Especial Luis Sergio Person

Person
Direção: Marina Person
Brasil, 2007.

Por William Alves

Luis Sérgio Person passou rápido, mas fez muito. Foi publicitário, ator, estudante de Direito, diretor, de cinema e de empresa burocrática. Em 39 anos de vida, o sujeito concebeu cinco longas-metragens, atuou em poucos outros, travou amizade com tipos como José Mojica Marins e deu aula para gente como Carlos Reichenbach. Se dedicou com igual ardor ao cinema e ao teatro, fundando o famoso Teatro Augusta. Com 28 anos, já havia dirigido o seu próprio masterpiece cinematográfico, o sempre respeitado São Paulo S.A..

O longa trata da história de Carlos, um paulistano repleto de complexos. Ele é empregado de uma fábrica de auto-peças chefiada pelo corrupto Arturo Carracci, numa São Paulo tomada pelo boom da industrialização. Interpretado por um contundente Walmor Chagas, Carlos é um indivíduo cheio de dúvidas, que não sabe de onde veio e nem para onde quer ir. Enfurnado nessas incertezas, arrasta sua recém-formada nova família com ele para o seu impetuoso desfiladeiro emocional.

O filme recebeu lotes e lotes de prêmios no Brasil e em todo o mundo e permanece como um dos bastiões do orgulho cinematográfico nacional. Com ele, Person se tornou, talvez, um daqueles poucos diretores que não despertam vergonha naqueles que se comprazem depreciando a produção tupiniquim, posto honroso esse compartilhado com outros poucos e loucos, como Sganzerla e Bressane. O outro momento mais iluminado da carreira do Person diretor é O Caso dos Irmãos Naves, de 1967, que também conta com o fiel assecla Jean-Claude Bernadete ajudando no roteiro. Irmãos Naves também se caracteriza pela overdose de emoções por minuto, ao relatar o estranho caso de um irmão desaparecido e todos os esforços da família para reavê-lo e a galhardia policial para enterrar o caso.

Mesmo com toda essa excessiva carga dramática, Luiz Sérgio sempre foi um brasileiro nato. A risada cínica do escrivão ao ouvir o relato de uma mulher de reputação, digamos, pouco ilibada, o torcer de nariz de um grupo de senhores à passagem dos oficiais da lei, a efusividade característica de um carnaval brazuca. Todo esse senso de humor e idiossincracia tipicamente nacionais são focados com maestria pela câmera de Person em seus dois longas mais proeminentes. Person, aliás, preferia Irmãos Naves, opinião essa que ele deixa clara em Person, o documentário dirigido por sua filha Marina e objeto de existência desse texto.

Marina Person é figura conhecida da televisão, sendo apresentadora e produtora da MTV há mais de quinze anos. Cobriu premiações badaladas como o MTV Movie Awards, entrevistando um sem número de gente importante do cinema, que vão de Francis Ford Coppola à Cameron Diaz. É graduada em cinema pela USP e já colaborou com André Klotzel. Ou seja, o currículo da moça é vasto e o sobrenome lhe concedeu plena propriedade para esmiuçar as duas vidas, profissional e pessoal, do patriarca.

Luiz Sérgio faleceu cedo, vítima de um infortúnio automobilístico que também assassinou outro ícone do cinema, o jovem James Dean. Quando Person morreu, em 1976, a menina Marina contava apenas com seis anos. A outra filha do cineasta, Domingas, somava cinco. Nada mais natural, pois, que as lembranças mais vívidas que as duas guardem do progenitor sejam os dois filmes mais aclamados de Person. Em entrevistas, Marina afirmou que sua intenção era apresentar o autor ao resto do mundo, que ainda não prestou devida atenção às suas obras. Porém, devido ao período curto em que ela e sua irmã desfrutaram da companhia do diretor, não é leviano dizer que, entre suas pretensões estava uma vontade intrínseca de conhecer, ela mesma, a índole de Luis Sérgio. É aí que reside a força-motriz de Person.

O documentário é curto, estacionando em pouco mais de 50 minutos. Nasceu como curta, tendo vencido uma premiação promovida pela Secretaria da Cultura, em 1998 e se transformou num média em 2003, tendo chegado aos cinemas somente em 2007. Regado a doses generosas da música de Jorge Ben e contando com depoimentos de agregados valiosos do cineasta paulistano, como Eva Wilma, Walmor Chagas, José Mojica Marins e Carlos Reichenbach, Person cumpre com louvor um de seus papéis, o de documento informativo. Estão lá cenas dos elogiados longas, fotos de família e filmagens da própria cidade de São Paulo, objeto de declarado fascínio do autor. Com razão, Marina afirma que cortou do documentário todos os excessos elogiativos e que deixou à mercê dos espectadores os próprios julgamentos acerca de Luis Sérgio.

Há cenas de Cassy Jones, outro dos trabalhos de Person, em que Paulo José encarna um conquistador infalível. Há Reichenbach enfatizando a intensidade com que Person vivera. Há Eva Wilma escancarando a dualidade comportamental do diretor, que podia ser “muito bravo” e “muito brincalhão”, em curtos espaços de tempo. E há a própria Marina, colhendo e descobrindo junto com o espectador todas aquelas informações acerca de um homem (e um profissional artístico) com quem ela conviveu apenas na infância.

O subtítulo da primeira versão do filme, de 2003, é “Um cineasta de São Paulo”. Tomando como base seus dois principais filmes, o retratar com propriedade personagens encurralados pelos seus próprios ímpetos e cansados de lutar inutilmente contra as circunstâncias, Luis Sérgio Person poderia, tranquilamente, ser um cineasta fiel a qualquer lugar dentro dessa vasta camada de terra e suor alcunhada de Brasil.