Especial Luis Sergio Person
Cassy Jones, o Magnífico Sedutor
Direção: Luis Sergio Person
Brasil, 1972.
Por André Blak, especialmente para a Zingu!
Luis Sérgio Person cravou seu nome na história do cinema brasileiro com São Paulo S.A. e O Caso dos Irmãos Naves, clássicos instantâneos engajados politicamente, influenciados pela Nouvelle Vague e pelo Neo-realismo cinematográifco italino, e repletos de requinte e complexidade. Foi também professor e incentivador de praticamente toda a geração da Boca do Lixo paulista. Pode parecer injusto, portanto, que o filme testamento da sua curta carreira seja Cassy Jones, o Magnífico Sedutor, uma pornochanchada tipicamente carioca, de linguagem simples e popular até a última raiz de cabelo.
Injustiças do destino à parte, uma revisão de Cassy Jones deixa claro, antes de mais nada, que já não se fazem mais comédias populares como antigamente. A começar pela trilha sonora de Carlos Imperial (que faz uma pequena ponta no filme), em especial na musiquinha chiclete de abertura que nos deixa cantarolando durante toda a projeção. Canção que embala os créditos e apresenta o personagem título na intimidade. Sensual, genial, “paqueral” e legal. Bastam os 5 minutos iniciais para sabermos o que vem pela frente. Pastelão, inocentes grosserias, galanteios, nudez e muita diversão.
Num Rio de Janeiro tropicalista e de cores berrantes, vive Cassy Jones, um sedutor incorrigível capaz de dobrar qualquer “brotinho” carioca. Julga-se “um simples cidadão de Ipanema”, mas na realidade é um playboy mimado sustentado pela mãe e que não cogita a hipótese de trabalhar. Para ele, a vida se resume a caçar beldades pela zona sul do Rio. Sexo, zoeira e nada mais. Sua trajetória de conquistador é abalada quando se apaixona por Clara dos Anjos (título do conto de Lima Barreto no qual o filme é baseado), uma jovem virgem e pudica que conhece através de um programa de auditório. Apaixonado, Cassy desiste da vida mundana para conquistar o amor da sua vida.
O filme é uma farra só com uma dúzia de cenas hilariantes, alguns diálogos inspirados e muita cafajestagem. Homens calhordas dispostos a tudo por uma noite com um rabo de saia e mulheres frágeis que nunca demonstram pudores para tirar a roupa. Enfim, tudo muito inocentemente machista e politicamente incorreto para os dias de hoje, o que, convenhamos, é uma pena.
O fato de ser um filme “carioca” produzido na Boca do Lixo dá ainda mais charme a Cassy Jones. Ao contrário da grande maioria das pornochanchadas praianas que jogavam a inteligência no ralo para mostrar corpos femininos nus, Cassy Jones apimenta a fórmula com um pouco de acidez. Tira um sarro bairrista São Paulo x Rio, mostrando cariocas despreocupados com obrigações e trabalho e que só pensam em levar a vida como uma festa. Todos os personagens parecem bocós e tapados. Cassy Jones é tão alienado que se deixa levar facilmente pela glamourização da ignorância televisiva. Fica a questão no ar. Ele se apaixona pelo amor da sua vida ou pela projeção dela na TV em preto e branco?
Paulo José, sempre inspirado, dá alma a Cassy Jones. Seu personagem é um delicioso pastiche de referências, uma espécie de Antoine Doinel macunaimesco. Praticamente repete o seu personagem de Todas as Mulheres do Mundo, filme de Domingos de Oliveira, com um toque a mais de graça circense e calhordice. Tanto o personagem-título quanto o próprio filme são caricatos como os melhores desenhos animados e não é difícil de identificarmos ali um pouco de Chaplin, Keaton, Jerry Lewis e, claro, Oscarito.
O elenco de apoio merece destaque, a começar pela Clara dos Anjos de Sandra Bréa, estreando no cinema com 20 aninhos e com carinha de Catherine Deneuve. Linda, linda, linda. Mas não tão esfuziante quanto a “bombshell” Ingrid interpretada por Sônia Clara, com então 23 anos. Uma delícia de lamber os beiços que leva o filme no bolso no quesito nudez. Tão enlouquecedora que consegue a proeza de quase matar o nosso herói garanhão de tanto sexo. Sônia arrebata o público masculino e ainda faz Cassy Jones sumir do mapa de tão exausto, numa das seqüências mais engraçadas do filme.
A participação do tradicional boêmio carioca Hugo Bidet como Rouboult, parceiro de cafajestagem de Cassy, é um achado. Formam uma dupla debochadamente capaz de enfrentar Jece Valadão e Daniel Filho em Os Cafajestes, de Ruy Guerra. Vale ainda ressaltar a divertida aparição de Grande Otelo, numa breve homenagem a Atlântida.
Aliás, a Atlântida é outra referência forte de Cassy Jones. O filme tem algumas intervenções musicais, com coreografias desengonçadas e letras musicais que beiram o genial. Num desses números, uma gordona tenta aparecer dentre as beldades, mas nosso herói galanteador a escorraça da cena. Aplausos para a musicalidade, nudez e calhordice, é a mensagem.
Cassy Jones, o Magnífico Sedutor pode não ser um filme espetacular e emblemático, mas é uma comédia popular deliciosa e merecedora dos mais de 1 milhão de espectadores que recebeu nas salas de cinema em 1972. Pode também ser uma obra menor do Person, ainda assim esbanja frescor e ousadia que o levaram a consagração como melhor diretor no Festival de Gramado, além do prêmio de melhor filme pela Associação de Críticos de São Paulo.
*André Blak é jornalista. Pode ser lido no blog inferozmente ou no site Outros Filmes.