Estrelas de Vietri – Elisabeth Hartmann

Dossiê Geraldo Vietri

Entrevista: Elisabeth Hartmann

Por Adilson Marcelino

 

Elisabeth Hartman era presença certa nas produções de Geraldo Vietri. E isso valia tanto para a TV com também para o cinema. Na telinha, fez sensação em Meu Rico Português como uma alemã que adota um garoto negro e enfrenta o preconceito dos vizinhos. Já no cinema, atuou em alguns filmes, dentre eles Os Imorais, um dos mais belos filmes dos anos 1970, além de surpreendente visão sobre a homossexualidade. Nesta entrevista exclusiva à Zingu!, ela fala sobre o encontro com o mestre, seus ataques de ciúme, o temperamento forte e os gestos de solidariedade, e também a amargura no final da vida.

Zingu!: Como você conheceu o Geraldo Vietri?

Elisabeth Hartmann: Então, eu conheci o Geraldo Vietri em 1964, quando eu fazia teatro no Teatro Popular do Sesi. Eu fui à TV Tupi para me colocar à disposição, mas eu falei com o Cassiano Gabus Mendes primeiro, e eu fui convidada realmente para fazer uma novela. Foi uma novela que o Geraldo Vietri dirigia que chamava A Outra (1965), que era escrita pelo George Walter Durst. Foi um relacionamento assim simpático. Era um papel muito pequeno, mas ele era uma pessoa muito generosa, então mesmo quando eu não estava no capitulo, ele me fazia entrar nem que fosse para abrir uma porta, fechar uma porta, nessa base. E houve assim uma aproximação simpática, eu diria.

Depois o tempo passou, eu não fiz mais nada lá na Tupi, estava fazendo outras coisas, teatro, cinema. Aí eu me encontrei com o Cassiano e falei do meu desejo de fazer televisão também. O Cassiano me disse: vamos conversar com o Geraldo Vietri, porque ele vai escrever uma novela. Aí eu acho que já era 1968, 69, por aí. O Cassiano falou com o Geraldo e depois mandou que eu falasse com ele.

Ele foi extremamente simpático, porque quando me viu, eu fiquei um pouco constrangida. Chamava ele de senhor, dizia “gostaria de fazer uma novela do senhor”. E ele disse: “Eu gosto muito de você como pessoa e como atriz”. Eu me senti comovida, e, ao mesmo tempo, mais segura. Ele me pediu que voltasse daí a um mês, pois ia esvrever uma novela nova. Depois de um mês eu voltei e eu estava escalada. Foi para a novela Nino O Italianinho (1969/70), uma novela que a gente fez durante 14 meses. Ou seja, um ano e dois meses, que é um período bastante longo, de convivência praticamente diária. Porque naquela época a gente não gravava por cenário, a gente gravava o capitulo inteiro, de cabo a rabo. E o relacionamento foi logo simpático.

O Vietri era uma pessoa de temperamento que eu não diria nem difícil, mas também nem fácil. Porque de vez em quando ele se exaltava muito com alguma coisa errada, ou mesmo com algum ator que ele achava que não tinha correspondido à expectativa dele, ou tinha feito alguma indisciplina. Mas eu nunca tive problema com ele, a gente sempre se relacionou muito bem, ele sempre me respeitou, nunca brigou comigo. Ele nunca gritou comigo, o que foi muito bom, porque eu sou tipo de pessoa que não diria malcriada, não vou dizer que eu não sou uma pessoa malcriada, porque eu também sou. Mas se alguém grita comigo parece que dá um bloqueio na minha cabeça e eu não consigo raciocinar mais. Parece que ele percebeu isso, logo de cara, então ele nunca gritou comigo. E quando ele se exaltava com alguém e eu estava por perto, eu sentia que ele ficava constrangido por eu ter presenciado um desses ataques dele. Depois ele vinha conversar comigo e eu chamava atenção dele. Era muito engraçado o nosso relacionamento.

Aí o Nino, O Italianinho foi essa novela a longo prazo, e dali para diante eu fiz várias novelas dele. E o processo começou a ser o seguinte: quando ele gostava de um ator ou atriz, quando ele começava a escrever uma nova novela, ele já escrevia direcionado para aquele ator e atriz. E assim foi comigo, eu fiz várias novelas dele. Meu Rico Português, que foi uma novela de muito sucesso na época, em que eu fazia o papel de uma alemã. Ele fez isso porque eu falava muito da minha mãe, que era uma senhora alemã que veio ao Brasil para se casar. Então ele desenvolveu esse trabalho

O Vietri era uma pessoa assim. Muito talentoso, muito intuitivo. E extremamente atento ao cotidiano. Então quando acontecia alguma coisa, ele trazia isso para a novela. Se bem que naquele época era um pouco mais difícil, porque a censura era mais austera. Mas o que ele podia trazer para a novela ele trazia, então a novela ficava sempre uma coisa atual, porque as coisas aconteciam e eram retratadas ali. Personagens que ele colhia na vizinhança, seus relacionamentos, as coisas eram muito verdadeiras.

Z: o que era uma marca dele…

EH: A isso se atribui o sucesso das novelas deles. Eu fiz também uma novela chamada A Fábrica, que foi interessante. O Bom Baiano (João Brasileiro, O Bom Baiano – 1978), que foi bem legal, se passava numa pensão. Depois ele dirigiu uma série de teatros na tupi e eu participei desses teatros lá na Tupi. Era uma peça inteira que era apresentada sábados à noite. A gente gravava durante a semana e passava aos sábados. Foi uma coisa a curto prazo.

Z: E o cinema?

EH: Ele fazia cinema também, eu fiz vários filmes com o Geraldo Vietri. Mas eu devo dizer que ele não foi muito bem sucedido no cinema. Ou então, digamos assim, a obra cinematográfica dele não foi muito bem acolhida, não foi muito bem recebida. Embora eu, particularmente, achava que alguns filmes eram até muito bons. Senhora era um bom filme, Os Imorais era um bom filme. Os Herdeiros Diabólicos também foi um filme interessante.

Mas acima de tudo, o que eu quero dizer, não só a respeito da obra do Geraldo Vietri, mas sobre ele como pessoa., é que ele era uma pessoa tão especial, e diferente mesmo. Apesar dele ter, de vez em quando ,esses ataques de raiva, ele depois se arrependia, mandava flores, mandava bombons para as pessoas.

O Vietri era uma pessoa extremamente generosa. Quando ele via uma pessoa em dificuldade, ele fazia questão de ajudar. Às vezes anonimamente,outras vezes não. Eu acho até que ele foi muito explorado nesse sentido. E sendo um homem inteligente, eu não sei até que ponto ele percebia que estava sendo explorado, e permitia isso. Porque achava que a pessoa tinha a necessidade de ser socorrida naquele momento, ou então, às vezes, era uma falsa necessidade. Mas ele estava lá, era generoso, adorava presentear os atores. Era uma pessoa muito especial

A vida do Geraldo Vietri era aquela TV Tupi, era impressionante. Para ele, aquilo era a casa dele. Apesar do grande respeito e amor que ele tinha pela mãe, pela irmã, pela família, a motivação maior da vida dele era a TV Tupi. E ai daquele que falasse alguma coisa a respeito da emissora que ele não gostasse. Ele ficava enfurecido mesmo. Ele passava a vida dele lá dentro, porque ele não só escrevia, como também dirigia e editava. Ele passava horas lá dentro, ele tinha a sala dele lá. Então acontecia aquelas coisas. Quando a novela começava tinha 20 capítulos escritos, mas daí, depois, pelo excesso de trabalho dele, os capítulos iam se esgotando. Então várias vezes eu recebia telefonema na minha casa, tipo 10, 11 horas da noite, com ele dizendo que alguém ia passar na minha casa para me levar o capitulo do outro dia. Então eu ficava esperando até 1, 3 da manhã, esperando a parte do capitulo chegar, que era em geral imenso. E ficava decorando, né? Ele chegou a fazer capítulo assim, da gente chegar na emissora e não ter capitulo nenhum. Daí ele improvisar o capitulo inteiro.

Então não era fácil para a gente, mas era uma escola. Quer dizer, quem não aprendeu fazer televisão com o Geraldo Vietri, não ia aprender a fazer nunca mais. Porque eram momentos muito especiais.

Z: E com o fechamento da Tupi?

EH: Quando a Tupi começou a entrar em falência, ele foi trabalhar na TV Globo. Recebeu um convite para fazer Olhai os Lírios do Campo (1980), uma adaptação do livro do Érico Verissimo. Foi ele que me levou para o Globo, porque na época eu tinha uma certa resistência, estava fazendo muito cinema e não estava muito interessada em ir para a televisão naquele momento. Só que ele insistiu tanto que eu fui.

Era uma novela muito bonita, muito interessante. Mas, infelizmente, ele se desentendeu com o Herval Rossano. Porque o Herval tinha o sistema dele de dirigir, que era da cena 1, passava para a cena 15, e depois para a 22. O Vietri não admitia isso, então ele ficou muito incomodado. E tinha o fato de algumas cenas serem cortadas. Aí então os dois se desentenderam, e a novela que fazia sucesso e deveria ser esticada, foi abreviada por causa desses desentendimentos.

Depois disso eu tenho a impressão que ele escreveu alguma coisa para a TV Bandeirantes, mas que também acabou não dando muito certo. Eu não sei, mas aí a gente acabou se perdendo um pouco de vista, porque eu fiquei algum tempo no Rio de Janeiro e ele nem gostou muito disso. Quando terminou Os Lírios do Campo, eu fui convidada para fazer outra novela, e nesse tempo o Vietri era muito ciumento, extremamente ciumento. Ele queria que aquele elenco fosse só dele, e que aqueles amigos fosse amigos só dele. Mas era difícil porque a vida não é assim, né? Então houve um período que a gente ficou um pouco distante. Teve também umas conversas no meio disso, foi um pouco desagradável. Mas depois a gente se reencontrou.

Ah sim, fiz também Floradas na Serra (1981), na TV Cultura, que foi uma adaptação dele. Já tinha sido feito o filme, mas é um romance e ele fez essa adaptação para uma minissérie. A gente gravou lá em Campos do Jordão e foi um trabalho muito bonito, a TV Cultura, inclusive, reprisou pouco tempo atrás.

Então eu acho assim. O Geraldo Vietri era uma pessoa de imenso talento, ele foi uma escola para a televisão. Eu tenho a impressão que tem alguns autores que ainda hoje se baseiam um pouco no que ele fazia. O próprio Silvio de Abreu confessou isso uma vez, dizendo que o Geraldo Vietri foi pra ele uma grande escola.

Eu acho que no final de tudo houve um certo descaso com a figura dele, e ele ficou muito magoado. Porque das últimas vezes em que nos estivemos juntos, ele já estava bastante doente. Eeu fiquei muito penalizada de ver um homem assim, diria que massacrado pela vida. Amargurado, triste, solitário. Porque, infelizmente, nessa profissão também é assim, se você está fazendo sucesso você tem muitos amigos, mas no momento em que você não está fazendo esse sucesso, onde estão esses amigos?

Então o Geraldo Vietri foi essa pessoa assim

Eu tenho muita saudade dele, porque ele também tinha um lado muito engraçado. Ele tinha um humor assim curioso, meio sarcástico. Ele também debochava da gente, mas com muita graça, nada ofensivo.

Além de eu ter feito tantos trabalhos com ele, nós ficamos muito amigos. A gente saia para jantar, a gente dava muita risada. Às vezes ele me chamava atenção como pessoa, numa boa, né? Foi um relacionamento muito intenso na minha vida, como atriz e como pessoa.

Esse foi o Geraldo Vietri. Que eu acho que é uma pessoa, um autor, que hoje em dia é esquecido. Às vezes eu vejo entrevista de algumas pessoas na televisão que tiveram seu estrelato criado pelo próprio Vietri, e que nem fazem referência a isso. Então eu acho isso um pouco triste, mas, de um certo modo, faz parte da vida.

É isso que teu tenho pra falar do Geraldo Veitri. Essa saudade, esse respeito pelo obra dele. Grande figura. Eu acho que a televisão ainda deve muito a ele. Se não uma lembrança, uma homenagem muito respeitosa. É isso.

Estrelas de Vietri – Arlete Montenegro

Dossiê Geraldo Vietri

Entrevista: Arlete Montenegro

Por Adilson Marcelino

 

Sempre fiel ao seu elenco, Geraldo Vietri escalava seus atores prediletos tanto para a televisão como para o cinema. Com Arlete Montenegro não foi diferente. E além das novelas, é de um filme de Geraldo Vietri uma das mais impressionantes atuações da atriz no cinema: a ofendida esposa traída em Sexo, Sua Única Arma. Nesta entrevista exclusiva à Zingu!, Arlete Montenegro ressalta a incrível capacidade de Vietri acumular as funções de escritor, diretor e editor de suas novelas, o ciúme que ele tinha de seu elenco a ponto de não querer que “seus” atores participassem de programas na emissora, e o trabalho com ele no cinema.

Zingu!: Gostaria que você falasse sobre o Geraldo Vietri.

Arlete Montenegro: Nossa, que saudade! Geraldo, fiz Tanta novela interessante dele. Ele era um homem tão diferente… Porque ele era uma pessoa que fazia tudo, sabia? Ele não só escrevia, como dirigia e editava a novela que ele fazia. Ele não deixava ninguém se meter na história dele.

Z: O que é bem diferente de hoje em dia.

AM: hoje em dia o autor tem vários colaboradores. Ele nunca teve. Aliás, na Tupi, eu acho que ninguém tinha. Isso foi uma coisa que veio com a Globo, que aconteceu na Globo. Era tão engraçado, quer dizer, engraçado não. Mas porque sempre lá no meio da novela ele ficava doente. Porque era muito trabalho, né? Ele ficava estressado, ia parar no hospital.

Z: Mesmo?

AM: E aí sabe o que acontecia? Colocavam alguém para dirigir a novela. Ele era proibido pelos médicos de dirigir, ele só escrevia, no hospital mesmo. Então eles iam buscar os capítulos lá. Depois, quando ele voltava para casa, os médicos proibiam ainda de dirigir durante um mês. Nem editar, só escrever.

Você sabe que então ele ficava na porta do estúdio? E quando a gente saia, depois de ter gravado alguma cena importante, ele estava lá? E aí ele perguntava: “Arlete, me diga uma coisa, como é que você fez a cena? Como é que ele dirigiu essa cena? Não é por nada não, eu sei que ele pode fazer mil vezes melhor do que eu. Mas doeu, sabe…”  Ele dizia assim tão triste, ele era assim.

Z: Entrega total, né?

AM: Aquilo era a vida dele, era impressionante a dedicação dele ao trabalho. E as novelas eram belíssimas, até hoje é o autor que mais soube escrever sobre o cotidiano.

Z: Ele era muito fiel ao elenco, não é? A Elisabeth Hartmann disse, inclusive, que ele tinha até ciúme.

AM: Sim, ele tinha ciúme da gente, não deixava que a gente fosse ao Clube dos Artistas, não deixava que a gente fosse ao Almoço com as Estrelas. Interessante a pessoa. E era muito amoroso, brigava com você, e no dia seguinte mandava flores.

Z: Como ele era no cinema?

AM: Eu nunca fiz nenhum filme com ele…

Z: Fez sim.

AM:  Mentira! Fiz assim. Foi um filme que eu nunca vi,chamava-se Sexo…

Z: Sexo, Sua Única Arma.

AM: Não era para ser esse nome, ele odiava, os distribuidores é que puseram. O filme era bom, a história era muito boa.

Z: A Selma Egrei como protagonista.

AM: A Selma Egrei. A Geórgia Gomide, que nos deixou agora. Com muita gente boa. Era a história da vingança dela (personagem de Selma Egrei), ela se fingia de cega. Era bonito, a gente filmou aqui perto, onde se faz muito vinho licoroso.

Z: Ele dirigia no cinema como dirigia na televisão?

AM: Igualzinho. Quer dizer, na linguagem de cinema, né?

Z: Mas ele tinha também esse controle total como na TV, não é?

AM: Total e absoluto, e ficava doente quando não podia ter. Doente. Uma figura estranha, né?