Entrevista com Anselmo Duarte

Especial Anselmo Duarte

Entrevista com Anselmo Duarte

Por Marcus Vinicius Moraes, especialmente para a Zingu!*

A entrevista a seguir com Anselmo Duarte foi realizada em março de 2000, para o site Cine Brasil, porém nunca foi publicada.

As respostas foram datilografadas pelo próprio Anselmo, numa máquina de escrever, e revisadas por ele, com anotações em caneta azul, além de correções batidas à máquina. Característica muito presente em Anselmo, o seu perfeccionismo. Junto com essa transcrição, abaixo, poderão ver as oito páginas originais da entrevista, scaneadas a partir da versão em papel de fax que Marcus Vinícius possui e mantém. As imagens foram tratadas em Photoshop para recuperarem sua cor.

Zingu! – Como o senhor descobriu sua vocação para o cinema?

Anselmo Duarte – Na minha infância, dos 7 aos 10 anos de idade, eu freqüentei o cine-Pavilhão, na cidade de Salto/SP, onde nasci. Fiquei maravilhado com as imagens em movimento. O cinema era ainda mudo, sem som, e com letreiros. As cenas eram acompanhadas pela música de um piano. O projetor ficava atrás da tela, tão próximo dela, que para evitar incêndio, precisava esfria-ia com esguichos d’água, nos intervalos – trabalho este, executado por meninos pobres, que não podiam comprar a entrada. Eu era um deles. Tímido, nunca pretendi ser ator, nem famoso, queria apenas fazer o meu filme, atrás da tela, atrás da câmera, num quarto es¬curo da minha casa, para minha família e meus amiguinhos. Construí uma pequena tela, molhada, onde eu grudava recortes de revistas de cinema, iluminados pela luz de vela. Depois construí um protetor de slides, para exibir minha coleção de fotogramas de filmes, que eram vendidos pelo projecionista do cine-Pavilhão. Vocação? Eu nem sabia o que significava; os que nos conhecem percebem que a possuímos, através de atos como estes.

Z – Como começou no ramo do cinema?

AD – Comecei como figurante nos filmes: It’s All True, de Orson Welles, e Inconfidência Mineira, de Carmem Santos, apenas por curiosidade. Depois o diretor italiano Alberto Pieralise convidou-me para fazer um teste para o papel principal de seu filme Querida Suzana. Fui contratado.

Z – Em quais companhias cinematográficas o senhor atuou?

AD – A primeira companhia foi Imperial Filmes, do exibidor e produtor carioca Luiz Severiano Ribeiro. A segunda, Cinédia, do produtor Ademar Gonzaga. A terceira, Estúdios San Miguel, em Buenos Aires, Argentina. A quarta, Atlântida Cinematográfica, no Rio de Janeiro, onde atuei em muitos fil¬mes populares. A quinta, Estúdios Vera Cruz, em São Paulo, em quatro filmes de nível internacional, com famosa equipe inglesa. Com a falência da Vera Cruz, voltei ao Rio de Janeiro, e associei-me ao meu amigo, professor, e diretor da Atlântida, Watson Macedo, como produtor, ator, e roteirista. Realizamos diversos filmes no sexto estúdio, Brasil Vita Filmes, atualmente estúdios de dublagem de Hebert Richers. A sétima, Maristela, de São Paulo. A oitava, Tóbis Filmes, em Lisboa, Portugal. A nona, Céa Filmes, em Madrid, Espanha. Conheci os melhores estúdios da Argentina, Espanha, e da Cine-Cittá, em Roma, Itália, onde, a convite de Federico Fellini, assisti uma filmagem do seu lendário estúdio 5, do seu famoso filme Roma.Visitei os grandes estúdios da Universal Pictures em Hollywood, em companhia do seu presidente, que convidou-me para dirigir nos EUA.

Z – Como se deu sua entrada na Vera Cruz?

AD – Em 1950, a Vera Cruz já havia realizado quatro filmes com artistas do teatro, e grupos amadores da alta sociedade, que apesar de bons atores, não tinham popularidade. Com o alto custo da produção, deram prejuízo à companhia. O produtor Alberto Cavalcanti foi demitido, e contrataram Fernando de Barros, um expert em filmes populares. Foram contratados Anselmo Duarte, Tônia Carrero, Modesto de Souza, Ruth de Sousa, Alberto Ruschel, Mazzaropi, Ilka Soares, e outros da Atlân¬tida e independentes, que já haviam conquistado o grande público do cine-ma brasileiro. De 1951 em diante, saíram os filmes de maior rentabilidade da Vera Cruz: Tico-Tico no Fubá, O Cangaceiro, Sinhá Moça, os filmes do Mazzaropi, e outros. Apesar da boa rentabilidade dos novos filmes no território nacional, a Vera Cruz nada recebia das exibições no exterior. Sem experiência do comércio internacional de filmes, a Vera Cruz entregou seus produtos a distribuidoras americanas, e foi lesada de todas as formas. Além disto, Zampari não abdicava da boa qualidade técnica dos seus filmes, apesar de populares e do seu sonho em terminar de construir o estúdio. Gastou tudo que tinha, ficou pobre, endividado, e perdeu seus estúdios para o Banco do Estado, que fechou suas portas.

Z – O senhor poderia falar mais sobre a Vera Cruz?

AD – Depois que parou de produzir, alugava os estúdios e equipamentos técnicos para produtores independentes. Eu fui um dos primeiros a utilizá-los fora dos estúdios. Levei-os para a Bahia, para produzir e dirigir O Pagador de Promessas, e, antes deste, já havia realizado dentro dos mesmos o meu primeiro filme como diretor, Absolutamente Certo!. O acervo técnico era de excelente qualidade: quatro câmeras Mitchel, a mais famosa e cara do mundo; seis de outras marcas; refletores de iluminação Moll Richard-Son; som R.C.A. para gravações óticas e magnéticas; mesa de mixagem com 12 canais; aparelho de back-projection – fundo projetado atrás dos artistas, para simular e ambientar cenas exteriores dentro dos estúdios; gruas; dollings; cabos; geradores; projetores; moviolas; coladeiras; truca; microfones, e gravadores portáteis, etc. – importados dos EUA, da França e da Inglaterra. Graças ao idealismo de Franco Zamapari em produzir filmes de nível internacional, recursos financeiros, e uma competente equipe de técnicos ingleses, os filmes da Vera Cruz realizados há 40 anos são os únicos que resistiram ao tempo, e ainda são exibidos com sucesso na televisão daqui e de outros países. Em 1996, na França, o Festival International de Biarritz – Cinémas et Cultures de L’Amérique Latine homenageou dois di¬retores, Alberto Cavalcanti e Anselmo Duarte, e dedicou uma retrospectiva a 16 filmes da Vera Cruz. Nos colóquios com cinéfilos e universitários franceses, sempre perguntavam: “porque há 40 anos atrás o Brasil realizava melhores filmes que os de hoje?”

Z – O senhor foi o galã mais famoso do cinema brasileiro. Como convivia com essa popularidade? Gostava?

AD – Não… não gostava. Ao contrário, preocupava-me ter de conviver com a notoriedade de grande artista do cinema, admirado por muitos, e invejado por outros tantos, que não sabiam nada sobre os sérios problemas do artista brasileiro (sem televisão), com a responsabilidade de manter com dignidade um lar, com mulher, e filhos para criar e educar, com salário de coadjuvante do cinema de Hollywood. Enquanto era galã invejado, trabalhava sem nada ganhar, em todas as funções técnicas de um estúdio, para aprender, realizar meus sonhos de criança, e livrar-me da pecha de galã de cinema brasileiro.

Z – O senhor atuou em filmes que fazem parte da história do Brasil, como Independência ou Morte, interpretou o compositor e pianista Zequinha de Abreu, em Tico-Tico no Fubá e, com surpreendente versatilidade, desempenhou o papel de vilão do filme baseado em fatos verídicos, O Caso dos Irmãos Naves. Como se sentiu interpretando personagens tão diferentes?

AD – O ator ou atriz que adquire experiência profissional, popularidade, bons conceitos da mídia, a confiança dos diretores, e bom “negócio” para os produtores, pode se dar ao luxo de escolher os argumentos e os papéis que deseja interpretar. Eu não fugi à regra, só não escolhi os diretores que me dirigiram, o que resultou constar, em minha filmografia de ator, bons e maus trabalhos. Quanto aos temas, predominam os de conteúdo histórico, costumes e problemas sociais. Tal preferência nota-se não só nas personagens que interpretei como também nos roteiros que escrevi, que contam a história de um Zé do povo, Zé da Bomba, Zé do Lino, Zé do Burro. Em Independência ou Morte, cujo roteiro é meu, fiz o papel do orador da maçonaria, a pedido dos maçons, e porque digo a verdade histórica sobre a nossa independência. Em Tico-Tico no Fubá, porque tenho afinidade com a música, gente do interior, exponho a luta e os grandes feitos de um músico e compositor que morreu na miséria. O Caso dos Irmãos Naves, um filme documentário do mais odioso e desumano ato do Governo Ditatorial, que, à guisa de justiça, condenou à prisão dois inocentes trabalhadores. Colaborei com os realizadores do filme, interpretando o papel do Tenente-vilão, para rememorar tão escabroso julgamento e fato, na esperança que os senhores da justiça e dos governos ditatoriais não o esqueçam, meditem e não voltem a cometê-lo.

Z – Sua longa carreira artística caracterizou-se pela sua extensa atividade como ator ou diretor, atuando ou realizando filme atrás de outro sem muito espaço de tempo. Na década de 60, houve uma longa parada de três anos, sem aparecer como ator ou realizador de qualquer filme. Qual foi o motivo?

AD – Graças à premiação do meu filme O Pagador de Promessas com a Palme D’Or no Festival de Cannes-França, passei o ano de 1962 com¬parecendo ou disputando outros festivais internacionais. Terminadas as festividades, tive que assumir o papel de produtor para as vendas fora do Brasil, e passei os anos de 1963/64 viajando. Portanto, só em 1964 consegui voltar às atividades de diretor.

Z – Quais as funções de um produtor de filmes?

AD – Na Europa ou nos EUA, é escolher a história, financiar a produção, e geri-la. Contratar estúdio, técnicos, artistas, laboratório, cinemas exibidores, realizar inscrições em festivais, publicidade, pagamentos, contabilidade, etc. Porém, naquela época não tínhamos produtores capacitados para essas funções, eram apenas financiadores. Aplicavam o capital e recebiam os lucros. O diretor era responsável por tudo, e tinha que entregar o filme pronto ao produtor. Para realizar meus filmes, sempre desempenho as funções acima descritas, e no caso de O Pagador de Promessas, por insuficiência de dinheiro para produzi-lo, tive que desempenhar funções técnicas, tais como fotógrafo de cenas, cenógrafo, produtor executivo, editor, e até o cartaz do filme, em que compus, diagramei e fotografei. Depois vieram as viagens para os festivais e vendas no exterior como já disse. Gostaria de esclarecer que isto não é lamento, foi um prazer ter trabalhado em todas as funções relacionadas com o cinema.

Z – Por favor, conte algo sobre a história de O Pagador de Promessas, bem como sobre a época, sobre como foram as filmagens em Salvador/BA, e sobre o povo que ali morava.

AD – Trata-se de uma peça teatral de Dias Gomes. Estava sendo representada em São Paulo com o ator Leonardo Villar, encenada pelo diretor Flávio Rangel, que me convidou para assisti-la. Era o tema que eu procurava: um pobre e inocente homem do campo faz uma promessa para Santa Bárbara, a de carregar uma cruz tão pesada quanto à de Cristo, até a longínqua cidade de Salvador, se a santa curasse o seu burro Nicolau, que está à morte. Consegue a graça, mas quando tenta colocar a cruz dentro da igreja de Santa Bárbara, o Padre pergunta: ‘porque o senhor não pagou a promessa na igreja da cidade onde mora?’ Zé do Burro responde: ‘porque lá no sítio não tem uma igreja, então a fiz num terreiro de candomblé, onde tem uma Santa Bárbara, que chamam de Iansã’. Deste momento em diante, começa a tragédia do pobre Zé do Burro, impedido pelo padre de entrar na igreja, humilhado pelas autoridades, usado pela imprensa e pelo comércio, perde a mulher, sofre, luta contra a incompreensão e intolerância da igreja, sociedade, polícia, e beatos, mas consegue entrar na igreja com a sua cruz prometida, porém morto e crucificado nela. Comprei os direitos de adaptação da peça para o cinema, fiz o roteiro, escolhi os locais em Salvador, e realizei as filmagens, sendo 80% delas nas escadarias da igreja. O fato ocorreu na década de 40, naquela cidade, mas se repete até os dias de hoje, devido ao sincretismo religioso na Bahia. O povo baiano é simpático e receptivo, sempre atende às convocações feitas pela imprensa para comparecer ao local das filmagens para trabalhar como figurante – conforme a cena, utilizava-os para figurar como transeuntes, variando a quantidade (de 20 a 1000, diariamente, e, nas cenas finais, 2000). Gosto de filmar fora dos estúdios, em locais autênticos, de preferência onde aconteceram os fatos. Foi para mim muito trabalhoso e difícil dirigir no meio do povo, com atores amadores, não profissionais de cinema, e sem assistente de direção. Em compensação, o desempenho talentoso dos artistas Leonardo Villar, Gloria Menezes, Dionísio Azevedo e Norma Bengell muito me facilitou cumprir essa árdua missão. Trabalhamos durante dois meses, nas escadarias da igreja, ruas e outros locais, sem descanso semanal, dias e noites, movimentando a parafernália técnica no meio do trânsito e do povo sorridente. Nas cenas noturnas, colocávamos os grandes e possantes refletores de arco voltaico nas janelas, sacadas, salas e até quartos, sempre com simpática e bondosa permissão dos moradores, e ainda nos desejavam bom trabalho. Estou certo de que se condoíam de ver a nossa desesperada luta diária para transformar suas janelas em plataformas-pontos para refletores, eletricistas ligando cabos de alta voltagem, ensopados pela chuva artificial, como nunca viram, e que Hollywood faz brincando em seus estúdios. O bondoso povo baiano parecia adivinhar que o filme seria importante para o nosso cinema, e principalmente para a Bahia. Transformou nosso trabalho numa grande festa. Todos os locais escolhidos por mim, inclusive os postes de iluminação da escadaria da igreja, foram comprados e colocados lá pela minha produção, e depois utilizados pela TV Globo para gravarem a. minissérie colorida O Pagador de Promessas, sem um simples crédito de cenógrafo para minha pessoa. Ignoraram a minha criatividade, e não fui merecedor nem de um “mini” agradecimento. Quem não tem idéia, aproveita as dos outros.

Z – O que o senhor tem a dizer sobre o cinema brasileiro atual?

AD – O nosso cinema é epidêmico, com duração de dez anos. Já assisti o início e o fim de cinco deles. O último morreu com o advento da televisão, o fechamento das casas exibidoras e Cinema Novo. Nunca tive o auxílio do governo como atualmente. Em 1998/99, foram aplica¬dos mais de 300 milhões de reais, dinheiro do imposto de rendas, que na sua maioria são captados por pessoas e escritórios de prestação de serviços, que nunca tiveram o menor relacionamento com o cinema, infelizmente. Resultado: uma avalanche de produções, na sua maioria, realizada também por pessoas sem intimidade com a sétima arte. Os que conseguem chegar ao fim, com alguma qualidade, não conseguem ressarcir o capital empregado por falta de casas. O Brasil possuía 5000 salas de cinema, hoje, viáveis, apenas 500! Apenas um ou dois filmes, de promissores diretores, conseguiram sair de nossas fronteiras, mais pela criatividade, não pela qualidade, conseguiram algum sucesso em festivais internacionais. Como desenvolver uma indústria, cujo produto não tem onde ser vendido, e com possíveis consumidores, em casa assistindo televisão? Não freqüentam os cinemas por diversos motivos – os principais, segurança e financeiro.

Z – Quais filmes mais gostou de dirigir e de atuar?

AD – Como ator, A Sombra da Outra, Carnaval no Fogo, Tico-Tico no Fubá, Sinhá Moça, Arara Vermelha, O Caso dos Irmãos Naves, e Absolutamente Certo!, o mais completo, em que roteirizei, atuei, produzi e dirigi. Como diretor, O Pagador de Promessas, Vereda da Salvação, Um Certo Capitão Rodrigo, Quelé do Pajeú, e O Crime do Zé Bigorna.

Z – O senhor atuou como ator em outros países (Argentina, Portugal e Espanha), e como diretor iniciou o filme Le Rapt, na França. Porque não o terminou?

AD – O Rapto, história e roteiro meus, seria uma co-produção França-Espanha. Comecei a filmar ruas e locais famosos de Paris, que serviriam de back-projection, fundo projetado para as cenas que seriam filmadas nos estúdios de Madrid, na Espanha. Estourou uma greve no cinema francês, e o governo decretou: ‘Toda co-produção francesa deverá obrigatoriamente ser filmada em estúdios franceses, e os exteriores onde a história exigisse’. Exatamente ao contrário do que fazíamos por questões econômicas. Os estúdios e equipes técnicas da França eram três vezes mais caros que na Espanha, e as filmagens foram interrompidas. Tornou-se inviável a produção do meu filme, com as novas leis e condições.

Z – Porque aceitou fazer o livro Adeus Cinema, escrito por Oséas Singh Jr.?

AD – Depois de estagiar três anos na Europa, voltei convicto de que poderíamos conquistar prêmios em festivais internacionais e ganhar aqueles mercados com temas e conteúdos mais originais, realistas, documentais. Filmes que expressassem nossa cultura, ansiedades, problemas e realizados fora dos estúdios (precários), nas ruas e locais autênticos e gente com cara do Brasil – em que o conteúdo e a verdade fossem mais importantes que o preço das sofisticadas produções copistas. Enfim um CINEMA NOVO. Realizei o primeiro, O Pagador de Promessas. Escolhido pelo Departamento Diplomático do Itamaraty para representar o Brasil no Festival Internacional de Cannes-França, despertou a curiosidade de um grupo jovem de cinéfilos, jornalistas, e universitários, que comungavam as mesmas idéias. Pediram para ver o filme. Após a projeção, em meio de eufórica manifestação de entusiasmo e cumprimentos, o jornalista, cineasta e dicionarista Alex Viany proclamou: ‘nesta noite, está nascendo um CINEMA NOVO do Brasil’. Aplausos e vivas. Depois da premiação internacional do meu filme, o aferido grupo, perplexo, ficou frustrado em seus ideais, pois era exata¬mente o que pretendiam com os seus futuros filmes. Iniciaram campanha desmoralizadora à minha obra, através de conferências em cineclubes, televisão, escolas de comunicação, edições de livros, alguns oficiais custeados pela Embrafilme, artigos em jornais, que os acolheram por simpatia profissional. Vítimas dessa lavagem cerebral também foram seus inocentes ouvintes, que saíram das faculdades com a cabeça feita, indo para os jornais ou se tornando professores de cinema. E, durante 20 anos de militância nos meios de comunicação, revelaram-se críticos sectários, e semearam impiedosamente a discórdia no meio da pacifica família cinematográfica brasileira, destruindo-a. Produzíamos mais de cem filmes por ano, e chegamos à estaca zero em 1990. Alguns remanescentes hoje justificam: “estávamos na década do protesto (1960), éramos muito jovens, e tudo valia, até os irracionais protestos contra a família, religião, e vencedores.” “Realmente demos ume esnobada no Anselmo, no seu O Pagador de Promessas, e jogamos um pó no brilho de sua palminha de ouro.” Criticavam a comédia-musical, sem perceber que eram protagonistas da mais ignóbil comédia-satírica, a que denigre respeitáveis seres humanos, e inocentes profissionais. A novela cinemanovista “uma idéia na cabeça” começou nas mesas dos bares de Ipanema, e fiéis a continuidade cinematográfica morreram na praia, após o naufrágio num mar infestado de mentiras. Alguns sobreviventes contam histórias com evasiva consoladora. Tarde demais. Tudo que diziam era verdade e a imprensa divulgava. As contestações das suas vítimas eram censuradas ou simplesmente jogadas no lixo. Por esses motivos, resolvi publicar o livro Adeus Cinema, para que os estudantes de comunicação não fiquem privados da verdade histórica que privou uma centena de cineastas de exercerem suas profissões.

Z – Para terminar, diga algumas palavras para os que desejam trabalhar com cinema.

AD – Humildade, vocação, estudar em boas escolas de arte dramática e em faculdades de comunicações. Começar trabalhando como estagiário, amador, ou qualquer função em teatro, televisão, e cinema. Não alimentar a ilusão de grandes salários, gostar realmente da profissão como meio de expressão artística, sem vaidades, e principalmente não pensar que se tornará famoso da noite para o dia. A notoriedade e a fama chegam quando menos se espera, porque é o resultado da dedicação, dos feitos e das obras realizadas com talento, e não de pretensões. Somos felizes quando trabalhamos na profissão que gostamos, mas, em termos de cinema brasileiro, é preciso precaver-se com outros afazeres profissionais, mesmo não gostando. Como não há idade estabelecida pare se recomeçar a vida, os jovens devem tentar.

*Marcus Vinicius Moraes é residente de medicina e saltense. Conviveu com Anselmo em sua adolescência, quando realizou esta entrevista.