Entrevista: Astolfo Araújo – Parte 2

Dossiê Astolfo Araújo
Parte 2 – O cineasta, os filmes, a política

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Entrevista com Astolfo Araújo

Por Gabriel Carneiro
Fotos de Adriana Câmara

Z – Como surgiu As Armas?

AA – Eu sempre fiz as coisas a base dos contos. A revolução já estava perdida e fui atrás da história. Fiz junto com o Biáfora. Uma parte de As Armas, ele escreveu – tanto que assina como argumentista -, mas não fizemos junto o roteiro. Depois do filme pronto e lançado, fui acusado de imperialista (risos).

DSC04652-225x300Z – Até queria saber mesmo como foi a recepção do filme, feito em 1969, um ano apenas após o AI5, no auge da guerra armada, com um olhar um tanto desiludido para a questão?

AA – Sempre tive esse lado de escola de direito, e conheci pessoas que participaram do movimento armado. Em 1963, fazia parte de um grupo anarquista, então tinha esse contato com o pessoal. Não cheguei a pesquisar a fundo, mas acompanhava nos jornais. Quanto à recepção, não tive problemas com a censura. Acho que teve um, mas o Galante resolveu. O filme acabou ficando meio no limbo, porque logo acusaram de direita e acabou. Mas o Biáfora era de direita pra eles também.

Z – Quando começou a trabalhar com cinema, já queria dirigir ou foi algo que surgiu do momento?

AA – Surgiu do momento, íamos passar para o próximo filme e o Biáfora achou que poderia dirigir o projeto seguinte. O que o Biáfora fez, além de participar do processo criativo, foi escolher elenco e equipe, ele que levou todo mundo. Muita gente foi reaproveitada de O Quarto, várias pessoas que conheci lá. Rodamos em Campos do Jordão e em São Paulo. Aprendi a fazer cinema muito intuitivamente, vendo filmes e participando do processo. O filme deu um bom resultado, abrindo portas para fazer o filme [As Gatinhas] com o [Antonio Polo] Galante, por exemplo. Mas também não vi dinheiro.

Z – E como era trabalhar com o Sylvio Renoldi?

AA – Ótimo. Nós montávamos junto, estive sempre ao lado dele.

Z – Depois, você fez As Gatinhas, que era coprodução entre Data e Servicine, do [Alfredo] Palácios e Galante. Como a produção chegou a eles?

AA – O Biáfora e eu circulávamos no meio. Eles se interessaram em fazer um filme conosco, e acabou sendo As Gatinhas. Eles não interferiram na produção, apenas faziam a parte que lhes cabia. Fiquei muito surpreso quando descobri que o filme havia feito mais de 600 mil espectadores, porque ele não tem nada demais.

Z – Porque trabalhar com esse tema?

AA – O filme é um drama romântico que escrevi com o Hamilton Trevisan. É sobre um cara de 40 anos que descobre que o filho dele está saindo com umas gatinhas. Ele fica louco da vida e vai até Santos tirar satisfação. O filho foge e o cara fica com a Adriana Prieto e Joana Fomm (risos). Levamos o projeto pra Servicine e eles toparam. Tanto que o Biáfora nem foi produtor, apesar de ser uma coprodução com a Data. O título As Gatinhas foi, inclusive, já pensando num público que surgia interessado em filmes mais libertinos. O elenco foi novamente escolhido por mim e pelo Biáfora. Ele era muito fã da Adriana e da Joana. Conheci ambas para o filme. Elas eram ótimas atrizes e foi muito tranqüilo trabalhar com elas. De boas atrizes, se tira o máximo. O Sergio Hingst também era ótimo, muito simpático.

Z – Depois você fez Fora das Grades, em 1971, mais uma vez com um tema político. O que te interessava tanto nesses temas?DSC04680-300x225

AA – (risos) Engraçado. Você me diz isso, mas nunca pensei a respeito. São coisas que estão na minha alma. Há três anos, escrevi o livro Devoradores, que também é bem político. A revolução dentro da revolução.

Z – E porque falar da tentativa de ex-presidiários se encontrarem dentro da sociedade?

AA – Porque a vida leva a isso. As pessoas querem sair para se expressarem melhor. Era mais isso: a vida te dando a possibilidade de viver melhor, de se reconstruir. Tem, no filme, o personagem Profeta, que é o Hingst, que tenta levar esses ex-presidiários a um novo caminho, mas numa espécie de sociedade alternativa. O elenco todo era ótimo e já os conhecia: Luigi Picchi, Joana Fomm, Toni Cardi, Roberto Maya, Francisco Curcio. O José Julio Spiewak, que faz produção, era amigo nosso. O filme foi feito com pouco dinheiro, mas nunca faltei no salário de ninguém. O filme fez um público mediano.

Z – No mesmo ano, você produziu Noite de Iemanjá, do Maurice Capovilla, pela Data. Como o filme chegou a vocês?

AA – O Flávio Tambellini levou o projeto para a gente, mas eu não queria dirigir. O Biáfora também não. Aí chamamos o Capovilla. Nós gostávamos dele. Aquele O Profeta da Fome era muito bom. Não cheguei a trabalhar no set. Fizemos só a pré-produção.

Z – Depois disso, até 75, nem a Data nem você aparecem em mais nenhum crédito.  O que o senhor fez nesse período?

AA – Nada (risos). Não cheguei a procurar outros projetos. Fiquei trabalhando com o Pedro Rovai, escrevendo roteiros, projetos com ele. Nessa época, já estava morando no Rio. Me casei com a Joana Fomm em 1972. Ela queria se mudar pro Rio e fui junto. Trabalhei em algumas companhias de cinema, mas não tinha muito contato com o pessoal de lá, só com o Rovai. Para A Casa das Tentações, voltei para São Paulo só durante as filmagens.

Z – Por que essa demora do Biáfora fazer outro filme?

AA – Não tinha dinheiro.

Z – Como foi a produção desse filme?

AA – Muito louca demais, porque era muita coisa que o Biáfora queria pegar. Eu briguei com o Biáfora no final e abandonei o set. Não sei porque brigamos. Por dois anos, não nos falamos. Foi nessa época que acabou a Data, também por isso.

Z – Houve retorno comercial? Já é um filme que o Biáfora brinca mais com o gênero da pornochanchada.

AA – Não. Nada. Foi mal lançado.

Z – A Embrafilme entrou só na distribuição, ou colocou dinheiro?

AA – Colocou dinheiro, mas pouco. Não mudou em nada a produção. Também distribuíram.

Z – Em 1976, você escreveu e dirigiu o episódio Roy, o gargalhador Profissional, para o longa O Ibraim do Subúrbio, produzido pelo Rovai. Como surgiu o projeto?

AA – O Rovai, havia muito tempo, queria fazer algum filme comigo. A ideia era ser um episódio meu e um do Cecil Thiré. Quem descobriu o conto que originou o Roy foi o Rovai. Aí fiz o roteiro escrito em cima do conto. A produção era pequena, mas o Rovai sempre acertou na escolha da equipe, as pessoas eram adequadas.

Z – Você sabe porque o longa chama O Ibraim do Subúrbio, sendo que esse é apenas um dos episódios?

AA – Não sei (risos). Coisa do Rovai.

Z – Você trabalhou paralelamente à equipe do Thiré?

AA – Não me lembro. Eram duas equipes diferentes.

Z – Como foi a escolha dos atores?

AA – Escolhi o Paulo Hesse aqui em São Paulo, peguei o Fregolente, o Wilson Grey.

Z – Como que conseguiu, numa época em que o erotismo já havia invadido o mercado, fazer um filme sem sequer nudez?

AA – (risos). O Rovai ficou quieto, não falou nada. Também não teve problema pra ser lançado. Deu bom público.

Z – Depois disso, ficou mais um hiato sem fazer cinema. O que fez nessa época?

AA – Tive dificuldade de encontrar projeto. Continuava escrevendo, mas não conseguia viabilizar. Escrevi literatura, lancei dois livros. Assim foiDSC046851-225x300 (risos).

Z – No começo dos anos 80, você fez o roteiro de Profissão Mulher com o Cláudio Cunha.

AA – É, mais ou menos. Fiz alguma coisa, a Márcia Denser também, e depois o roteiro desapareceu quando foi para o Cunha. Nem cheguei a ver o filme. Fui chamado para fazer alguma coisa com a Márcia, que era autora do livro que deu origem ao filme.

Z – Você frequentava a Boca do Lixo?

AA – Sempre, todo o período, ia sim. Lá era um ponto de encontro, as pessoas iam lá se encontrar. Pessoas de produção, de pornochanchadas. Ia lá só encontrar os amigos. Era um lugar animado.

Z – Ainda aparece um crédito de que você escreveu o roteiro e chegou a começar a produção e direção do filme Uma Banana para Bergman. Como foi isso?

AA – Não sei que projeto é esse. Não escrevi nada, não fiz essa produção.

Z – Você não quis fazer mais nada em cinema?

AA – Não era essa a questão. Comecei a fazer meus romances. Fui deixando o cinema. Trabalhei para editoras, na área de editoração. Isso em São Paulo, voltei para cá nos anos 80.

Z – E porque resolveu focar mais na literatura?

AA – Foram as coisas que me aconteceram. Fui pego pela literatura. Já tinha feito a revista Escrita.

Z – Como surgiu Devoradores?

AA – Tenho muita coisa para escrever, mas até engatar, demora. Demorei cinco anos para escrevê-lo. Terminei em 2007. Tenho um livro anterior, Via Carnal, que também demorei quatro anos escrevendo. Publiquei em 1996. São livros bem diferentes. Devoradores é bem mais moderno.

Z – Gostaria de acrescentar algo?

AA – Não. Você tirou o máximo que consegui falar.

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