Dossiê Carlos Reichenbach

Esta Rua Tão Augusta
Direção: Carlos Reichenbach
Brasil, 1966/68.
Por Filipe Chamy
Apesar de essa estréia do diretor desagradar ao próprio cineasta, Esta rua tão Augusta apresenta várias pequenas sementes de seu cinema futuro. Se é verdade que François Truffaut exagerou ao comentar que toda a obra de um autor de cinema está em seu primeiro filme, não é menos verdade que o trabalho inicial de um artista apresenta, sim, inúmeras características que o distinguem na força e na percepção: geralmente são obras mais audaciosas, ousadas e escancaradamente polêmicas e radicais.
Esta rua tão Augusta não chega a ser tudo isso, mas já dá o tom de próximas criações de Carlos Reichenbach: a originalidade dos personagens, as citações e referências que estruturam a obra, o respeito aos seres humanos, a reverência aos lugares que conhece e admira. São Paulo mudou após quatro décadas, mas a rua Augusta continua uma efervescente mistura de paisagens e caracteres. É possível encontrar na mesma rua o melhor da cultura cinematográfica e literária, eventos, exposições, bem como não é raro encontrar profissionais de atividades mais duvidosas, prostitutas, criminosos, gente perdida na vida e que não surpreendentemente se volta à marginalidade e às drogas.
O filme é um pequeno relato sobre esses contrastes da famosa localidade, enfocando principalmente um certo pintor Waldomiro de Deus, ele mesmo uma criatura ímpar, por vezes afeminado, por vezes agressivo, ora iconoclasta, ora ingênuo. Suas telas acompanham seus paradoxos, denunciam uma mudança de comportamento (e pensamento) social que a Ditadura não conseguiria barrar.
Carlos Reichenbach rejeita este seu primeiro passo, mas ele nada mais é que o embrião de suas obsessões pela vida, arte e cultura urbana, constantes em seus trabalhos mais relevantes. Ainda que uma produção evidentemente marcada pela inexperiência e pelo baixo orçamento, Esta rua tão Augusta é honesta o suficiente para que passe pelo crivo também de quem não vê o filme apenas pelo saudosismo de morador paulistano. O esboço inicial de quem já intuía caminhos próprios para a viabilização de suas idéias cinematográficas, conseguindo também com isso um pouco de renovação no combalido cinema brasileiro.