Por Laura Cánepa
Sempre tive medo que alguém me fizesse essa pergunta. Porque a resposta parece tão simples que, ao ser tratada como se não o fosse, coloca a gente numa armadilha. Afinal, todas as respostas para o questionamento “o que é o cinema brasileiro?” que encontrei até hoje acabaram por excluir expressões legítimas do cinema feito aqui.
Para mim, cinema brasileiro é o cinema feito por produtores brasileiros. Isso serve para quase todo o cinema feito em território brasileiro e para algumas produções brasileiras feitas fora do Brasil. É claro que há exceções. Mas o número de vezes em que a palavra Brasil foi usada neste pequeno parágrafo já é um sintoma de como a pergunta é, na maioria das ocasiões, redundante.
De qualquer forma, essa é uma questão que nos acompanha, na verdade, desde antes do cinema. Num país que teve sua população original praticamente extinta durante a colonização, e que depois contou com colonos, na maioria degredados, que sequestraram milhões de cidadãos de diferentes nações para trabalharem como escravos, e que depois se somaram a milhões de imigrantes de diferentes países em crise… que identidade cultural coerente seria possível para dar origem a uma definição precisa de “arte brasileira” ou de “cinema brasileiro”? E se isso fosse possível, seria realmente necessário?
O fato é que houve várias respostas estéticas e políticas para a pergunta “o que é o cinema brasileiro?”. Tivemos o projeto burguês, o industrial, o nacional-popular, o modernista e outros. Mas, para mim, essa luta pela hegemonia de uma resposta momentânea muitas vezes esconde preconceitos, utopias, elitismos, hermetismos e oportunismos vários. Pois cada um desses projetos tende a excluir os outros. Isso serve tanto para o projeto modernista que excluiu o cinema popular de gênero, por exemplo, quanto para a demagogia populista, que volta e meia quer extinguir o cinema experimental – só para dar dois exemplos óbvios e recentes. Serve também para o tempo em que os curtas-metragens documentais não eram levados em consideração pelos historiadores, serve para o silêncio em torno dos filmes de sexo explícito, serve para o desprezo pelos filmes amadores.
Enfim, acho que a solução mais democrática ainda é dizer que cinema brasileiro é cinema feito por brasileiros. De preferência no Brasil. Simples? Não, claro que não. Alguém dirá que eu defendo uma espécie de “vale tudo”. Talvez seja isso, mesmo. Mas, até o momento, acho que essa pelo menos é uma resposta que me deixa mais livre para, talvez, poder responder melhor a essa pergunta, um dia.
Laura Cánepa é pesquisadora de cinema e edita o blog Medo de Quê? (www.horrorbrasileiro.blogspot.com)