Dossiê José Lopes
Entrevista com José Lopes
Parte 3: A parceria e os trabalhos com Tony Vieira
Por Matheus Trunk
Zingu! – O Tony virou seu amigo na Excelsior?
José Lopes – Sim. Éramos amigos, irmãos. O Tony Vieira não era meu amigo, era meu irmão. A gente era amigo de sair junto, de tomar umas junto.
Z – O Heitor Gaiotti entrou na turma quando?
JL – O Gaiotti era da Excelsior também, era assistente direto do Baleroni. Inclusive, dona Laura Cardoso era mulher do Baleroni. Eles se conheceram na Excelsior. Depois, o Gaiotti veio fazer um filme com o Edward Freund e o Tony estava fazendo um filme com o Mazzaropi. Aí o Gaiotti falou pro Freund: “Vamos trazer o Tony para fazer o papel da galã”.
Z – Como se formou a produtora MQ?
JL – O Tony terminou esse filme do Mazzaropi e foi fazer o filme do Freund, Um Pistoleiro Chamado Caviúna. Depois, fizeram Quatro Pistoleiros Em Fúria e Gringo.
Z – Nessa época, o Comendador já produzia?
JL – Olha, não sei bem. Ele já estava no Quatro Pistoleiros Em Fúria. Entrou e já fazia alguma coisa. Depois, cuidava de coisas da produção, como fazenda, cavalo, comida. Num desses filmes, o Tony fez amizade com o Comendador. O Freund conheci muito bem. Era uma pessoa maravilhosa aquele polonês caladão, outra cultura. O Comendador era o dono da fazenda e acabou conhecendo o Tony. O Tony com aquele jeitão dele de mineiro – “Porra, meu compadre, meu irmão” – acabou ganhando o Comendador. Quando foi fazer Gringo, o Freund entrou somente de ator e o Tony dirigindo. Depois, o Freund foi para o lado dele e o Comendador adotou o Tony. Começaram a produzir juntos e surgiu a MQ. As pessoas acham que o Comendador só jogava dinheiro. Essa idéia é falsa. O Comendador jogava dinheiro e depois o Tony chegava nele e falava: “Esse filme deu tanto, Comendador”. O Tony prestava contas com o Comendador. Era algo honesto e eles fizeram muitas produções juntos.
Z – Por ser produtor, o Comendador exigia um papel grande no filme?
JL – Não. O Tony que acabava colocando ele nos filmes porque era um tipo. O Comendador nunca foi ator. Mas gostava de cinema, de estar perto do pessoal, era namorador (risos). Outra figura maravilhosa, o Comendador, que Deus o tenha.
Z – Nos filmes do Tony, o senhor não tinha grandes papéis.
JL – Não tinha. Mas nos filmes dele, eu fazia de tudo: produção, efeitos… Ele confiava em mim. A gente brigava pra caramba, mas brigava num dia e no outro estava tudo bem. O Tony ficava doente na casa dele e me ligava às três da manhã: “Meu irmão, eu estou mal, estou com dor de cabeça. Vai na farmácia comprar um remédio pra mim”. E eu ia. O Tony não era meu amigo, era meu irmão.
Z – Não importava, para o senhor, o papel ser menor em algum filme?
JL – Não. Eu queria estar lá fazendo alguma coisa. E fazer efeitos especiais era uma coisa que me dava prazer. Hoje, não dá mais porque é tudo computadorizado. Mas fazer aquela coisa artesanal, preparar uma bomba, preparar um tiro, preparar um corte era muito legal. Isso me dava muito prazer e fazia com prazer, com carinho.
Z – Você e o Tony viviam juntos?
JL – Sim. Éramos muito amigos e sempre andávamos juntos. Sei bastante da vida dele. Tanto que, quando comprei um carro, ele o dirigia mais do que eu. Uma vez, fomos fazer um show com o Canarinho no interior. Na cidade, depois da apresentação, tinha até um hotel para gente pernoitar. Mas o Canarinho falou: “Vamos embora pra São Paulo”. E o Tony foi dirigindo, ele adorava dirigir. Nós entramos numa cidadezinha de madrugada e o Tony errou o caminho. Ele veio num embalo e tinha um guarda noturno na rua. Ele brecou o carro para perguntar o caminho e o guarda saiu correndo. O Tony: “Pô, meu irmão, eu parei para perguntar o caminho para o cara e ele saiu correndo”. O Canarinho respondeu: “Você é um mineiro xarope. Você vem nessa velocidade de madrugada, para o carro, breca e ainda quer que ele dê a informação pra você?”. O Canarinho fez a maior gozação com o Tony.
Z – O senhor trabalhou bastante com o Canarinho?
JL – Não muito. Mas viajei com ele. Uma vez nós fomos fazer um show em Aparecida. Esse Canarinho é um palhaço. O Canarinho só gosta de carrão. Pegamos a Dutra e ele me falou: “Cara, vem me contando umas piadas, senão pego no sono”. Ele ia dirigindo e eu contando piada pra ele. Chegou uma hora que não tinha mais piada e comecei a inventar. Mas ele quis me enganar. Ele parou o carro e me falou: “Deu um problema no automóvel”. Ele mandou eu descer para olhar o que tinha acontecido e ele ficou no carro. Quando eu desci, ele puxou o carro e me fez andar uns cinco quilômetros atrás dele (risos). O Canarinho me falou depois: “Isso é pra você não ficar mais contando piada infame” (risos).
Z – É verdade que foi o Canarinho que trouxe o Tony de Minas?
JL – Tem esse papo. Algumas pessoas falam que o Tony veio com o Moacyr Franco, outras com o Canarinho. O Tony já trabalhava lá em Minas na TV Itacolomi. Eu acho que foi o Canarinho que trouxe o Tony.
Z – Qual a importância de A Filha do Padre na filmografia do Tony?
JL – O nosso cinema estava numa evolução legal, crescendo bastante. A Filha do Padre teve uma importância pela ousadia de fazer um bangue-bangue real com cenário, montagem, aquela coisa toda. O Tony fez um cenário caprichado. Para fazer o cenário do filme, usamos não sei quantas carretas de madeira. Acho que o público brasileiro é bem chegado a bangue-bangue. A fita é bem feita, não chega a ser um espetáculo, mas é uma fita bem feita, bem fotografada, é uma história razoável. Uma fita típica do bangue-bangue nacional. É uma coisa diferente que surgiu no cinema brasileiro.
Z – Quando começou o envolvimento do Tony com a Claudete Joubert?
JL – Eles começaram a namorar acho que no Gringo, o primeiro filme que fizeram juntos. A Claudete era meninona ainda, muito nova.
Z – O Tony realmente não deixava–a participar de filmes de outros diretores?
JL – Acho que isso é conversa. O Tony fazia um filme, dois filmes por ano. Então, não tinha necessidade de ela trabalhar com outra pessoa. Acho que a mulher que ele mais amou na vida foi a Claudete. Foi a grande mulher da vida dele. Acho que ele tinha até ciúmes, mas não tinha isso de proibir ela de fazer outros trabalhos. Ela não tinha essa necessidade também de trabalhar toda hora, vivia com ele numa boa.
Z – Qual a importância do Walter Wanny no cinema do Tony? Ele montou quase todos os filmes dele.
JL – O Waltinho andou fazendo alguns papéis também. Mas a importância dele era mais como montador. O Tony gostava muito dele como montador.
Z – Do Jair Garcia Duarte também?
JL – Do Jair também. Mas o Waltinho e o Tony se entendiam muito bem. O Tony chegava nele: “Waltinho, eu quero assim” e deixava na mão dele. Além do Waltinho e do Jair, o Tony teve outro montador. Mas a maioria daqueles filmes tiveram montagem do Waltinho.
Z – Com o Henrique Borges, ele teve uma verdadeira parceria?
JL – O Henrique atuou como câmera e depois como diretor de fotografia. Chegou uma hora, o Tony manjava quase tudo de cinema. O Tony mesmo adorava fazer câmera. Câmera na mão então, ele adorava. Mas sempre ligado com o Henrique, com o resto do pessoal da equipe técnica. O tempo foi andando e como o tempo não pode parar, se foi Tony Vieira ainda jovem. O Tony morreu acho que com 55 anos. Meu amigo se foi e agora estão abrindo um museu em Contagem com o nome dele. Quero deixar, inclusive, registrado os meus agradecimento a essas pessoas, ao Giba e os demais que estão lutando. Acho que o Tony é merecedor dessa homenagem. Isso é merecido. Tem coisas que falam de Tony que me aborrecem muito. Na época em que os filmes iam bem, via em várias manchetes de jornais de São Paulo: “Tony Vieira: o rei do bangue-bangue brasileiro”. Aí depois que o cara morre me aparece uma notinha pequenininha: “Morre diretor de sexo explícito”. Isso me deixou muito chateado, muito aborrecido. As pessoas não têm respeito. O Tony tem uns filmes que realmente não são bons, mas a maioria é. Ele acertou mais que errou. Pra mim, Pilantras da Noite é um puta de um filme. Assim como Gringo, A Filha do Padre…
Z – Em qual cinema ele lançava os filmes dele?
JL – A maioria foi no Marabá.
Z – Como era um dia de estréia de um filme do Tony Vieira?
JL – Um dia de estréia era um dia de festa para os atores, técnicos, diretor. Não tinha coquetel, porque isso surgiu de um tempo pra cá. Mas se reuniam as pessoas, se assistia o filme, ia para um restaurante jantar, tomar uns negócios, discutir sobre o filme.
Z – Como era a popularidade dele? Ele era muito reconhecido na rua?
JL – O Tony era. De 1973 até os anos 90, Tony Vieira era conhecido em São Paulo, no Sul. Mas no Norte e Nordeste ele era o Roberto Carlos do cinema. Todo filme de Tony Vieira naquela região dava dinheiro e as pessoas adoravam ele. Era um cara muito querido no Norte e Nordeste. Nós até chegamos a filmar, uma vez, em Recife. Até o Candeias foi, como diretor de fotografia.
Z – O Tony dava muito autógrafo? Ele gostava do assédio dos fãs?
JL – O Tony era uma pessoa vaidosa. Gostava muito de cuidar do físico. Era muito namorador também (risos).
Z – Gostava de andar com carrão, roupa legal?
JL – Sim. Sempre com umas roupas diferentes. De repente, me aparecia com uma calça toda vermelha, um casacão preto, ele gostava dessas coisas (risos). Carrão sempre. Durante uma época, teve um Landau. Quando o carro chegava na rua do Triunfo, pegava um espanador e ficava limpando o carro. Ele fazia isso principalmente de sexta-feira. Chegava pra mim e falava: “Hoje, nós vamos dar umas bandas por aí e estou deixando o automóvel bonito”. Ele adorava ficar limpando o veículo. Os caras faziam gozação com o Tony e ele respondia: “Estou dando um trato aqui”.
Z – Como era a presença dele no bar Soberano?
JL – Todo mundo tinha um certo respeito por ele. Ele era muito querido do Serafim e de todos os donos. Era uma pessoa que se, no Soberano ou no bar do Ferreira, chegasse quatro, cinco pessoas e falassem “Eu vim almoçar. O Tony Vieira que me mandou”, eram servidas na hora, sem problema. Ele era bem considerado lá por todo pessoal.
Z – O Gaiotti também ficou muito próximo a vocês?
JL – Sim. O Gaiotti já vinha da Excelsior. Ele é nosso irmão, nosso amigo. Só que o Gaiotti casou logo com uma menina inclusive que ele conheceu em A Filha do Padre. Ele tinha uma família grande aqui. Eu e o Tony Vieira não tínhamos família em São Paulo. Então, a gente era mais amigo por isso. Eu e o Tony estávamos sempre juntos. Muitas vezes, o Gaiotti ficava com a gente, mas depois ia pra casa dele.
Z – Onde o Tony morava aqui em São Paulo?
JL – Na época da Excelsior, ele morava numa ruazinha perto da Praça 14 Bis. Perto da Vai-Vai. Depois quando ele saiu e fez a parceria com o Comendador, morou na rua Vitória, perto da São João. Morou na Rio Branco, também perto da São João. Esses dois locais eram apartamentos do Comendador.
Z – Ele ficou abalado com a separação da Claudete?
JL – Ele era meio machista e dizia que não (risos). Mas abalou sim, dizia que não, mas a gente olhava na cara e percebia (risos). Ele não demonstrava, ficava naquela, brincava. Eu, como amigo, percebi que abalou sim. Depois, ele arrumou outra menina muito bacana, a Cleuza Ramos.
Z – A que também era atriz?
JL- Isso. Mas acho que a Claudete ficou na lembrança dele até a morte. A Cleuza é uma pessoa maravilhosa. Especialmente, porque quando o Tony estava internado no Hospital Santa Isabel, pelo menos três vezes por semana ela ia lá e levava um frango com quiabo. Como bom mineiro, ele adorava esse prato (risos). Eles já estavam separados, mas mesmo assim a Cleuza levava. Quando faleceu, em Belo Horizonte, me ligaram umas três da manhã avisando que ele tinha morrido. Não teve condições de eu ir ao enterro, mas a Cleuza conseguiu numa correria uma passagem de avião e foi. Acho que ela foi a única pessoa de São Paulo a ir no enterro dele. Acho que o irmão do Tony, que era meu amigo, ficou até chateado comigo porque eu não ter ido. Me ligaram às três horas da manhã e ele ia ser enterrado quatro da tarde. Não deu, mas tudo bem. Importante é a lembrança que eu guardo dele, a amizade que nós tivemos. Isso é o mais importante.
Z – Tem um filme que o Ronnie Cócegas faz o papel cômico no lugar do Gaiotti, As Amantes de um Canalha.
JL – Ah! O Ronnie Cócegas era meu amigo. Também morou no meu prédio. O Ronnie não está mais aqui pra falar a verdade, mas uma vez ele falou pra minha mulher e pros meus amigos que quem o trouxe para televisão fui eu. Quando eu o conheci, ele morava na Vila Ré. Um dia estava ele na porta do canal 9, com aquela cara: baixinho, feinho, narigudo e cheio de graça. O Ronnie que me desculpe, mas ele era muito feio (risos). Ele tinha chegado da Bahia, contando umas piadinhas. Eu já trabalhava no Show Riso do finado Valentino Guzzo. Eu o achei engraçado e cheguei pro Valentino Guzzo: “Tem um cara aí que não precisa nem falar, ele já é engraçado”. Quando terminou o programa, a gente saiu da Excelsior e o apresentei pro Ronnie. O Valentino também gostou dele. Depois, apresentaram o Ronnie para o Paulo Celestino e arrumaram um papelzinho no Show Riso para ele.
Z – Vocês continuaram amigos?
JL – Sim. Inclusive, lembro que, na época, tinha um Gordini e fui buscar a mudança dele na Vila Ré e levei não sei pra onde (risos). Lembro da mulher dele, uma baiana, moreninha, bonitinha pra caramba. Separaram depois, mas ela era muito bonitinha, uma baixinha morena. Encontrei com Ronnie na São João, tomamos um negócio juntos, ficamos nos vendo e de repente ele morre. Fiquei triste na última vez que o vi. Ele já estava com a barriga grande, com tudo estourado. Uma pena.
Z – Por que, nesse filme, o Tony usa o Ronnie e não o Gaoitti?
JL – Eu não sei o que aconteceu. O Tony já conhecia o Ronnie Cócegas do canal 9, do Show Riso. Como outro amigo meu, o Tony Tornado, que fez o mesmo filme. O Tony Vieira gostava muito do Tony Tornado também. Não sei se foi briga com o Gaiotti ou se o Tony quis fazer uma experiência com o Ronnie Cócegas.
Z – O Jofre Soares também era amigo de vocês?
JL – O velho Jofre já foi amizade da Boca. O Tony adorava ele. Outro que foi meu irmão, meu amigo. Deus que o tenha.
Z – É verdade que o Jofre era meio chato pra tomar café?
JL – O Jofre era um velho gozador (risos). Ele tinha um apartamento no Rio, mas de vez em quando aparecia aqui. Quando o via na rua do Triunfo, ele começava a relinchar, a imitar um bode. Aí a gente saia da Boca pra ir comer buchada de bode com ele lá no Brás. Acho que o Jofre era da Marinha. Uma figura maravilhosa e bom ator também.
Z – Trabalhar em um filme da Boca, pra ele, não era problema?
JL – Não. A gente chegava nele: “Jofre, tenho tanto pra pagar pra você”. Ele falava: “Ah, vamos fazer”. Ele fez também um filme do Wilson Rodrigues comigo. O Wilson é outro cara que sempre batalhou. Está até hoje na ativa. Foi ator, diretor, produtor. Teve muito bem de vida quando começou com distribuição de vídeo. Ele tomou um andar inteiro onde era o escritório do Mazzaropi. Depois, foi fazer O Gato de Botas, acho que gastou muito dinheiro, não deu muito certo. Mas está aí na batalha e vivo graças a Deus.
Z – Desses trabalhos com o Tony, tem algum preferido?
JL – Gosto muito de Pilantras da Noite. Tem vários filmes que eu gosto, tem um bangue-bangue que foi feito em Minas que eu tenho um papel bom… Esse filme era do João Amorim, lá de Santa Catarina. Outra pessoa bacana. No Calibre 12, tenho um papel bacana também. Faço um cara maluco, um oficial doidão.
Z – Como foi pro Tony fazer filmes de sexo explícito?
JL – Não foi o Tony, foi o momento. Não dava para fazer outro tipo de filme. O explícito veio caindo, arrebentando e se você fizesse outro gênero não acontecia. Então, mesmo não gostando, os diretores tiveram que adotar o explícito. O Tony, inclusive, não usava o nome dele.
Z – Ele assinava como Maury Queiroz.
JL – Sim. Ele não gostava. Ele falava: “Meu irmão, faço porque é o jeito”. Aliás, acho que a maioria dos diretores da Boca não gostavam. Tinham uns que sim, mas a maioria não. O Tony, Ary, Fauzi Mansur, esse pessoal não. Muita gente fala que o que acabou com o cinema de São Paulo foi o explícito. Mas não foi o explícito. O que acabou com o cinema de São Paulo foi que, quando o explícito estava caindo, o pessoal não teve coragem de mudar para outro gênero. Então, não foi o explícito que derrubou. Aí alguns produtores que estavam com dinheiro no bolso foram embora com medo de perder. Outros se aventuraram e andaram perdendo. Eu acho que foi uma mudança do erótico, que não é explícito. Um filme erótico é outra coisa. Hoje, nas novelas, você vê o erotismo que falavam mal. Então, o erótico ficou um tempo segurando e veio o explícito. Mas quando o explícito começou a cair, não souberam fazer outro tipo de cinema.
Z – Vocês achavam que aquele cinema ia voltar? Os eróticos.
JL – O cinema deveria ter melhorado, com uma produção melhor. Um cinema de elencos melhores. Tinha cara que fazia cinema na Boca porque tinha somente aquele cinema. Muitas vezes, podia ter capacidade pra fazer um cinema melhor, mas não tinha dinheiro. E tudo nessa vida é dinheiro. Digamos: equero filmar numa sala de um prédio e o dono não me deixa. Se tenho dinheiro, posso alugar essa sala ou então monto uma igual. Cinema depende de dinheiro. Acho que se o pessoal tivesse segurado, não tinha morrido.
Z – O Tony, quando estava fazendo um filme explícito, falava: “Depois desse filme, com a grana que entrar, vou voltar a fazer um faroeste ou um policial”?
JL – Chegou a comentar isso. Quando ele ficou doente, o irmão dele o levou pra Belo Horizonte e ele teve uma recuperação legal. Só que eu já sabia que não adiantava. O médico tinha falado pra mim que ele estava impregnado com câncer. Ele voltou pra São Paulo quatro meses depois muito feliz. Estava forte, gordo. Só que aquela gordura que não era legal. Estava careca. A terapia deixa o cara assim. Na volta, quando ele me reencontrou, me abraçou e falou: “Compadre, vamos fazer um filme em Belo Horizonte que o Milton Cardoso vai financiar”. Ele estava todo feliz. Fomos jantar no restaurante Tabu, mas a comida não me desceu. O médico tinha me falado: “Índio, o seu amigo está impregnado de câncer. Ele tem câncer nos ossos. Se ele tiver uma melhora, essa melhora vai durar somente uns três meses, quando voltar pro hospital pode ser tarde”. Foi dito e feito. Passaram uns dois meses, numa madrugada, o filho dele me liga. Antes de ele falar, eu disse: “Já sei Toninho. O seu pai faleceu”. Para o caso dele, não tinha cura, infelizmente.
Z – Na Boca, se espalha muito que ele morreu de AIDS.
JL – Sobre isso, já cansei e até briguei com alguns amigos meus. Você até tem o direito de me perguntar sobre isso. Agora, uns imbecis amigos meus e amigos dele sabem que o cara morreu de câncer. Já fiquei nervoso com isso. O cara morreu de câncer, eu sei. Eu ia no hospital com ele todo dia. Foi um professor de medicina, que era dono de um hospital no Pari, que fez o diagnóstico do Tony. Esse médico era parente do Farah Abdalla.
Z – O Farah que era dono daquela distribuidora de revistas na Boca?
JL – Sim. Ele foi produtor de filme também, de O Rei da Boca, do Clery Cunha. Até esqueci de falar do meu amigo Farah. O Farah ligou pra esse primo dele que era professor de medicina e esse cidadão foi na Santa Casa, chamou o médico do Tony e falou: “Não tem jeito”. Quando dava as crises no Tony, eu estava no quarto com ele no hospital. Ele pegava o travesseiro e mordia de tirar o pedaço, dava aquelas crises de dez, quinze minutos. Então, não tem nada de AIDS.
Z – O Tony era um cara muito invejado na Boca?
JL – Não. Ele era uma pessoa legal com todo mundo. Sempre foi um cara brincalhão. Acho que esse negócio de inveja é relativo. Ás vezes, alguém tem, mas isso passa despercebido. Mas não tinha inimigos, todos gostavam muito dele.
Z – Os filmes dele iam muito bem de público. Mas a maioria das críticas dos jornais não era positiva. Ele se sentia incomodado com isso?
JL – Ele não ligava. Ele falava que crítico não levava dinheiro para o cinema (risos). Tanto é que num filme dele, ele levou o Zé Júlio Spiewak pra ser ator. Aí o Zé Júlio começou a errar lá e o Tony já começou a gritar. Ele falava: “Tá vendo, seu pedaço de arrombado, porque filme nacional não presta? Porque tem uma desgraça que nem você, você é ruim demais”. O Zé Júlio coitado, só faltou chorar (risos). O Tony era muito engraçado em campo de filmagem, dava uns estouros em certos momentos. Muitas vezes, brigava comigo sem eu saber. Ele ficava com raiva de algum ator e, ao invés de ir falar com o cara, vinha falar comigo. Depois, pedia desculpa. Ficava descontando em cima de mim.
Z – O senhor acha que ele era melhor ator ou diretor?
JL – O Tony era bom ator. Para dirigir também, era um cara criativo e tinha boas idéias. Muitas vezes, a coisa não saia como ele queria.
Z – Em muitos filmes, o Rajá Aragão e o Luiz Castellini faziam os roteiros. Ele seguia o roteiro? Chegava a dar o roteiro para vocês antes?
JL – Não me lembro. Mas ele gostava muito do Rajá, gostava do Castellini. Então, ele dava a idéia: “Olha, eu quero fazer um filme assim”. Eles faziam o roteiro e o Tony respeitava o que as pessoas escreviam. Ele podia mudar alguma coisinha, mas seguia a linha e respeitava.
Z – Como surgiu a idéia de Último Cão de Guerra? Afinal, é um filme sobre nazismo.
JL – É uma coisa maluca. Acho que o Rajá que escreveu, mas sendo uma idéia do Tony. Eu participo também. O Tony era criativo, tinha boas idéias e tinha noção de roteiro também. Não fazia por fazer.
Z – Tem outro filme que é sobre tráfico de escravas brancas.
JL – A mente dele já estava avançada nessas maluquices que tem hoje. Hoje, você vai ver um filme e tem muitas coisas assim. Ele já tinha essas idéias.
Z – Essas idéias para os filmes vinham dele?
JL – Vinham. De vez em quando, ele inventava uma idéia maluca e repassava para os roteiristas. Eles escreviam o roteiro e o Tony respeitava.
Z – Ele treinava a equipe e os atores antes da realização de um filme?
JL – Não. Eram filmes feitos em pouco tempo, então não tinha esse trabalho todo. Ele treinava o necessário. Estando bom, a gente filmava. Ele tinha paciência com o pessoal e tinha respeito pelos atores, equipe, todos. Mas se um cara precisava receber bronca, ele dava, explodia. Mas você não acreditava na explosão dele também (risos). Às vezes, quando ficava muito maluco, dava uns gritos comigo, com o Gaiotti. Mas ficava nisso mesmo.
Z – O Alex Prado e o Francisco Cavalcanti faziam filme no mesmo estilo que o dele. O senhor acha que isso o incomodava? Existia uma rivalidade?
JL – Não. Ele nunca se incomodou com isso. Tony Vieira ficava feliz quando alguém fazia um filme e dava sucesso. Ele chegava e falava: “Tá vendo? Nosso cinema está ficando legal”. O negócio do Tony era ver o cinema nacional bonito, não importa quem fosse. Lógico, ele também não era santo. Às vezes, comentava alguma coisa. Mas meter pau não era do feitio dele.
Z – E o time de futebol?
JL – Ele gostava de esporte. Então, criou e gastou muito dinheiro com esse time de futebol (rindo). Levava os caras pra jogar. Teve jogadores dele que foram até para o Palmeiras, um tal de Jorginho. Eles jogavam num campo perto da Portuguesa, o time dele tinha camisa, tudo (rindo).
Z – O senhor chegou a jogar bola com ele?
JL – Ah, eu era meio prego. Eu jogava às vezes, mas era meio ruim no negócio.