Ariella

Especial John Herbert

 

Ariella
Direção: John Herbert
Brasil, 1980.
 

Por Filipe Chamy 

 

Sem dúvida, a adolescência ainda é um bicho exótico nas artes. Assim como a infância, aliás. 

A transição para a vida adulta é geralmente encarada menos como uma condição do que como um “período de tempo”, em que simplesmente as pessoas “aguardam” chegar a um determinado estado (físico, grosso modo). 

Não que a juventude não seja uma época de mudança, realmente. Mas é bem mais do que isso. Assim como a vida adulta é mais complexa do que simplesmente uma pré-velhice, a adolescência também não deveria ser vista como um ensaio de anos futuros. 

Ariella ressente-se um pouco dessa incompreensão. É uma história sobre uma jovem, mas ela se assemelha mais a um fantasma que a um retrato honesto da adolescência. A jovem adolesce com muitas dúvidas, mas esse é um erro capital desta fita dirigida por John Herbert: seus questionamentos não são próprios da idade, mas da trama do filme. Não é natural e nem adequado considerando os rumos que a coisa toma: estragando um pouco a surpresa, digo apenas que há um segredo sobre a origem da garota, e seus sentimentos de isolação não advêm de reflexão ou desajuste, mas puramente por ela não ser de fato quem pensava que era, do jeito que pensava. É uma análise externa de sua personalidade, portanto, e esse estranhamento compromete bastante a estrutura do filme, que fica prensado num moralismo esquemático. 

Evidentemente, o auge desse convencionalismo se encontra na patética cena da revelação tão terrível a Ariella: o didatismo dos diálogos parece amador, até, ao falar explicitamente tudo que se passava com os personagens e seus segredos, tudo de que afinal o filme, a imagem, o som, não conseguiram dar conta. É tão absurdo que nem mesmo os intérpretes do filme parecem convencidos por esse artifício preguiçoso, e inclusive seus personagens estranham tantas revelações enfileiradas e denunciadas a troco de não se sabe bem o quê. Ariella tem um problema dentro e fora do filme. 

Chegamos à maquiagem dos filmes mais rasos: a psicologia (ou psicanálise). Todo o conflito interior de Ariella é fachada para logo cair nas velhas tentações das caracterizações do feminino no cinema brasileiro comercial: Ariella se masturba, se desnuda, se entrega. Sendo feita por Nicole Puzzi, resta o consolo de um jovem corpo em forma, mas é pouco para segurar o interesse. Quando não parece apenas detestável, Ariella é essencialmente unidimensional: não vive que para não saber de seu passado, coisa que não parecia lhe incomodar até o começo da projeção. E “projeção” é bem o termo: ela é uma criatura projetada, planificada, estigmatizada. Sem essa “missão” (descobrir suas origens), a personagem não existe; o filme então se revela fraco e incoerente, a vida de todos de repente muda sem razão estabelecida e todas aquelas máscaras na verdade significavam uma fuga a uma situação incontornável, espécie de metalinguagem que tem nessa “obsessão” o grande trunfo do filme — ao mesmo tempo que isso signifique seu empobrecimento, pois uma narrativa só com arquétipos e estereótipos é frouxa por natureza. 

Ariella não é um fracasso completo, contudo. Dar voz às jovens que iniciam sua carreira sexual é uma correta justiça e evidente exceção em um cinema onde as mulheres eram feras devoradoras de homens e que colecionavam amantes com a mesma rapidez e facilidade com que trocavam suas calcinhas (talvez até com maior frequência). O problema é tratá-las como seres sem alma, aguardando sempre a convocação para a vida (aí sim) relevante dos adultos.