Especial Luis Sergio Person
O Caso dos Irmãos Naves
Direção: Luis Sérgio Person
Brasil, 1967.
Por Vlademir Lazo Correa
O Caso dos Irmãos Naves é um filme baseado em caso verídico, sobre um fato ainda muito comentado nos anos 70, quando o filme foi realizado. Quatro décadas depois, o caso já não é mais lembrado e conhecido com a mesma repercussão daquele tempo, mas esse detalhe em nada enfraquece a obra. Pelo contrário, faz com que O Caso dos Irmãos Naves continue, quem sabe, ainda mais impactante do que no seu lançamento, porque voltar ao filme nos faz pensar que aquela série de acontecimentos não está tão presa apenas ao episódio especifico que originou o filme, mas com uma amplidão maior que torna possível enxergá-lo dentro de qualquer época, circunstância ou lugar.
O filme de Luis Sérgio Person concentra-se no referido processo judiciário e nos fatos que o cercaram, conforme foram relatados e documentados pelo livro do advogado de defesa dos irmãos Naves (Raul Cortez e Juca de Oliveira), na cidadezinha de Araguari (MG). Os Naves são logo no começo os mais preocupados em descobrir o paradeiro do sócio que sumiu com uma vultosa quantia em dinheiro, porém a absoluta falta de indícios ou hipóteses de outros suspeitos leva o Tenente-Delegado (Anselmo Duarte) à conclusão de que os próprios Irmãos Naves assassinaram o sujeito desaparecido. Tendo o crime atraído grande atenção dentro da pequena cidade, a urgência de apresentar prontamente um responsável e sua devida punição exime a necessidade de uma investigação de maior alcance. As coisas estão transcorrendo normalmente quando então há uma guinada e os dois irmãos são encarcerados e passam a sofrer pressão para admitir o crime que não cometeram, e quiçá, nunca existiu.
O que é O Caso dos Irmãos Naves se não um progressivamente organizado esmagamento do individuo frente ao poder (não necessariamente nessa ordem) jurídico/político/policial? Person pega pesado no tratamento realista dentro da delegacia com os prisioneiros pendurados de cabeça para baixos e espancados em tudo quanto é lugar, transformando literalmente os acusados em bonecos manipuláveis e sem vida e vontade próprias, fantoches com rostos emagrecidos e congelados de medo e que mecanicamente repetem e assumem as histórias que o Tenente-Delegado enfia-lhe goela adentro, forçando-os a assinar uma confissão de culpa detalhada e verossímil, apenas concordando com tudo que o Delegado os acusa. Os irmãos sofrem coações violentas e ferozes para que procedam com a reconstituição do crime pelo qual supostamente são os responsáveis. No entanto, o pesadelo dos Naves está muito longe de terminar, pois ainda falta o encontro do cadáver e a apreensão do dinheiro.
As torturas cruéis e os desmandos violentos multiplicam-se, sem que nada se acrescente como prova concreta no processo dos Naves. Os requintes com que os espancamentos e os métodos de aliciamento são mostrados é digno de um exploitation ou de um filme de terror, como na cena em que os soldados ameaçam jogar um bebê para cima de uma adaga ostentada pelo Delegado, diante de uma mãe enlouquecida e desesperada sem saber o que falar. As esposas e a própria mãe dos irmãos não escapam dos interrogatórios bárbaros a que são submetidas. Os Naves apenas saem da cadeia para serem levados a um campo aberto, onde são amarrados a troncos de árvores e seus corpos untados com mel para serem atacados por abelhas e formigas, entre outras atrocidades ordenadas pelo Tenente-Delegado.
Anselmo Duarte, no papel do diabólico delegado, é um destaque à parte. Se quando jovem impressionara o país inteiro com o seu jeito sedutor e porte de galã, agora mais maduro a força de sua personalidade o leva a construir um personagem monstruoso, em que dizem que destila toda sua raiva e ressentimento contra os inimigos do Cinema Novo. Impressionante. O seu contraponto mais humano é o comovente advogado de defesa encarnado por John Herbert, numa interpretação mais sóbria, comedida. Os confrontos entre ambos nas cenas de julgamento são inesquecíveis, à altura dos grandes momentos de qualquer filme de tribunal na história do cinema.
O Caso dos Irmãos Naves é um dos filmes mais diretos do Cinema Novo brasileiro, distante dos arrojos de linguagem de obras-primas como São Paulo S.A. e Terra em Transe e em alguns aspectos antecipa muito do cinema político italiano da década de setenta. Um filme corajosamente rebelde, contundente e objetivo, em que a parte política e isenta de ideologias não suplanta a estrutura dramática, ao mesmo tempo em que o seu rigor impede que passe perto da pieguice ou comiseração. Uma obra-prima.