Dossiê Vera Cruz
Floradas na Serra
Direção: Luciano Salce
Brasil, 1954.
Por Alfredo Sternheim, especialmente para a Zingu!*
Já assisti cinco vezes. E continuo achando Floradas na Serra não só a melhor produção da Vera Cruz, mas também o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Um melodrama que, em sua força, não envelheceu, apesar de ter um tema datado: o sofrimento das vitimas da tuberculose. Antes, uma doença na maioria das vezes mortal. Hoje, curável e com tratamento bem menos doloroso do que na época em que a história foi escrita, em 1939. Adaptado do best-seller de Dinah Silveira de Queiroz (a autora de A Muralha), o filme centraliza-se em Lucília (Cacilda Becker), uma jovem que na companhia deus amigos do high society, faz uma parada em Campos de Jordão. E, entediada com a companhia, decide ficar mais um dia, sozinha. Na época, Campos era, com seu ar puro e montanhês, uma localidade indicada para os que sofriam de tuberculose. Para ficar na pensão, submete-se a um exame e ela descobre que também sofre do mesmo mal. Começa uma longa e nada fácil jornada de confinamento e sentimentos confusos ao apaixonar-se pelo escritor Bruno (Jardel Filho), que está melhor de saúde.
Com esse ponto de partida, o segundo longa de Luciano Salce (1922-1989) – que depois voltou para a Itália, onde fez mais de 30 filmes como diretor e uns 40 como ator – tem alta intensidade, apesar da produção acidentada. Foi a última da Vera Cruz e as filmagens foram interrompidas várias vezes. Tanto que, num desses intervalos de dois meses, a gravidez de Ilka Soares tornou-se perceptível e foi necessário ela atuar vestindo longos casacos. Mas, como Casablanca, essas interrupções não impediram que o resultado final saísse magistral. Sublinhada pela bela música de Enrico Simonetti e com estupendas imagens em preto e branco que exploram a topografia de Campos de Jordão, a fragilidade física e emocional dos personagens ganhou realce incomum. Especialmente a de Lucília, graças a Cacilda Becker. Ela já era uma grande atriz no teatro e só teve duas oportunidades cinematográficas: um pequeno papel em filme da Atlântida e neste, o derradeiro da Vera Cruz. Cacilda não perde uma reação, tanto nos momentos em que explicita sentimentos de raiva e paixão como naqueles conflitos mais íntimos. Este é talvez o maior desempenho feminino do cinema brasileiro e Floradas na Serra, uma realização notável, especialmente no seu final, naquela montagem paralela que acaba tendo um sentido simbólico em relação à derrocada da Vera Cruz. Imperdível.
*Alfredo Sternheim é crítico de cinema e cineasta. Diretor dos longas Paixão na Praia, Lucíola, Anjo Loiro, Pureza Proibida, Borboletas e Garanhões, entre outros. Recentemente, lançou sua autobiografia, Alfredo Sternheim – Um Destino Insólito.