Entrevista com José Lopes – Parte 5

Dossiê José Lopes

Entrevista com José Lopes 
Parte 5: Trabalhos atuais, o cinema brasileiro hoje e o futuro

Por Matheus Trunk

Zingu! – Hoje, você trabalha com cineastas mais novos. Como é isso pra você?

José Lopes – Para mim, não tem diferença. Esses jovens têm uma cabeça moderna, pra frente. São pessoas que estudaram. Infelizmente, da parte antiga de cinema, quase ninguém estudou. Mas não é só por isso que vamos dizer que sabem fazer cinema melhor que nós. Mas são pessoas que tem outra visão e outra filosofia do cinema. Eu me dou muito bem com eles, me respeitam bastante.

Z – Como foi sua participação no curta Minami em Close-Up – A Boca em revista, do Thiago Mendonça?

JL – Foi um curta que inclusive foi premiado. O Thiago me tratou com respeito, tratei ele com respeito e não tivemos problemas. Sou um velho jovem (risos), me dou bem com todo mundo.

Z – Como foi sua participação no Hans Staden?

JL – Foi um papel grande até. Mas acontece que eu acabei me aborrecendo com o pessoal da produção. Por isso, eles o acabaram encurtando. Era muita gente, polêmicas. Falei com o diretor que era o Luiz Alberto Pereira, o Gal, e saí. Ele é meu amigo até hoje, não prejudiquei o trabalho de ninguém.

Z – O que você acha do cinema brasileiro hoje?

JL – Tem muita gente que não é de cinema e fala que o cinema nacional cresceu. Pra mim, não cresceu. Antes, você fazia um filme independente com pouco dinheiro e a maioria eram bons filmes. Hoje, o cara gastou oito milhões, você vai ver o trabalho e não corresponde ao valor que ele gastou. Outra coisa: é um negócio de monopólio. Você vê um filme só com um tipo determinado de gente e isso pra mim não é legal. Tem hoje muita gente fazendo filme que não é de cinema, é de televisão. Televisão é uma coisa e cinema é outra coisa.

Z – É outra linguagem.

JL – Lógico que eles tem direito, todo mundo tem direito de trabalhar. Mas hoje está centrado somente nesse povo. Então, pra mim não houve melhora nenhuma. É aquele povo e acabou. Os outros não existem.

Z – Tropa de Elite você chegou a ver?

JL – Vi. Até gosto.

Z – Cidade de Deus, esses filmes?

JL – Vi alguns deles. Tem uns até mais ou menos, mas tem outros… Falo pela produção e o que o filme é. Você pode fazer um filme que não seja tão interessante, mais ou menos porque talvez você não teve certa produção pra fazer um trabalho. Mas fico louco quando os caras fazem um filme de seis milhões, não sei quantos milhões e você vai ver e não é nada disso. Você vai ver o filme e ele é ruim. Vi muitos filmes nacionais com dinheiro do governo e ruins. Não vou citar nomes, mas tem muita coisa ruim.

Z – O que o senhor acha do financiamento estatal ao cinema?

JL – Não acho legal. O cinema tem que ser feito como indústria. Você coloca o seu dinheiro e aí você vai fazer o seu filme pra você defender o teu. Agora, quando você pega o dinheiro do governo, você está pouco se lixando se o filme deu ou não deu dinheiro. Ainda vai dizer que é filme pra concorrer para o Oscar. Ah, dá licença! Para com isso! Esse filme mesmo sobre o Zezé Di Camargo [Dois Filhos de Francisco]. Não é ruim, mas é um filme infantil, pra criança. Não é algo para mandar para o Oscar. Você mesmo sabe disso.

Z – O Mojica ficou vinte anos sem conseguir fazer um longa-metragem. Você acredita isso é, em parte, algum preconceito contra o pessoal da Boca?

JL – Não chamaria de preconceito. A maioria do pessoal da Boca é meio acomodada. Você tem que correr atrás também. Você vê porque esse pessoal do Rio está sempre conseguindo? Eles correm atrás. Eles não ficam trancados em casa esperando o tempo passar. Acho que o pessoal de São Paulo é muito acomodado, fica muito parado. Acho uma injustiça não financiarem um filme para um Zé do Caixão ou para um Fauzi Mansur. O Fauzi fez grandes trabalhos também. Agora não sei se é preconceito ou as pessoas não correm atrás. Mas de certa forma, alguns tem certo preconceito. Mas isso é coisa de bobo. Boca é Boca, a Boca foi quem levantou o cinema nacional. Tanto a Boca nossa aqui, como a Boca do Rio, o Beco da Fome.

Z – O senhor chegou a ir ao Beco da Fome nessa época?

JL – Sempre fui muito bem recebido no Rio. Nas vezes que fiz filmes lá, sempre passei pelo Beco da Fome. O pessoal tudo gente fina, não tinha divisões, nada. Carioca, lógico, eles correm atrás do deles primeiro. Farinha pouca, o meu pirão primeiro (risos). Mas eles estão certos. O que não entendo é darem dinheiro para empresas de comunicação que tem bastante dinheiro. Eles são os que mais pegam dinheiro do governo. Isso não dá pra entender. Não é que eles não tenham direito, mas os outros também têm. Ser exclusividade dessas pessoas é complicado.

Z – Como surgiu essa oportunidade de participar de alguns filmes internacionais?

JL – Foi por intermédio da agência Princípio do Talento, onde estou cadastrado. Fiz primeiro aqui o Plastic City, que é uma co-produção chinesa, brasileira e japonesa. Tive um papel pequeno, mas legal. Contracenei com os atores principais, um chinês e um japonês cujos nomes não vou lembrar agora. Em 2008, fui pro Rio de Janeiro e fui escolhido para participar de um filme chamado Gringos no Rio [Rio Sex Comedy]. Sei que nesse filme estão o Bill Pullman e um grande elenco. Foi legal, maravilhoso e está pra sair. Gringos no Rio é uma comédia, um trabalho legal. Ainda não vi o resultado final.

Z – Um trabalho internacional te motiva?

JL – Lógico, vou estar lá fora também mostrando o nosso Brasil. É maravilhoso. Pra fazer esse filme, tive que fazer algumas viagens de avião. Na última, efiquei com medo e acabei voltando de ônibus (risos). Mas o pessoal da produção era maravilhoso, bacana. Fiquei hospedado em Ipanema, tudo maravilhoso.

Z – E se te chamarem pra novos trabalhos, você está aí?

JL – Sim, enquanto estiver vivo e a sombra estiver na parede, estamos aí.

Z – Depois que o cinema deu uma brecada, você se dedicou mais aos comerciais?

JL – Isso. Depois da Boca, fiquei mais nos comerciais e graças a Deus fiquei nisso. Sou uma pessoa conhecida nos comerciais. Várias agências me conhecem há muito tempo. Sou conhecido no meio de propaganda porque fui o primeiro a fazer propaganda de caderneta de poupança. Então, quando precisam de um índio, estou aí. Fiz índio xaiene, pele vermelha, até Navarro já fiz (risos). Fico feliz com isso. Não gosto de televisão, mas gosto de fazer comercial. É rápido e o pessoal é muito sério. Você recebe o que foi combinado de antemão e não tem dor de cabeça.

Z – O que você acha que fica de você para posteridade?

JL – Eu sei lá. O meu filho, graças a Deus, não seguiu a minha profissão. Com a minha família, está tudo legal, ninguém seguiu a arte. Não sei se vou deixar lembranças, saudade, essas coisas. Acho que depois que vai, acaba não se deixando nada (rindo). Depois que foi, já era. O que gostaria de ver antes de ir é um país bonito, não essa miséria, essa fome, drogas, crianças na rua. Essa miséria é uma vergonha. Quando estou com alguns amigos, muitos reclamam que falo palavrão. Retruco: “Isso não é palavrão. Palavrão é você ver quarenta, cinquenta crianças cheirando cola na calçada e ninguém toma uma providência”. Isso pra mim é palavrão, é feio, é desgraça.Queria que nossos políticos tivessem um pouco de vergonha na cara. Eles deveriam pensar que ninguém leva nada pro céu. O homem leva aquilo que ele deixou de história. Se ele nada fez, ele não leva nada.

Parte 4