Inventário Grandes Musas da Boca

Márcia Maria

Por Adilson Marcelino

Na década de 1970, três atrizes dividiam o estrelato na TV Tupi. E se Eva Wilma era a rainha, as princesas eram, com certeza, Elaine Cristina e Márcia Maria. Todas elas levaram seu talento também para o cinema, mas foi Márcia Maria que se tornou uma das amadas musas da Boca do Lixo.

Márcia Maria construiu uma extensa carreira na televisão, onde trabalhou como atriz e apresentadora, e foi estrela em duas importantes emissoras: Record e Tupi. Na primeira, estreou na série Ceará contra 007, de Marcos César, em 1965, e brilhou em novelas como Algemas de Ouro (1969), As Pupilas do Senhor Reitor (1970) e Os Deuses Estão Mortos (1971). Já na Tupi, atuou em novelas importantes como Mulheres de Areia (1973) e Os Inocentes (1974), ambas de Ivani Ribeiro.

Ainda na Tupi foi uma das estrelas preferidas de Geraldo Vietri, sempre fazendo par romântico com Jonas Mello: Meu Rico Português (1975), Os Apóstolos de Judas (1976), João Brasileiro, O Bom Baiano (1978).

Ainda nos primeiros anos de carreira, Márcia Maria estréia no cinema em ousado filme de Fauzi Mansur, Cio – Uma Verdadeira História de Amor, lançado em 1971. Fauzi Mansur foi um dos mais atuantes nomes da Boca do Lixo e dirigiu quase quarenta filmes, mais outros tantos como produtor. Na história, ela é uma moça da alta sociedade que está de casamento marcado com o personagem de Francisco di Franco, um engenheiro da indústria automobilística. No início da trama, em uma de suas escapadas com a amante vivida por Marlene França, ele vê um garoto retirante na estrada e fica fascinado. Tempos depois reencontra o menino Darci como engraxate, vira seu tutor, mas é assolado por paixão fulminante por ele e se debate ante o despertar do desejo homossexual, que não entende muito bem. Essa estranha relação abalará o casal de forma indesviável.

O próximo filme de Márcia Maria viria alguns anos depois, dessa vez dirigida por Sílvio de Abreu, outro nome de sucesso da Boca, que depois se tornaria novelista consagrado. O filme é Gente Que Transa, de 1974, estreia de Abreu como cineasta depois que Carlos Manga desistiu de dirigir a fita. Na trama, uma sátira sobre acirrada disputa entre Luiz Guilherme e Carlos Eduardo, respectivamente Adriano Reys e Carlos Eduardo Dolabella, para ver quem vence uma concessão de TV. Márcia Maria é Denise, a mocinha do filme.

Uma das marcas de Geraldo Vietri era a de trabalhar quase sempre com o mesmo elenco, e isso valia tanto para a televisão como para o cinema. Portanto, nenhuma surpresa em escalar Márcia Maria, uma de suas queridas atrizes, para o filme Que Estranha Forma de Amar, lançado em 1978. Baseado no romance “Iaiá Garcia”, de Machado de Assis, aqui ela é Eulália.

Mas é no encontro com José Miziara, um dos grandes nomes do cinema popular da Boca do Lixo, que Márcia Maria terá a sua disposição os melhores personagens de sua carreira cinematográfica – a atriz foi casada com o ex-cunhado do cineasta. Com Miziara ela fez As Intimidades de Analu e Fernanda (1980) e As Amantes de um Homem Proibido (1982).

As Intimidades de Analu e Fernanda é um dos melhores filmes de Miziara, em que ele reuniu duas deusas: Helena Ramos e Márcia Maria. Na trama, Helena é Analu, mulher que se sente oprimida pelo marido Gilberto, personagem vivido por Ênio Gonçalves. Cansada de sua vida de casada, que mais parece uma prisão, ela decide se separar, pega suas coisas e cai na estrada. No caminho encontra Fernanda, personagem de Márcia Maria, que gentilmente oferece hospedagem em sua casa. Começa aí um perigoso romance homossexual, já que Fernanda se revelará cada vez mais ciumenta e possessiva. Gilberto descobre o paradeiro de Analu, que por sua vez resolve fugir mais uma vez do marido e da amante. Mas nenhum dos dois vai querer abrir mão tão facilmente de Analu.

Fernanda é um personagem sob medida para Márcia Maria, que empresta toda sua sensualidade elegante e sua carga dramática de atriz. O contraponto com a Analu de Helena Ramos funciona perfeitamente. Há forte acento moralista na construção da personagem Fernanda, em que a homossexualidade é mais uma vez associada ao desequilíbrio emocional e à violência. Mas nada disso tira o brilho do filme, que prende atenção do início ao fim, demonstrando mais uma vez o talento de Miziara.

O outro filme em que Márcia Maria é protagonista é As Amantes de Um Homem Proibido (1982). Nuno Leal Mais é Leandro, o tal homem proibido, e Márcia Maria, Liza Vieira, Regina Tonini e Dirvana Brandão as tais amantes, nesse drama policial. E Nuno é proibido porque fugitivo da polícia depois de sumir de São Paulo com mala de dinheiro roubado de banco e onde matou dois comparsas, inclusive a mulher bandida que amava e que foi usada como escudo. Ele vai parar em Campestre, cidade do interior de Minas Gerais, onde se emprega como caseiro na casa de Márcia Maria, e de quem vira amante.

O roteiro desse As Amantes de Um Homem Proibido, também assinado por Miziara, reserva reviravoltas engenhosas. Márcia Maria está perfeita como Flávia, a dona de um sítio onde passa a maior parte do tempo sozinha, já que o marido, Walter Forster, só aparece nos finais de semana. A forma como se dá a relação de Flávia e Leandro depende, e muito, de bons intérpretes para dar veracidade à história. E aqui, Nuno Leal Maia e Márcia Maria encarnam esse casal na medida certa.

Infelizmente, depois desses dois filmes com José Miziara, Márcia Maria não foi mais escalada para o cinema. O que é uma pena, além de ser completamente incompreensível. De qualquer forma, seu posto de musa jamais será esquecido por todos os amantes do cinema popular.

Pitaco de Matheus Trunk

Márcia Maria! Que alegria eu ter sido lembrado para falar sobre essa grande musa do cinema e da televisão. Vivemos num país sem memória, em que diversas pessoas de real talento são condicionadas a uma espécie de segunda divisão. Esse é o caso da atriz aqui retratada. Posso dizer que a fantástica Márcia Maria foi uma das mais talentosas e sensuais atrizes brasileiras das décadas de 1960 e 70. Fez muitas novelas na saudosa TV Tupi, sempre se destacando entre as suas contemporâneas. Infelizmente, ela fez muito poucos filmes e talvez nunca tenha ganhado um papel a sua altura. Me lembro que fiquei fascinado pela atuação dela no clássico As Intimidades de Analu e Fernanda, do José Miziara. Trata-se de um dos melhores filmes da Boca do Lixo paulista, um pornodrama muito bem feito. O próprio Miziara me falou que seu filme favorito como diretor é mesmo O Pecado Horizontal, mas ele tinha um carinho especial por Intimidades. Outras grandes atrizes que eram muito ativas na Tupi como Arlete Montenegro, Kate Hansen e Wanda Stefânia hoje estão esquecidas. É muito difícil tentar entender o real motivo disso. O melhor é sempre falar e prestigiar essas grandes divas, que, infelizmente, ficaram relegadas a um segundo plano.

 

Filmografia

 . Cio – Uma Verdadeira História de Amor (1971), de Fauzi Mansur
. Gente que Transa (1974), de Sílvio de Abreu
. Que Estranha Forma de Amar (1977), de Geraldo Vietri
. As Intimidades de Analu e Fernanda (1980), de José Miziara
. As Amantes de um Homem Proibido (1978), de José Miziara