Esquina da Ilusão

Dossiê Vera Cruz

Esquina da Ilusão
Direção: Ruggero Jacobbi
Brasil, 1953.

Por William Alves

O Ministério da Cultura existe, afinal. A prova de que a pasta tem alguma utilidade é o projeto de revitalização dos estúdios Vera Cruz, ou Companhia Cinematográfica Vera Cruz, um dos mais importantes celeiros de produções cinematográficas do país. O MinC adquiriu todos os longas do acervo do estúdio e pretende tombá-los, junto com mais de 10 mil fotos também pertencentes à Companhia.

Situada em São Bernardo do Campo e fundada por um italiano, Franco Zampari, e por um ítalo-brasileiro, o industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, a Companhia Cinematográfica teve seu período dourado entre 1949 e 1954. O estúdio gerou figuras ímpares, como o famigerado Amácio Mazzaropi, responsável pelos maiores dividendos da Companhia. Sem condições de duelar com os sucessos norte-americanos, a empresa acabou encerrando a produção de filmes na década de 70.

Esquina da Ilusão é um filme típico do estúdio. Foi dirigido por outro carcamano, Ruggero Jacobbi, e conta com um elenco composto majoritariamente por outros italianos – uma das exceções é Nicete Bruno, conhecida atriz Global. Jacobbi era, ele mesmo, um emigrante europeu, chegando ao Brasil em 1946 e logo se envolvendo com o teatro e o cinema.

Em Esquina da Ilusão, uma comédia de 1953, temos toda uma porção generosa de italianos que se instalaram no bairro do Brás, uns para fazer pizza, outros simplesmente procurando algo melhor a fazer do que morrer de fome na Itália. Temos pré-históricas camisetas da Sociedade Esportiva Palmeiras, também fundada por italianos e até então, um clube emergente.

A história é centrada em Dante Rossi, um pobre pizzaiolo do bairro. Dentre seus poucos bens, constam um filho do qual não se orgulha muito e uma pizzaria que anda meio alquebrada. Dante havia imigrado ao país munido de esperanças gigantescas, enquanto o seu irmão preferiu ficar em Milão, argumentando que o timing perfeito de se mudar para o Brasil já havia passado fazia tempo.

Chegando ao Brasil, Dante se encontrou na mesma medíocre vida de proletário que ele levava na Europa. Só restava a ele enviar quilométricas cartas ao irmão relatando (mentirosas) histórias de como ele “tinha feito a América”, enquanto, no Velho Mundo, o irmão havia de fato alcançado o sucesso monetário. Com a visita iminente do irmão agendada para breve, o frustrado dono de pizzaria se aproveita do fato de ter um sobrenome homônimo ao de um conhecido e bem sucedido industrial paulista para, mais uma vez, se passar por quem ele não é. A trama vai ficando cada vez mais difícil de sustentar, e cabe a Dante tentar manter a sua recém-construída fantasia de cidadão bem de vida.

Devido ao grande número de europeus envolvidos na produção do filme, somado ao assunto da película, não é pecado afirmar que se trata de uma produção italiana filmada no Brasil. Em São Bernardo do Campo, nos estúdios de mais de 100 mil metros quadrados da Vera Cruz, bem ao lado da capital, que foi sendo moldada historicamente com enorme ajuda do fluxo emigrante. Baseando-se no filme, os recém-chegados (e seus agregados brasileiros) poderiam ser ou muito unidos (como na cena em que Dante e seus amigos arquitetam a farsa) ou muito arrogantes (como o chofer do industrial que zomba dos empregados da fábrica do verdadeiro milionário).

Não há muitas cenas externas, com a câmera preferindo focar a pizzaria humilde de Dante ou as instalações da fábrica do magnata Atílio Rossi. Talvez com o intuito de centrar atenção no cerne da história, as maquinações precárias do Rossi pobre, e retirar qualquer tipo de “fio solto” que poderia haver no roteiro, também de Jacobbi. Com pouco mais de 80 minutos, trata-se de uma obra leve e descontraída, de diálogos lacônicos e bem-humorados. A despeito de uma (tola) tentativa de lição de moralidade em seus minutos finais, Esquina da Ilusão é mais um dos frutos saudáveis do lendário estúdio.