Dossiê Vera Cruz
É Proibido Beijar
Direção: Ugo Lombardi
Brasil, 1954.
Por Gabriel Carneiro
Fazia tempo que não assistia a um filme tão gostoso como esse É Proibido Beijar, um dos últimos filmes da Vera Cruz. Talvez a sensação venha devido à perfeição na realização da comédia maluca, tipicamente norte-americana. Não há pudores em seguir o esquema de tais comédias, adaptando-as ao Brasil – sem tornar-la tipicamente brasileira -, buscando o encantamento e o sorriso do espectador. O objetivo não é fazer o público gargalhar com trejeitos, falas e situações, como nos filmes com Mazzaropi, e, sim, conquistá-lo, aos poucos, com as gags e seus personagens. É Proibido Beijar não deixa nada a desejar aos filmes do gênero dirigidos por Howard Hawks e Frank Capra.
Ugo Lombardi, o cineasta, italiano, começou como diretor de fotografia – assinando a desse filme, além de outros da Vera Cruz -, e foi inclusive gerente de produção de Paisà, de Robert Rossellini. É Proibido Beijar é seu segundo e último filme enquanto diretor. Parece muito à vontade com seu material, sabendo dar timing e manter o mistério até o fim. A princípio confuso, tudo se arranja com o chegar do fim.
As possíveis diversas falhas no roteiro (os americanos que falam perfeitamente o português, a noiva que não se importa com o homem se apaixonando por outra, o juiz da prova que sabe dos relógios dos gringos, etc.) não importam, só dão mais charme ao filme. Estão lá só para nos lembrarmos da insignificância perante a história. Eduardo é um jornalista. Seu chefe o manda ao aeroporto para entrevistar uma atriz famosa, que ele nunca ouviu falar. Chega lá, e uma mulher o diz ser a tal atriz. Ela não é, e ele descobrirá isso a duras penas, pondo tudo a perder.
Ela só o atazana, e ele só quer ajudá-la. Parece que é só um dia esquisito em suas vidas, não têm nada em comum. São personagens quase opostos que, de repente, enxergam algo a mais um no outro. Essa é a tônica da comédia maluca, ou screwball comedy, o subgênero da comédia que aposta na sucessão absurda de eventos, colocando o homem e a mulher quase se digladiando enquanto aprendem que não podem viver um sem o outro. O interessante no gênero é o crescente interesse que temos pelos personagens, especialmente pela mulher. No caso de É Proibido Beijar, a personagem de Tônia Carrero passa o filme inteiro mentindo, enganando, criando armadilhas, confundindo a cabeça do personagem de Mário Sérgio e do espectador, mas é difícil não gostar dela. É daqueles filmes em que tudo só dá errado para o protagonista.
Há momentos formidáveis, que se tornariam clichês nas comédias românticas. O grande destaque do longa fica por conta da gincana no Guarujá. Lá, tudo se equilibra e se acerta, mas é também quando vemos a síntese do gênero, que insiste nos mal-entendidos para contrapor ao final óbvio. É o tipo de comédia que fez muito sucesso nos EUA nos anos 30 e 40, mas nunca chegou a ter muitas produções no Brasil – infelizmente, já que É Proibido Beijar é, facilmente, uma das melhores comédias nacionais.