Dossiê Inácio Araújo
Lílian M – Relatório Confidencial
Direção: Carlos Reichenbach
Montagem e edição: Inácio Araújo
Brasil, 1972
Por Marcelo Miranda
Quando perguntado sobre seu trabalho em Lilian M – Relatório Confidencial, Inácio Araujo nem precisa pensar muito. Diz que foi uma grande diversão, que esteve lado a lado com Carlão Reichenbach, que enxergou ali na mesa de montagem uma grande possibilidade de nascerem vários filmes diferentes. Despretensiosamente, Inácio dá a melhor definição possível para Lílian M: um filme de infinitos caminhos possíveis de percorrer, todos eles sempre feitos com extremo prazer – e diversão.
Era apenas o segundo longa-metragem de Carlão e um momento tateante de Inácio em sua breve (e significativa) carreira de montador. Em pleno começo dos anos 70, havia basicamente dois caminhos para se fazer cinema no Brasil: as produções “oficiais”, com a Embrafilme começando a atuar mais fortemente no mercado; e as produções “marginais”, nas quais os realizadores pegavam o que tinham e saíam com câmera em riste e equipe correndo atrás para dar vida a alguma obra artística. Era desta última leva toda a concepção de Lílian M. E isso está impresso em cada segundo de filme.
Nunca restaram dúvidas de que, se Carlão Reichenbach foi o pai de Lílian, Inácio Araujo foi seu padrinho mais querido e próximo. Tão mais surpreendente do que o próprio resultado final do que ficou sendo o filme é saber que a montagem foi a farra assumida pela dupla. Dá até para imaginar: Carlão chegou a Inácio com rolos e rolos de película (ou, ao menos, com o que tinha sido possível usar) e pediu que ele desse alguma forma àquilo tudo. Sentaram juntos e, acompanhados pelos olhos atentos e perspicazes de Ligia, esposa de Carlão, foram arriscando saber o que acontecia se tal cena viesse antes ou depois daquela outra, ou quanto tempo de tela essa imagem deveria ter em relação àquela.
Assim tentaram, sob várias combinações. De vez em quando, uma gargalhada; outras vezes, algum desentendimento; na maior parte das ocasiões, o olhar trocado de dois profissionais que sentiam estar criando algo ali, naquele momento. Inácio já disse que achava curioso como ele e Carlão riam durante a montagem enquanto, na tela, a trajetória de Lílian não era das mais engraçadas.
Esse é outro elemento bastante claro no filme: o desenrolar da vida da protagonista é cheio de momentos doloridos, mas a forma poética como tudo nos surge é sempre encantadora, comovente, forte, autêntica. Lílian M é orgânico, coeso, desbundado, debochado, engraçado, triste, verdadeiro, divertido e trágico. Muito desse admirável rompante estético e narrativo representado pelo filme está em toda aquela diversão que Inácio teve na junção dos pedaços que Carlão lhe trouxe em algum dia (ou noite) dos primeiros meses dos anos 70. No delírio maravilhoso que é Lílian M, Carlão atuou como uma espécie de Dom Quixote; Inácio talvez tenha sido seu Sancho Pança.
Marcelo Miranda é jornalista e crítico de cinema em Belo Horizonte. Escreve para o jornal O Tempo e para a revista eletrônica Filmes Polvo.