Anselmo Duarte, o Ator

Especial Anselmo Duarte

Anselmo Duarte, o Ator

Por Adilson Marcelino

Quando se chama um ator de galã, muitas vezes o termo não significa apenas homem bonito, sedutor e viril, mas vem também embutido uma certa depreciação de sua arte de representação. Como se esses predicados estivessem à frente da capacidade de atuação. Se na televisão, apesar de sua aparição em novelas ser freqüente, o posto de galã maior ter sido sempre dividido entre Tarcísio Meira e Francisco Cuoco, no cinema brasileiro, Anselmo Duarte sempre foi soberano. E esses três nomes provam, vendo suas carreiras em retrospecto, que a alcunha de galã pode ser mesmo um termo furado, pois todos eles, além da beleza, da sedução e da virilidade, desenvolveram uma carreira de grandes interpretações. Mas como nosso assunto é Anselmo Duarte, deixemos os outros dois para uma outra oportunidade.

Anselmo Duarte saiu de Salto (SP), onde nasceu no dia 21 de abril de 1920, para fazer história e povoar o imaginário cultural brasileiro. Se a paixão pelo cinema veio desde as brincadeiras de criança, foi a mudança para o Rio de Janeiro, como já ansiava, que carimbou seu passaporte para a concretização do sonho. O pontapé foi ser descoberto na rua por Alípio Ramos, o homem de Severiano Ribeiro em sua produtora, que o convidou para um teste, certamente pela sua bela estampa. E a grande prova foi a aprovação do grande Alberto Pieralisi, o diretor de seu primeiro filme com ator, Querida Suzana (1947) – antes, tinha sido figurante em Inconfidência Mineira (1939/48), de Carmen Santos. Nascia aí aquele que seria chamado de o galã número um do cinema brasileiro.

De americano em Querida Suzana, Anselmo Duarte vira médico em Pinguinho de Gente (1949), de Gilda de Abreu. É um fato curioso o ator participar, em início de carreira, de filmes de mulheres pioneiras na direção. É na Atlântida que Anselmo Duarte vai se tornar uma estrela e ser amado pelo público. São dois os destaques em filmes dramáticos da companhia: a grande produção Terra Violenta (1948), uma adaptação de Jorge Amado, dirigido por Edmond Bernoudy, e Maior que o ódio (1951), de José Carlos Burle. Por esse último, em que faz um bandido, recebe o cobiçado prêmio Saci de interpretação – e é também o primeiro em que atua com Ilka Soares, com quem vem a se casar. Já nas comédias musicais, pejorativamente chamadas na época de chanchadas – hoje completamente assimiladas -, o primeiro grande sucesso foi Carnaval no Fogo (1949), do mestre Watson Macedo, e que tem história do próprio Anselmo. Outro arrasa-quarteirão foi Aviso aos Navegantes (1950), também de Macedo.

Na mesma época, em São Paulo, nasce a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estúdio avesso às chanchadas cariocas e que produz filmes sérios e ambiciosos, além de adotar a política do star system. A Vera Cruz contrata grandes nomes do teatro, sobretudo do TBC, também dos fundadores da Cia, Francisco Matarazzo e Franco Zampari. Anselmo Duarte é tirado da Atlântida via convite de salário estratosférico. E é na companhia paulista que ele vai interpretar um de seus personagens mais populares e famosos, Zequinha de Abreu em Tico Tico no Fubá (1952), uma cinebiografia do compositor, dirigida por Adolfo Celi. Anselmo tem uma atuação comovente e é disputado pelas belas Tônia Carreiro e Marisa Prado, e ganha novamente o Prêmio Saci. Ainda na Vera Cruz faz Sinhá Moça (1953), de Tom Payne, outro grande sucesso em que faz para com a estrela número um da casa, Eliane Lage. Apassionata (1952), de Fernando de Barros, e Veneno, de Gianni Pons, são os outros filmes.

Depois da fase Vera Cruz, Anselmo Duate volta ao Rio de Janeiro, atua em Carnaval em Marte (1955) e Sinfonia Carioca (1955), ambos de Watson Macedo, O Diamante (1955), de Alípio Ramos, e Depois eu Conto (1956), de José Carlos Burle. E é novamente em São Paulo que tem outro grande desempenho no ótimo, mas pouco lembrado, Arara Vermelha(1957), de Tom Payne. Aventura que se desenvolve durante uma caçada sangrenta no universo do garimpo, Anselmo Duarte está ótimo nesse filme com excelente roteiro, direção e um elenco extraordinário: Anselmo, Odete Lara, Milton Ribeiro, Aurélio Teixeira.

Em seguida, Anselmo Duarte realiza um dos filmes mais memoráveis dos anos 50, Absolutamente Certo! (1957), em que dirige e faz o protagonista. Com elenco arrebatador, Odete Lara, Dercy Gonçalves, Aurélio Teixeira e Maria Dilnah, Absolutamente Certo! é delicioso e já sinaliza sua premiada carreira como cineasta. O sucesso do filme proporciona ao ator uma temporada na Europa, atuando em As Pupilas do Senhor Reitor (1959), de Perdigão Queiroga, em Portugal, e em Um Raio de Luz (1960), de Luís Lucia, na Espanha.

1962 é um ano emblemático para Anselmo Duarte, para o cinema nacional e para o Brasil. Com seu segundo filme como diretor, Anselmo conquista a Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes, com O Pagador de Promessas. É um momento histórico e único, e o filme desbanca pesos-pesados como Federico Fellini, Vittorio de Sica, Lucchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Luís Buñuel. Adaptado de peça de Dias Gomes, O Pagador de Promessas é ótimo e um clássico absoluto. Único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro até hoje – a produção nasce na Boca do Lixo com produção de Oswaldo Massaini, o sucesso do filme marca os desentendimentos do cineasta com o Cinema Novo.

A carreira na direção de Anselmo Duarte vai prosseguir com o ótimo Vereda da Salvação (1965) e outros longas e episódios, mas como o foco aqui é a sua participação no cinema brasileiro como ator, voltemos para frente das câmeras. A década de 60 vai possibilitar a Anselmo um filme memorável e uma das suas mais incensadas interpretações: O Caso dos Irmãos Naves (1967), de Luis Sérgio Person. O mestre Person escolheu um fato verdadeiro, um erro jurídico que envolveu dois inocentes em uma cidade do interior de Minas Gerais durante o Estado Novo, para falar, metaforicamente, sobre a repressão militar que o país enfrentava. O ator faz um policial sádico que inferniza a vida dos Naves, interpretados por Juca de Oliveira e Raul Cortez. É um filmaço! Ainda nos anos 60, Anselmo Duarte atua no sucesso Madona de Cedro (1968), de Carlos Coimbra, e Juventude e Ternura (1968), de Aurélio Teixeira, um filme protagonizado pela cantora Wanderléa.

Na década de 70, atua em outro filme memorável, O Marginal (1974), de Carlos Manga, arrebatador policial protagonizado por Tarcísio Meira. Atua sob a direção de Lenita Perroy em A Noiva da Noite – ou o Desejo de Sete Homens (1974), em A Casa das Tentações (1975), de Rubem Biáfora, e em Embalos Alucinantes (1979), de José Miziara. Mas o outro grande destaque da época é o ótimo Paranóia (1976), de Antonio Calmon, um dos mais talentosos cineastas brasileiros e que ainda não teve o reconhecimento devido. Nesse filme, Anselmo é um pai de família que tem a casa invadida por marginais. O ator está também no documentário Assim Era a Atlântida (1974), de Carlos Manga, que reúne as maiores estrelas do estúdio carioca, e como ator nos episódios que dirigiu em Já Não se faz Amor como Antigamente (1976) – episódio Oh! Dúvida Cruel -, e Ninguém Segura Essas Mulheres (1976) – episódio Marido que Volta Deve Avisar.

As últimas atuações no cinema são na década de 80: em Tensão no Rio (1984), de Gustavo Dahl; e no belo Brasa Adormecida (1986), de Djalma Limongi Batista, em que contracena com a ex-esposa, Ilka Soares.