O Crime do Zé Bigorna

Especial Anselmo Duarte

O Crime do Zé Bigorna
Direção: Anselmo Duarte
Brasil, 1977.

Por Ney Gastal*
Seleção e transcrição: Matheus Trunk

Sou insuspeito! Evito, diplomaticamente, escrever sobre filmes brasileiros por uma razão muito simples: via de regra não gosto dos que vejo. Paulo Emílio (…) costumava dizer que somos de tal forma colonizados, culturalmente, que temos dificuldade em compreender a linguagem do cinema nacional, que seria diferente da linguagem do cinema estrangeiro. Pode ser. Só que acho que nada – nem ninguém – pode me obrigar a compreender uma linguagem semitruncada.

Para vê-los, então estabeleci um critério de julgamento paralelo. Não os comparo a nada que não seja também brasileiro. Isto possibilita a que se tenha uma avaliação melhor de nosso próprio cinema, longe do paralelo com filmes procedentes de lugares mais desenvolvidos, tecnicamente, e mais livres, socialmente. Só que, como dizem que o cinema brasileiro precisa de incentivo, e como não estava disposto a dar este incentivo, parei de escrever sobre filmes nacionais. Entre o silêncio e a mentira, fiquei com o silêncio.

Um filme, enfim, que passa por cinema dos erros, volteia com alguns defeitos e chega ao final incólume e belíssimo, dono de uma força que há muito tinha desistido de procurar nos filmes brasileiros, e raramente encontro em filmes estrangeiros.

Falo de O Crime do Zé Bigorna, de Anselmo Duarte. Uma análise perfeita da ascensão do populismo no Brasil, cheio de imagens metafóricas mas, ao mesmo tempo, de uma simplicidade linear, que o torna compreensível por qualquer público, o filme mostra que o Anselmo Duarte de O Pagador de Promessas voltou a existir e ainda melhor do que então: mais maduro, mais direto e, sobretudo, mais simples. (…) As duas cenas do encontro de Zé Bigorna com o público que o elegeu para ídolo, ele que lavou “com sangue a honra conspurcada”, e a cena da sessão de cinema, são praticamente perfeitas. Diferentes, talvez, das que estamos acostumados a ver em filmes estrangeiros, onde o padrão de comportamento das multidões frente às câmaras é outro; diferentes, também, porque dois bêbados brasileiros da década de 30, pobres de cidade de interior, não se comportam como bêbados hollywoodianos. Mas, dentro destas diferenças, ou quem sabe justamente por elas, belíssimos momentos de cinema; o que leva a pensar que Paulo Emílio tinha razão.

*Publicado originalmente no Correio do Povo, de Porto Alegre, em 15 de setembro de 1977.