Amor, Palavra Prostituta

Dossiê Carlos Reichenbach

Amor, Palavra Prostituta

Direção: Carlos Reichenbach

Brasil, 1981.

Por Marcelo Carrard

Existem títulos de filmes que parecem perturbadores enigmas para o espectador. Belo, forte, profundo: Amor, Palavra Prostituta é um convite a contemplação de imagens gélidas e ao mesmo tempo quentes em que veremos o desfile de personagens muito característicos da filmografia de Carlos Reichenbach, numa estranha atmosfera de melancolia. O filme é fruto da união de talentos lendários da Boca do Lixo paulistana. Reichenbach dirigiu e fotografou o filme, e ao lado do crítico Inácio Araujo escreveu o roteiro. Araujo colaborou também na cenografia e foi um dos produtores ao lado de Jean Garret e de Cláudio Cunha. No elenco, ao menos três musas eternas aparecem como protagonistas femininas: Patricia Scalvi, no papel da operária da indústria têxtil Rita; Alvamar Taddei, no papel da jovem e inexperiente Lilita; e Zaira Bueno, no papel de Berenice, a jovem rica. Esse trio de mulheres moverá as ações dos dois protagonistas masculinos do filme: Orlando Parolini, no papel de Fernando, um professor desempregado que vive à custa da namorada, Rita; e Roberto Miranda, no papel de Luis Carlos, amante de Lilita. Inicialmente, o que vemos é um final de semana com esses dois casais, em que Luis Carlos, ex-aluno de Fernando, questiona o antigo mestre sobre seu relacionamento com uma operária. Toda essa ação inicial sofre uma violenta ruptura quando ficam diante da figura mórbida e absolutamente simbólica de um homem enforcado, em meio ao cenário “morto” onde se encontram, às margens de um rio poluído.

Podemos observar nesse filme alguns elementos posteriormente trabalhados por Reichenbach. A protagonista operária da indústria têxtil aparece tempos depois em filmes ambientados no ABC e em outras regiões periféricas de São Paulo como, Garotas do ABC e Falsa Loura. As referências literárias e filosóficas, a utopia, a busca do amor, o hedonismo, são outros elementos recorrentes na obra de Reichenbach que se fazem presentes em Amor, Palavra Prostituta. A narrativa melodramática é trabalhada nos pequenos dramas pessoais e nas ações das personagens. Lilita aparece grávida e seu amante quer que ela faça um aborto, ao mesmo tempo em que sua mãe deseja que ele namore a filha do chefe, Berenice. São pequenas tramas que aparecem em “tintas suaves” no roteiro afiado do filme. Um dos momentos mais nostálgicos é quando aparece o Cine Marabá, em sua arquitetura original, com o cartaz de O Iluminado, de Stanley Kubrick. As cenas de nudez e sexo são muito bem realizadas e todas possuem uma apurada composição, fruto do olhar sensível de Reichenbach como fotógrafo. Todas as ações e desdobramentos do longa parecem mais uma ponte para seu grande momento, encenado em um quarto, nas sequências do aborto e do redentor banho. Justamente essas foram as que causaram mais problemas com a censura, que exigiu cortes. Poucas foram as sessões em que Amor, Palavra Prostituta foi exibido totalmente sem cortes.

Como composição, como construção dramática, a sequência do aborto é mostrada com sutileza, sem pirotecnias e cacoetes estéticos; sua simplicidade impõe uma poesia que cresce quase sem diálogos para o banho redentor no chuveiro, no transe da imagem das águas e nos olhares contemplativos que, ordenados em um perfeito trabalho de edição, luz e som, acabou criando não só um dos momentos mais sublimes da filmografia de Reichenbach, mas da história do moderno cinema brasileiro.