Ninguém Segura Essas Mulheres – episódio Pastéis Para Uma Mulata

Especial Jece Valadão Cineasta

 Ninguém Segura Essas Mulheres – episódio Pastéis para uma mulata
Direção: Jece Valadão
Brasil, 1976. 

Por Filipe Chamy 

 

A primeira coisa a reparar neste segmento de Ninguém segura essas mulheres é que o diretor é um ator.           

O ator que vira diretor — classe representada no cinema brasileiro por figuras como Anselmo Duarte e Hugo Carvana — tem uma sensibilidade diferente da do cineasta “bruto”; e mesmo da do ator, pois agora não será só ele em tela. Aliás, em Pastéis para uma mulata, nem “ele” (o ator-diretor) está em cena, pois Jece Valadão, apesar de atuar no filme, não está neste episódio.           

Isso talvez represente uma certa opção consciente de se “afastar” da persona que Jece já possuía naqueles anos, a do cafajeste, homem truculento e chauvinista.           

Então começamos o curta metragem um tanto quanto surpresos: o comando de tudo está nas mãos de uma mulher! A mulata do título (Aizita Nascimento). O velho Jece Valadão dirigindo uma história onde a mulher controla, enfeitiça e engana os homens. Uma certa guinada também para o cinema popular brasileiro desses idos, onde a mulher era sempre um troféu, uma caça, pedaço de carne ao alcance da mão (e de partes menos expostas da anatomia).           

Na verdade, esse verniz é um tanto mentiroso. No final das contas a mulata revelar-se-á também como detentora dos estereótipos de comportamento que a qualificavam nos filmes da Boca: ninfomaníaca, infiel, manhosa, fútil. Então temos uma anulação de forças: a mulata é a dona do pedaço, mas ela é um clichê ambulante. Pastéis para uma mulata não ajuda e nem prejudica a situação da mulher.           

O herói da vez é Tony Ramos, que topa amarrar uma aposta com amigos: quem conseguirá provar da deliciosa fruta morena? A moça não dá trela a nenhum cidadão, bem comprometida com um barbeiro português, ciumento e possessivo; antes, nega qualquer atrevimento e zomba dos esforços efetuados em prol de sua conquista. É uma coisa bacana do curta, ver como ela reagirá aos galanteios, quais as técnicas de fuga, as táticas de como despistar. 

Mas a coisa cai no esquematismo previsível das pornochanchadas; a malandragem entra em ação e a bela mulata despirá seus pudores (e suas roupas) e irá para a cama com o intrépido galanteador, também ele cheio dos ardis e da lábia. E o amante “oficial”, o tal lusitano, saberá e disso resultará aquele embate que todos já conhecemos, com aquele desfecho que todos já antevemos e com aquelas consequências que todos já percebemos. Quer dizer: a piada já foi contada mil vezes, por que seria engraçada em mais esta repetição? 

Jece como diretor não faz feio, mas o roteiro de José Miziara não ajuda muito. De qualquer modo, não é algo tão desabonador, considerando a maior parte da produção brasileira desse nicho. O mais curioso é que a fita tem produção de Silvio Santos (sim!), em sua única incursão por essa seara. Na verdade, parece que ele — ou seus estúdios, como aparece nos créditos — pouco ou nada alterou ou sugeriu: é um trabalho convencional como muitos outros da época. O filme fez sucesso, então também não se pode creditar a um possível fracasso a desistência do Homem do Baú em investir em filmes. O mais provável é que ele simplesmente não tenha aprovado a experiência.           

Como também não é de se aprovar cegamente essas crônicas industrializadas que eram feitas às dúzias em nosso país. Se Pastéis para uma mulata não é ofensivo, é no mínimo/máximo tolo e superficial. Com seu marido português transformado em fórmula, a moça do título também poderia assumir uma máscara de lugar-comum e virar cozinheira, seguindo a dica do título: venderia pastéis de vento, sem qualquer substância dentro.