Depoimento: Maximo Barro

Dossiê Alfredo Sternheim

 

Conheço o Alfredo desde 1962, quando estávamos fazendo A Ilha, do Walter Hugo Khouri. Ele foi assistente de direção e acompanhou toda a montagem. Nunca esperei que ele fosse se tornar um cineasta, até porque ele era um garotinho nessa época. Ele tinha apenas 17 anos, muito novinho, mas já era uma pessoa muito ávida. A gente notava que ele tinha uma memória elefantina para certos assuntos. Ele fazia continuidade e nem precisava de lápis para fazer alguma anotação. Você perguntava para ele sobre alguma cena, e ele sabia exatamente quantas ondas tinha o cabelo da atriz, esse tipo de coisa. Uma memória impressionante.

Ele tornou-se crítico por causa do Biáfora. Quando o Biáfora teimava com alguma coisa, era impossível. Eles trabalharam juntos no Estado de São Paulo e o Alfredo tem méritos por seus conhecimentos no cinema japonês. Durante muitos anos, ele trabalhou ativamente na revista Filme Cultura, da Embrafilme. Esse é um aspecto pouco destacado da carreira dele. Posso dizer que o Alfredinho sempre foi uma pessoa devotada ao meio cinematográfico e fez tudo na área com amor. Em geral, as pessoas que trabalham com amor realizam sua atividade profissional com o dobro da atenção.

O Alfredo e o Carlos Motta são duas crias do Biáfora, são dois críticos biaforianos. A gente sempre discordava dos gostos do Biáfora. Mas ele nos influenciou muito pela firmeza das opiniões dele.

Eu sou padrinho do Alfredo porque eu montei o primeiro filme dirigido por ele, que foi um documentário sobre a colônia férias do Sesc em Bertioga (Máximo refere-se a Um Recanto Aprazível). Também montei um curta dele chamado Nortuno, sobre São Paulo depois das seis horas da tarde. Tem cenas feitas em exposições, na FAAP e em vários locais. São dois trabalhos muito interessantes. Eu ia ser padrinho dele pela segunda vez, quando íamos fazer um longa-metragem com três episódios. Mas o produtor não teve dinheiro e o trabalho acabou não sendo feito.

Ele tornou-se realizador num momento ingrato do cinema. O grande mérito dele é trazer a Vera Cruz para dentro da Boca. Vendo a obra do Alfredo, você percebe um arsenal de características que lembram as películas da Vera Cruz. Ele sempre foi muito minucioso com os pequenos detalhes do filme. Eu acho o Paixão na Praia muito bom e a versão dele do Anjo Azul, que ficou Anjo Loiro também. Mas o filme dele que mais me agrada é o Lucíola, em que a Embrafilme exigiu que ele fizesse com 20 latas de negativo em 20 dias. O resultado ficou excepcional, mas se ele tivesse feito com 40 latas em 40 dias, o filme poderia ter ficado ainda melhor.

Outra fase da obra dele é o de sexo explícito. Nesse período, ele seguia muito a influência do Bajon. Uma coisa que o Edu Janks colocou é que nesse período, o Alfredinho colocou pela primeira vez no cinema brasileiro a figura do homossexual e da lésbica num plano ético. Ele teve a coragem de dar e mostrar psicologia a esses personagens. O Sternheim teve uma posição muito digna de assinar a realização desses filmes sem usar pseudônimos. Veículos de destaque na imprensa como O Estado de São Paulo, por exemplo, não o tratou da melhor forma possível. O Carlos Motta nunca aceitou ele estar fazendo este tipo de filme e ainda mais assinar a autoria sem pseudônimo.

Posso dizer que o Alfredo é uma pessoa muito íntegra, algo raro nesse meio. Ele tem um senso de ética que pouquíssimos profissionais possuem. Portanto, eu posso dizer que eu gosto até mais do Alfredo homem que do cineasta. Queria deixar isso registrado neste pequeno depoimento meu.

Uma coisa que nos une bastante é o gosto musical. O Alfredo é um conhecer profundo de música clássica e do jazz. Eu acho inclusive que possivelmente foi o Walter Hugo Khouri quem passou essa paixão pelo jazz para ele. Eles conviveram durante três anos juntos.

Máximo Barro, montador e professor de cinema da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). Trabalhou como Alfredo Sternheim como montador dos curtas-metragens Um Recanto Aprazível (1963) e Noturno (1967).