Dossiê José Lopes
Entrevista com José Lopes
Parte 4: A participação no cinema da Boca
Por Matheus Trunk
Zingu! – Dos trabalhos da Boca, por quais outros você tem carinho? Você fez dois filmes com o Fauzi, O Guarani e O Inseto do Amor.
José Lopes – Com o Fauzi, fiz mais coisas na área técnica. Fiz aquele com a Maria Isabel de Lisandro na técnica. Tenho esse papelzinho em O Guarani, mas a minha função era mais na parte técnica. O Inseto eu fiz, mas nem me lembro mais. Foi uma coisa rápida. O Fauzi é uma pessoa pela qual tenho grande respeito. Acho um bom diretor.
Z – Ter papel pequeno em muitos filmes te incomodava?
JL – Não. Trabalho é trabalho. Queria estar no meio, então não importava ser ator, fazer efeito especial ou colocar luz. Lógico, ser ator era o meu negócio, sou ator e não técnico. Isso me preenche mais. Mas me sentia bem num campo de filmagem. Ás vezes, fazia até o trabalho dos outros.
Z – Você tem idéia de quantos filmes você fez?
JL – Tenho uma idéia, contando tudo, como ator e técnico, devo ter uns oitenta filmes. Há um tempo você me falou que fiz um trabalho com o Toninho Meliande. Eu nem me lembrava desse filme (rindo). Com o próprio Mário Vaz Filho fiz dois.
Z – Isso já na fase do explícito?
JL – Sim. Estou no filme, mas não faço cena explícita.
Z – Quando os filmes começaram a ir pra esse lado te incomodou?
JL – Me incomodou. Nunca gostei dessas coisas. Não quero ser interpretado como um cara puro, mas não me batia legal. Não é da minha área. Sexo é uma coisa e cinema é outra. Misturar os dois… Não condeno ninguém. Mas não me sentia bem.
Z – Com o Francisco Cavalcanti, o senhor fez vários.
JL – Fiz. Mas muitos atrás das câmeras. Quando teve alguma coisa, era só no faz de conta, no simulado. Era o que tinha que fazer, porque era o que estava rolando, senão não trabalhava. Com o Chico, fui diretor de produção de uns quatro filmes. Outros como assistente. Fiz muito explícito, mas atrás das câmeras.
Z – Com o Jean você chegou a trabalhar?
JL – Em um filme do Tony. Ele era meu amigo. Mas em filme dele, nunca trabalhei. Com o próprio Carlão Reichenbach não cheguei a trabalhar em fita dele, mas em filme do Tony. Mas o Carlão é outra pessoa maravilhosa, adoro ele. Trabalhamos juntos no Gringo. Também trabalhei com o Ody Fraga assim, em filme do Tony. Era um cara legal, tranquilo. Conversava com todo mundo.
Z – Com o Candeias, você também fez várias coisas.
JL – Nossa, com o Candeias tenho uns quatro filmes. Meu amigo Candeias. O Candeias era um barato. Ele primeiro falava assim: “Tem um negócio pra você fazer, só que não tem dinheiro”. Depois, ele queria saber se você topava. Ele depois chegava: “Nós vamos rodar em tal lugar e talvez tenha um PF” (risos). Era tudo brincadeira, no fim tinha tudo. Depois você chegava, terminava uma cena e você perguntava: “Como está ?”. Ele falava: “Não tem como ficar melhor”. Era uma baita figura. Eu gostava muito do Candeias. Foi uma das pessoas que senti também quando faleceu. Eu participei acho que de A Opção: As Rosas da Estrada, A Herança. Este foi um dos primeiros filmes que fiz com ele. Tinha no elenco também o Agnaldo Rayol, o David Cardoso.
Z – Com o David, você trabalhou mais?
JL – Sim. Mas ele não estava produzindo. Fizemos juntos no filme do Freund, em que faço um índio, Trindad É Meu Nome. Fiz outras coisas com o David também. Ele é meu amigo, uma pessoa de que gosto muito.
Z – Como você começou a fazer efeitos especiais?
JL – Comecei a ver as pessoas fazendo os efeitos e gostei disso. De repente, me chamavam pra destruir uma espoleta, essas coisas. Depois, e peguei gosto pela coisa e fiz vários trabalhos nessa função.
Z – Além dos filmes com o Tony, você dirigiu efeitos num filme do Clery Cunha.
JL – Tem um do Clery que ele disse que era uma obra-prima. Tem uma cena em que acendi um cara. Teve outro do Wilson Rodrigues em que ele queria até dar uma cópia do filme pra uma moça da faculdade ver. Tem uma cena em que dou um tiro na testa, e que ele diz que ficou perfeito. Efeitos fiz pra muita gente, para o Galante também.
Z – Como era trabalhar com o Galante?
JL – O Galante como produtor? Gosto do gordo também. Ele é meio danado pra acertar (risos), mas é gente fina.
Z – Tinha muita divisão na Boca?
JL – Tinham grupos já acostumados. Você tinha um grupo de pessoas com quem você trabalhava sempre, então você ficava muito próximo a esse grupo. Não era uma divisão por quem era melhor ou pior. Tinha um pessoal de vanguarda que era outra turma. Dentro de uma elite, tinha esse grupo. O Jean ia filmar, ele já sabia quem era o diretor de fotografia, quem era o eletricista, o assistente. O Tony ia filmar e já sabia quem era a turma dele. Mas eu trabalhei com quase todos eles.
Z – As ruas ficaram mais cheias no final dos anos 70 e início dos anos 80?
JL – Acho que de 1972 até 1980 e pouco foi a melhor fase. Nos anos 90, o negócio já estava meio ruim.
Z – Você fez outro trabalho com o Freund chamado O Diário de Uma Prostituta, um filme com a Helena Ramos. Você se lembra disso?
JL – Fiz outro filme com o Freund que não me lembro o nome. Eu estava com uma roupa maluca. Gostava do Edward Freund, era uma pessoa muito amiga.
Z – Tem um boato na Boca de que ele contava piadas ruins.
JL – Ah! Só ele dava risada. Ele contava umas piadas e só ele dava risada (risos). As piadas ele colocava no cinema e não dava certo. Imagine só ele fazendo Trindad É Meu Nome, que é uma sátira de uma sátira. Aí o David Cardoso era o Trindad e o Carlos Bucka era o Butt Spenser. O elenco era bom, tinha a minha amiga Marlene França, veio uma menina que o David trouxe que era miss Pernambuco. David sempre com as misses dele (risos).
Z – Qual é o filme como ator que mais te marcou?
JL – Meu Nome É Lampião. Eu entro numas três seqüências, mas pra mim é muito bacana, é o longa-metragem que mais marcou. Tem um que fiz no Paraguai que gostei bastante. Me fizeram ser um velho de oitenta anos, o maquiador era um argentino muito bom. Esse maquiador tinha trabalhado durante trinta anos nos Estados Unidos, tinha atuado na televisão. O cara me transformou, me deixou um velhinho. Eu fiz o pai da mocinha nesse trabalho. Fora do cinema, tem um bocado de coisas que fiz. Fiz um monte de comerciais bons.
Z – Comerciais você já fazia na época da Boca ou foi depois?
JL – Já estou meio velho pra lembrar das coisas. Acho que fui o primeiro a fazer uma propaganda de caderneta de poupança. Foi o cadernetão feito pela Blinp ou pela Linxs Filmes. Isso foi feito há quarenta anos. Depois, fiz outras com o Blinp do Guga de Oliveira, com a Wilza Carla.
Z – O Guga de Oliveira que foi diretor?
JL – Sim. O Guga, irmão do Boni. Fiz um filme dele também chamado Lista Negra Para Black Metal. Uma pessoa maravilhosa. Depois, ele estava fazendo uma novela, um pessoal me encontrou e acabei fazendo uma pontinha. A novela chamava Cortina de Vidro.
Z – Na época da Boca, havia muito preconceito contra quem fazia esse tipo de cinema?
JL – Não. Pelo contrário, na nossa época, nós na Boca éramos como reis. Os outros é que eram os outros. Alguns não tinham escritório lá, mas faziam parte de lá. Nós éramos a maioria. Chegou um ano que a rua do Triunfo fez 109 filmes, por aí. Nós éramos as estrelas, quem estava fora é que tinha que se adaptar. O Khouri, por exemplo, fazia o filme dele e não tinha escritório na Boca. Mas a equipe e tudo dele era na Boca.
Z – Como era a relação de vocês do cinema com a marginalidade da época?
JL – Tranqüila, era como uma família. Cada um ficava na sua. Nunca tive atrito nenhum com bandido lá, nem ninguém. Muito pelo contrário, a gente batia papo com eles. Com quase todo mundo era assim. Ás vezes, alguma besteirinha de um cara que não era muito conhecido por lá. Eles respeitavam a gente, a gente respeitava eles e estava tudo certo.
Z – Quem para o senhor está no primeiro time da Boca?
JL – Fauzi, Tony Vieira, David Cardoso, Khouri, Reichenbach, João Batista. Tem outros que vou esquecer e eles que me desculpem. Jean.
Z – Ody?
JL- Ody mais ou menos. Era um cara intelectual pra escrever, mas pra dirigir me desculpe. Outro amigo nosso, o Carcaça, era razoável.
Z – O Toninho mais como fotógrafo?
JL – O Toninho mais fotógrafo, mas também dirigiu algumas coisas. Portioli também.
Z – O Pio?
JL – O Pio era um diretor de fotografia muito bom. Fez alguns filmes do Mazzaropi que acho razoável. Nada de espetacular, mas é um cara que conhece cinema. Conhecer cinema é uma coisa, colocar na tela é outra. Tinha outros ali, o próprio Chico Cavalcanti tem umas coisas razoáveis, mas tem umas coisinhas boas.
Z – E o Mojica?
JL – Mojica! Ele é uma lenda nossa. Não se pode falar nem bem, nem mal. Ele é o Mojica.
Z – E o filme dele que o senhor fez?
JL – (rindo) Finis Hominis, com a Terezinha Sodré. Fiquei um tempo de mal com o Mojica inclusive, mas gosto muito dele. O cara me colocou no cartaz do filme na porta do cinema e não colocou nem o meu nome no mesmo cartaz. Era uma foto linda, eu abraçado com a Terezinha. Mas são coisas que passam, ele é meu amigo. Só acho que ele podia mudar esse negócio de Zé do Caixão, isso já é passado. Fiquei chateado com esse filme dele não ter ido bem de bilheteria. Tadinho, ele merece, é um vencedor do cinema nacional.