Carta ao leitor

2010 marca o sexagésimo aniversário do início das produções da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, localizada em São Bernardo do Campo, cidade da grande São Paulo. Firmada no final de 1949, só no começo de 1950 é que Caiçara, de Adolfo Celi, primeiro longa-metragem da companhia, teve suas filmagens iniciadas. O tempo de glória da empresa foi curto. Em 1954, a companhia fechou as portas, falida, devido à má administração por parte de seus donos. Produziu 19 longas-metragens, sendo 18 de ficção, e alguns curtas. Muitos deles ficaram marcados na história do cinema brasileiro, como Sai da Frente, Tico-Tico no Fubá, O Cangaceiro e Floradas da Serra. Muitos deles são exemplares de uma produção de qualidade. Além dos já citados, pode-se incluir nesse panteão filmes como Candinho, É Proibido Beijar, Na Senda do Crime e Terra é Sempre Terra.

É triste notar que, apesar dos pontos positivos supracitados, ainda haja uma negligência e preconceito por parte dos estudiosos de cinema brasileiro, especialmente aqueles de ideologia cinematográfica similar ao dos cinemanovistas – Glauber Rocha, em seus escritos, fez questão de desmoralizar completamente a produção da Vera Cruz. Tida como acadêmica, burguesa, vendida aos padrões hollywoodianos, a companhia ainda sofre com o lento e gradual reconhecimento. Parte desse seja talvez do próprio governo, que, por intermédio da Cinemateca Brasileira, está patrocinando a recuperação do acervo. Medida, diga-se, mais que necessária, visto a péssima qualidade das cópias disponibilizadas no mercado pela Cinemagia/Amazonas Filmes. A existência no mercado, mesmo que em tais condições, é necessária, pois precisamos ter acesso a elas, ainda mais a preços tão convidativos – pode-se adquirir os filmes lançados por R$ 10 cada -, mas a decadência das cópias é um fato triste num país sem tradição de preservação cultural. Os DVDs de Sinhá Moça e de Floradas da Serra são praticamente inaudíveis, com som estourado, e volume alternante.

Torçamos para que tal preservação seja difundida. Alguma distribuidora poderia ler este pedido e resolver lançar a obra remasterizada, incluindo algumas pérolas inéditas no mercado de DVD (É Proibido Beijar, O Cangaceiro, Na Senda do Crime, Ângela, Luz Apagada, Esquina da Ilusão, e os documentários de Lima Barreto). A Vera Cruz fracassou, mas foi uma importante tentativa de criar um cinema industrial e auto-suficiente. Nós, da Zingu!, sabemos também que, das empresas cinematográficas paulistas dos anos 50 e 60, a Vera Cruz tende a ser a mais lembrada e comentada. Quem sabe, numa edição futura, podemos nos debruçar sobre a produção da Maristela, ou de alguma outra…

O outro nome da edição é Luís Sérgio Person, um dos nossos mais importantes cineastas, autor de obras seminais como São Paulo S.A. e O Caso dos Irmãos Naves. Person infelizmente não tem o mesmo prestígio de um Glauber ou Nelson Pereira dos Santos, mas foi tão fundamental quanto. Talvez seja o menor número de filmes rodados – oficialmente, foram 4 longas e 1 episódio – que tenha lhe dado tal lugar na história. Para mim, não há melhor filme nacional que São Paulo S.A. – existem os páreos duros, aqueles que são tão bons quanto, e, claro, existem as gemas não assistidas; é um processo, sempre. O Especial Person é, portanto, mais uma homenagem do que uma recuperação. Queremos sim registrar sua importância, conferindo-lhe um espaço, pequeno, mas não menos significativo para nós.

Para finalizar esta carta ao leitor, damos boas-vindas a William Alves, o novo redator da equipe. E preparem-se, na próxima edição, mais gente nova fazendo a Zingu!

Cordialmente,

Gabriel Carneiro
Editor-chefe da Zingu!