O Garotos Virgens de Ipanema

Dossiê Inácio Araújo

Os Garotos Virgens de Ipanema
Direção: Osvaldo Oliveira
Edição e Montagem: Inácio Araújo
Brasil, 1973

Por Leo Pyrata

Existem alguns caminhos quase inevitáveis de se esbarrar quando falamos do Cinema da Boca. Partir do principio que de certa forma eles traduziam o senso comum e o imaginário popular servindo hoje como uma espécie de documento histórico do momento não é nenhum exagero. Em alguns filmes, a sensação parece se amplificar quando nos damos conta que alguns aspectos negativos daquele momento, ainda hoje, quarenta anos depois, continuam muito longe de serem superados.

Os Garotos Virgens de Ipanema ou Purinhas do Guarujá, uma comédia juvenil, é produção da Serviços Gerais de Cinema, mais conhecida como Servicine, (produtora fruto da parceria entre Alfredo Palácios e Antonio Polo Galante). Comédia picante dirigida por Osvaldo de Oliveira, o Carcaça, diretor que segundo dizem não gostava de freqüentar cinema, mas que deixou uma obra exuberante em sua variedade de gêneros, de filmes de cangaço à musicais sertanejos, passando pelo marco do WIP e comédias eróticas, como esta que esse texto se propõe a tratar.

Produção de grande sucesso que trouxe em definitivo o apelo picante ao repertório das produções da Servicine, trata-se de um filme leve com temática juvenil, que trazia em seu elenco nomes estrelados como os de Mario Benvenuti e Elisabeth Hartmann. Os Garotos Virgens de Ipanema, visto hoje fora do contexto da época, mesmo levando em conta que boa parte das gags e a própria razão de ser do roteiro (de Enzo Barone e Osvaldo de Oliveira partindo da adaptação feita por Marcos Rey ao argumento proposto por Galante) venham justamente de interpretações equivocadas que o pai, vivido por Benvenuti, faz do comportamento do filho. Daniel, um adolescente que desde o primeiro plano do filme se aventura bisbilhotando o corpo feminino, não é compreendido por seu pai, que vive uma preocupação crescente acerca de um suposto desinteresse do filho pelo sexo oposto.

O pomo da discórdia é plantado logo no inicio do filme quando o pai se confunde achando que Daniel, por ter cabelo grande (como era bem comum aos jovens da época do filme), estava sendo confundido com uma mulher e, consequentemente, paquerado durante um desfile de moda. Daniel passa a partir daí a representar o fantasma da homossexualidade, apavorando o personagem de seu pai, que por sua vez tenta de varias maneiras “endireitar” o filho com soluções cujos efeitos parecem ainda mais inócuos aos olhos do pai.

Vale lembrar ao leitor que as comédias eróticas faziam uso dos tipos e dos clichês que povoavam o imaginário popular e que por trás da intenção cômica muito pode ser observado sobre um certo olhar machista-varão-patriarca da época. E daí surgem alguns dados importantes na seqüência final, em que o pai descobre que está sendo corneado pelo filho e a despeito da traição sai comemorando e bradando ” meu filho é homem”, “um verdadeiro trombeta”. Sintomático que o filho só passe a existir depois de provar sua “macheza” aos olhos bisbilhoteiros do pai, que não liga para o fato de ser traído desde que sua linhagem tenha continuidade. Emblemático o plano final com Benvenuti fazendo o gestual de fodedor garanhão em frente à casa grande.

Relacionando o momento do filme com episódios recentes de homofobia nos esportes ou ainda as agressões noticiadas quase que diariamente nos jornais protagonizadas até por representantes do povo brasileiro como o deputado Bolsonazi, ops, Bolsonaro, o que fica é a impressão de que vivemos em momentos ainda mais medievais. Resta saber se isso se traduzirá aos nossos olhos quando pensarmos com distanciamento no cinema de hoje, especialmente o que tem acesso ao circuito de exibição e que é bancado pelos editais e avalizado por equipes de marketing de grandes empresas. Tenho o palpite que dificilmente existirá a sinceridade de um filme como o Garotos, que remete à um tempo em que o cinema brasileiro (salvo a Embrafilme) era feito com recursos privados.

Leo Pyrata é estudante de cinema, ator do curta Contagem – Prêmio de Melhor Direção para Gabriel Martins e Maurílio Martins no Festival de Brasília -, diretor do curta Retrato em Vão, co-diretor do longa Estado de Sítio, e vocalista da banda Grupo Porco de Grindcore Interpretativo.