Por Vlademir Lazo Correa
A Fronteira da Alvorada, em DVD.
Direção: Philippe Garrel
La frontière de l’aube, França, 2008.
O mais recente longa de Philippe Garrel flerta com o fantástico, mas se impõe mais pelos toques de melodrama e tragédia. Ainda assim, os amor fou de um fotógrafo dão origem a um quase filme de terror, embora na verdade não seja tido como tal. Tampouco seria justo reduzi-lo a tanto. Há, porém, alguns fortes elementos de filme de horror que perpassam por boa parte da projeção, não somente pelas referências mais óbvias, mas também pelas mais insuspeitas, como as cenas em que Louis Garrel é assombrado pelo seu inconsciente ou a magnífica fotografia em P&B que remete aos mais antigos filmes de fantasmas, e que concede ao longa uma aura de mistério que emana de suas ásperas imagens. Mas também os confinamentos a que os personagens vão se entregando, primeiro em espaços físicos, posteriormente em níveis mentais.
Estes são alguns dos temas de A Fronteira da Alvorada, uma história de fantasmas e loucos, em que Louis Garrel é o fotógrafo encarregado de uma sessão de fotos com Carole (Laura Smet), uma atriz tempestuosa, que mais tarde revelará problemas mentais e tendências suicidas – mas com a qual ele acaba se apaixonando e se envolvendo. Há uma guinada inesperada na segunda metade, que nos mostra que a transição entre dois amores é sempre complicada, como tem que experimentar na própria pele o protagonista, e essa circunstância o faz entrar num processo intrincado e amargo que se desloca da realidade para a imaginação.
É sobre os contrastes entre a vida e a imagem da vida, aprisionada e estática no quadro de uma fotografia, e exatamente por isso idealizada e ambígua, nos gestos e movimentos capturados pela câmera do profissional. O desejo nasce da vontade de apropriar-se de uma imagem, mas cujo controle nos escapa no mundo real.
Esse mal-estar insidioso que permeia a obra de Garrel faz com que os seus personagens perambulem como mortos-vivos na narrativa. Para François, o personagem de Louis Garrel, a vida junto à Eve representa uma situação de conforto, de estabilidade, de temperança, o que se torna um violento contraste à vida que levava com Carole. A Fronteira da Alvorada é um filme friamente romântico, com um quê de Vertigo, por mais que suas superfícies sejam tão distintas, e que suas (muitas) diferenças sejam bem mais acentuadas. O diretor Philippe Garrel se mostra um mestre da criação de atmosferas e na evocação do sobrenatural. Cabe destacar ainda a presença marcante (e, porque não, inesquecível) de Laura Smet, a musa cuja lembrança o protagonista não apagará tão cedo da memória. Ao final, após uma verdadeira sensação de desconforto diante do relacionamento perverso entre os personagens, só nos resta contemplar uma cabeça sangrando no asfalto, quando então o protagonista não será nada além de um objeto integrado à paisagem.