Baixo Gávea
Direção: Haroldo Marinho Barbosa
Brasil, 1986.
Filmes-referência é fácil de apontar nos dedos, pois, geralmente, existe toda uma fortuna crítica sobre eles e que não nos deixam, mesmo que quiséssemos, passar ao largo deles.
Agora, e aqueles que são referência exclusivamente para nós, individualmente? Aqueles do coração? O tal filme-farol? Não para a história do cinema, mas para a nossa vida?
Bom, pode ser o tema, pode ser a história, pode ser a direção, pode ser a presença de um ator ou atriz. E pode ser também por causa da linguagem, da fotografia, da montagem, da trilha sonora.
É fato que a trilogia de Ana Carolina – Mar de Rosas (1977), Das Tripas, Coração (1982) e Sonho de Valsa (1987) – sobre os mecanismos de opressão sobre a mulher foi decisiva para toda a minha pesquisa sobre as mulheres do cinema brasileiro. E, claro, ela é do coração.
É fato também que Eros, O Deus do Amor (1981), do amado Walter Hugo Khouri, também fincou estaca fundamental para essa pesquisa, mesmo antes de sequer imaginá-la – e é do fundo do coração também.
Mas quando penso sobre o tema da coluna, o filme que brota na memória e na epiderme de imediato é com certeza Baixo Gávea, de Haroldo Marinho Barbosa.
Tem outros? É claro que sim. Tem Os Imorais (1979), de Geraldo Vietri, tem Império do Desejo (1980) e A Ilha dos Prazeres Proibidos (1978), de Carlos Reichenbach, tem Romance da Empregada (1988), do Bruno Barreto, tem Engraçadinha (1981), do mesmo Haroldo Marinho Barbosa, e têm aqueles adoráveis filmes de Antônio Calmon.
Ainda assim, Baixo Gávea se impõe com tamanha força, que é ele o escolhido para figurar aqui nesta coluna da Zingu!
Por quê? Porque afora ter um roteiro que adoro, direção idem e ter interpretações luminosas de Lucélia Santos e Louise Cardoso, o que mais me nocauteia, e encanta, é o que é para mim um dos mais brilhantes finais de filme da história do cinema.
Peraí peraí… Não pensem que vou contar final de filme, pois o que mais gosto é de entrar no cinema ou colocar um DVD ou VHS sem sequer imaginar do que aquele filme se trata. Há anos que só leio críticas e informações mais detalhadas sobre um filme apenas depois de assisti-lo.
Mas como é de praxe falar um pouco da sinopse por aqui, permito-me dizer apenas que Baixo Gávea conta a história de duas amigas, uma diretora de teatro e uma atriz, que estão montando um espetáculo sobre vida e obra de Fernando Pessoa. E que enquanto isso, cada uma procura pelo amor nas noites do baixo Gávea, enquanto tomam chopes e riem e choram com seus encontros, desencontros e abandonos.
Haroldo Marinho Barbosa é um daqueles GRANDES cineastas brasileiros que, injustamente, não gozam do grande prestígio da crítica, o que poderia colocá-los em um patamar acima. Azar, burrice dessa crítica tacanha.
Esse carioca tem uma filmografia sensacional, com filmes sempre interessantes, como Vida de Artista (1972), Ovelha Negra, Uma Despedida de Solteiro (1974), Engraçadinha (1981), e esse melancólico e estupendo Baixo Gávea.
Louise Cardoso e Carlos Gregório receberam os prêmios de Melhor Atriz e de Melhor Ator no Festival de Brasília de 1986 por Baixo Gávea, e eu fiquei felicíssimo na época. Ainda que Lucélia Santos deveria ter sido igualmente premiada como Louise. Lembro-me que fiquei injuriado por não ter sido uma premiação dupla de Melhor Atriz.
É uma dupla inesquecível. Como Susan Sarandon e Geena Davis em Thelma e Louise (1991), de Ridley Scott; Renata Sorrah e Márcia Rodrigues em Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane, e Helena Ignez e Maria Gladys nos filmes do Cinema Marginal.
As duas estão perfeitas – em elenco ótimo com Carlos Gregório, Dirce Migliaccio, Analu Prestes, José Wilker, Wilson Grey – neste que é um dos mais pungentes retratos da juventude desnorteada dos anos 80.