Dossiê Inácio Araujo
Rogo a Deus e Mando Bala
Direção: Osvaldo Oliveira
Assistência de montagem: Inácio Araújo
Brasil, 1972.
Por Leo Pyrata
Carlão Reichenbach costuma dizer que alguns filmes merecem ser visto de joelhos em sinal de respeito e reverencia. Pois bem, acredito que no caso do filme Rogo a Deus e Mando Bala, tirar o chapéu de caubói feijoada da cabeça logo no primeiro plano da seqüência inicial do ataque que abre o filme, passando pelos créditos genialmente agringaiados casando com a canção maravilhosa de Francis Decalfine interpretada por Rosely, até a apresentação dos personagens na Bodega é no mínimo um dever de cidadania cinéfila.
A Bodega do vilarejo de La Fuente é um ambiente inóspito, releitura nacional do saloon dos filmes de bangue-bangue como diria saudoso meu avô. Lugar em que um juiz de paz faz gracejos com uma das atendentes dizendo que ela é mais bonita que as contas do seu rosário e onde testemunhamos um dos caubóis freqüentadores pedindo uma cachaça. Lá podemos ver também Claudio Portioli, alias Claude Porte, um dos grandes fotógrafos do cinema brasileiro, usando um tapa olho, e Inácio Araujo, alias Ig Donzell, também vestido a caráter. Eis um bangue-bangue da Boca do Lixo.
Eu sempre tive um pouco de dificuldade de entender alguns detalhes da trama, mas creio que esses pequenos detalhes que eu não assimilava na fruição vinham das cachaças que eu tomo quando vejo o filme. Sinceramente, essas minúcias nunca atrapalharam o prazer de ver e rever essa obra do Carcaça, alias, O. Oliver. Os nomes dos personagens vão de Johnny a Tango, passando por Jack, Charlie e Mark. Tudo para manter o universo crível independente de quantas cachaças o público também tenha tomado.
A história do filme não foge dos tons característicos do gênero. Logo no começo acontece uma emboscada, onde um grupo é surpreendido por uma quadrilha de bandidos. Um dos caubóis foge com um alforje cheio de dinheiro. Depois, ele é novamente tocaiado, mas consegue fugir, não sem antes ser baleado. Ele se esconde na carroça de um garoto mudo chamado Pingo, que vive criado por Ruth. O caubói moribundo delega para pingo a função de ocultar o alforje dos bandidos. Logo, eles aparecem tocando o terror em busca da grana. Como não poderia deixar de ser, calha de aparecer um novo personagem na trama para equilibrar um pouco as coisas. Um distinto cavaleiro com violão a tiracolo que vai ao socorro de Pingo, enfrenta os malfeitores e restabelece a paz, no fim das contas restando somente ele e o garoto.
É evidente que um resumo parco como esse não consegue dar conta da diversão que o filme proporciona. Nada substitui a experiência de assistir à cenas de ação executadas com paixão pelos atores e concatenadas pela montagem de Silvio Renoldi, alias, Sil Renolds. O chicote da zoom estalando na retina e a fotografia impecável do Carcaça. No final, os créditos se encarregam de entregar para os eventuais desavisados da plateia, que aquele espetáculo se tratava de uma produção nacional. E Rogo a Deus e Mando Bala não deve em nada a outros filmes de bangue-bangue, pois entrega ao público um filme sem firulas e que manipula com amor, propriedade e respeito os signos próprios do gênero.
Leo Pyrata é estudante de cinema, ator do curta Contagem – Prêmio de Melhor Direção para Gabriel Martins e Maurílio Martins no Festival de Brasília -, diretor do curta Retrato em Vão, co-diretor do longa Estado de Sítio, e vocalista da banda Grupo Porco de Grindcore Interpretativo.