oportunidade de se juntar a ele. A obsessão, a compulsão e a traição têm, afinal, seu lado bom. O lado bom é que Resnais as sabe filmar com esmero e maestria.