Extremos do Prazer

Dossiê Carlos Reichenbach

Extremos do Prazer

Direção: Carlos Reichenbach

Brasil, 1983.

Por Sergio Andrade

Conflitos entre sete (ou oito) personagens reunidos num único espaço físico: esse foi o desafio enfrentado por Carlão Reichenbach em Extremos do Prazer.

O cenário é uma bela casa de campo onde vive isolado, depois de ter voltado de um auto-exílio em Paris, o professor universitário Luís Antônio (Luiz Carlos Braga). Um dia ele recebe a visita da sobrinha Natércia (Rosa Maria Pestana) com o marido Felipe (Rubens Pignatari) e dois amigos do casal, Marcela (Taya Fatoon, ex-Fátima Maluf) e Ricardo (Roberto Miranda).

O perfil dos personagens é delineado em poucos minutos: Felipe e Natércia formam o casal burguês, acomodado em sua rotina; Marcela, pesquisadora, está saindo de um casamento com um psiquiatra, e tem problemas com a própria sexualidade; Ricardo é agente da bolsa, machão e reacionário. Já Luís é uma pessoa calada, introspectiva, convivendo com o fantasma da esposa Ruth (Sandra Graffi), militante de esquerda que se matou por medo de ser torturada, e com a lembrança de seu aluno Carlos (o próprio diretor Reichenbach), primeiro namorado e mentor político de Ruth. Do lado de fora da casa dois sujeitos mal-encarados os vigiarão o tempo todo, instalando um mal-estar.

Passado algum tempo, Natércia e Felipe vão embora, na esperança de que Ricardo e Marcela iniciem um romance.

A presença dos dois e seus jogos de atração e repulsa dão um novo ânimo para Luís, que volta a escrever artigo para o jornal em que trabalha e se abre sobre seu relacionamento com Ruth e Carlos, atraindo o interesse de Marcela por ele. Mas a chegada de dois novos personagens, a filha de 18 anos de Luís, Ana Marina (Vanessa Alves), e seu amigo Sérgio Calvino (Eudes Carvalho), autor de teatro que acaba de escrever uma nova peça, com seus comportamentos libertários em relação a sexo e política, irão colocar em xeque suas forças e fraquezas, dúvidas e convicções.

Nesse ato final é que as intenções do cineasta ficarão mais claras, abordando o conflito de gerações. Assim, o machão boçal acostumado a conquistar tudo na base da força, inclusive a posse da mulher, admitirá, pela primeira vez na vida, que broxou com a garota liberada e plena de consciência de seu desejo; a mulher reprimida não conseguirá vencer seus medos e recusará o ménage à trois; e o intelectual, que procurou consolo nos braços do bissexual Sérgio, perceberá ser impossível viver sem sua amada Ruth.

O que Carlão propõe é um jogo de espelhos, no qual o próprio cineasta será refletido.

O filme é repleto de citações de autores como Kierkegaard, Italo Svevo, Camus, T.S. Elliot, William Blake, Marcuse, etc., que estranhamente combinam muito bem com o clima libertário vivido no sitio e com os diálogos muito francos, com direito a várias palavras de baixo calão ditas pelos atores.

Temas como repressão, terrorismo, tortura, exílio, marxismo, socialismo, sexualidade, desejo, utopia são abordados sem que pareçam didáticos, o que com certeza colaborou para que o filme se tornasse um grande sucesso de bilheteria.

Além da influência admitida de Eric Rohmer, percebemos também algo do estilo de Douglas Sirk (reparem na importância dos reflexos nos espelhos em várias cenas).

É triste notar que, com exceção de Vanessa Alves, esse foi o último trabalho de praticamente todo o elenco que incluía atores ótimos como Braga e Miranda e atrizes belas e talentosas como Sandra, Taya e Rosa.

A premiada montagem (pela APCA, que também premiou o roteiro do Carlão) é do excelente Eder Mazini. Outros prêmios: Menção Especial do 12º Festival de Gramado para Reichenbach pela integridade da obra e Prêmio Governador do Estado de São Paulo de melhor diretor.

A continuidade ficou a cargo do amigo e colaborador da Zingu! Eduardo Aguilar.

Disse, acima, que o filme foi um desafio para o Carlão. Pois bem, o desafio foi vencido e Extremos do Prazer continua a ser, para mim, desde que o vi pela primeira vez em fevereiro de 1984, há 25 anos portanto, sua obra máxima.