A Cara do Brasil – Os atores no cinema de Carlos Reichenbach

Dossiê Carlos Reichenbach

Por Adilson Marcelino

O cinema de Carlos Reichenbach é humanista na mais alta acepção da palavra. Fotógrafo inspirado de alguns de seus filmes e de muitos outros cineastas, ele é um diretor que construiu sua estética sem alijar os personagens do centro de um olhar rigoroso, político, poético e afetuoso. Carlão ama seus personagens, e, conseqüentemente, ama seus atores. A prova está em cada fotograma de sua notável filmografia.

Por amar seus personagens e seus atores, o cinema reichenbachiano é o mais particular quando se pensa em elenco na cinematografia nacional. Generoso, mas sem abrir mão do que quer – pois o mestre sabe exatamente o que quer -, ele proporciona possibilidades para a mais variada gama de intérpretes, e não só em papéis de segundo, terceiro ou quarto escalão – e isso sem carregar qualquer valor diminutivo, pois o cinema é equipe, e por isso todos os escalões são essenciais. A distinção é no sentido de que Carlão não titubeia em apostar no seu elenco, seja de nomes conhecidos ou não, seja de atores veteranos ou iniciantes.

Foi assim com Célia Olga Benvenutti com a personagem-mítica em Lilian M. – Relatório Confidencial. Foi assim também com Vanessa Alves, que alçou a uma de suas atrizes-fetiches e uma das amadas musas da Boca Lixo, já a partir do segundo filme da atriz, O Paraíso Proibido (1981) – e com quem voltaria a trabalhar em Extremos do Prazer, Filme Demência, Anjos do Arrabalde e Garotas do ABC. E foi assim com Michelle Valle, a belíssima Aurélia Schwarzenega, protagonista de Garotas do ABC. Sem falar no coroamento da deusa Rosanne Mulholland em Falsa Loura.

No cinema de Carlos Reichenbach, existem momentos marcantes de atores típicos da Boca do Lixo, como Roberto Miranda, David Cardoso, Luiz Carlos Braga, Sérgio Hingst, Genésio de Carvalho, Carlos Bucka, Carlos Casan, Benjamin Cattan e Fernando Benini. Já com as atrizes do pedaço é um capítulo à parte, pois filmou muita das mais deslumbrantes musas da Rua do Triumpho: Selma Egrei, Patrícia Scalvi, Ana Maria Kreisler, Meire Vieira, Neide Ribeiro, Zilda Mayo, Misaki Tanaka, Fátima Porto, Teca Klaus, Márcia Fraga, Nádia Destro, Aldine Muller, Alvamar Taddei, Zaira Bueno, Taya Fatoon, Sandra Graffi, Rosa Maria Pestana, Nicole Puzzi.

Na sua paleta, tem também atores que trafegam pela televisão, como astros e estrelas do porte de Sandra Bréa e Luiz Gustavo, ou futuros como Ney Latorraca e Teresinha Sodré, todos eles com trabalhos marcantes na Boca do Lixo, seja no cinema de Carlão ou de outros cineastas. E continuou fazendo isso fora da Boca, nos últimos filmes, como com Carolina Ferraz e Andrea Richa em Alma Corsária, e com Maurício Mattar e Cauã Reymond em Falsa Loura. Isso porque Carlão sabe que todos esses atores são muito maiores que qualquer rótulo apressado, além de todos eles serem também gente de cinema.

Carlos Reichenbach participou de filmes de colegas como ator, como em No Rancho Fundo, de Oswaldo de Oliveira, e em Noite em Chamas, de Jean Garret. É curioso constatar que ele também recrutou vários de seus companheiros para participar de seus filmes, atuando ou como eles mesmos: Maurice Capovilla, Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla, José Mojica Marins, Edward Freund, Luiz Castellini, John Doo, Jairo Ferreira.

Tem também aqueles que são espelhos do cinema de Carlão: a citada Vanessa Alves; Ênio Gonçalves, ator-fetiche do cineasta; Roberto Miranda, Emílio Di Biase, Orlando Parolini e Bertrand Duarte; além de um lugar especial para Betty Faria, também parceira de produção em Bens Confiscados.

Por fim, uma característica toda própria. Basta olhar a filmografia do diretor mais de perto que uma particularidade salta ainda mais aos olhos: a escalação inesperada de nomes das mais diferentes áreas. Quais? Flor em Alma Corsária; Fafá de Belém em Garotas do ABC; Eduardo Dusek e Marina Person em Bens Confiscados; Susana Alves, a inesquecível Tiazinha, e Léo Aquila em Falsa Loura.

Ver o cinema de Carlos Reichenbach por qualquer ângulo, como o do elenco aqui explorado, é ver o cinema nacional por inteiro. É ver a cara de um país.