Carta ao leitor.

Três anos. 36ª edição. A comemoração de aniversário não podia ser melhor. Carlão Reichenbach sempre nos foi uma referência, desde que a revista surgiu, em outubro de 2006. Amigo, extremamente simpático e generoso, Carlão sempre atendeu a nossos pedidos, sempre contribuiu e nos ajudou de alguma forma. Não só isso, o cineasta é uma inspiração e um marco para o cinema brasileiro. Na profissão há mais de quarenta anos, Carlão é um digno profissional do cinema. Já fez de (quase) tudo: direção, roteiro, fotografia, câmera, música, produção, atuação, dublagem.

É difícil dissociar o cinema brasileiro de Carlão. Mais, é impossível. O homem é responsável pelos melhores filmes nacionais dos últimos anos, e parece que, com a maturidade, seus filmes ficaram ainda melhores. Por mais que isso possa parecer uma heresia, para mim, enquanto cinéfilo, os melhores filmes do sujeito são dos anos 90 para cá. Uma sucessão de filmes espetaculares, se aprofundando no projeto de cinema de alma, que tanto apetece ao diretor. Alma Corsária, Dois Córregos, Garotas do ABC e Falsa Loura são a nata de Carlão. Claro, sua carreira tem derrapadas (Ana, em As Libertinas) e filmes que não me aguçam tantos os sentidos (A Ilha dos Prazeres Proibidos, Anjos do Arrabalde), assim como verdadeiros sobrevôos anteriores aos anos 90 – que muitos julgam conter seus melhores filmes, a exemplo de Lilian M. e Filme Demência. Eu, particularmente, gosto muito de O Império do Desejo e de A Rainha do Fliper, em As Safadas.

O interessante no cinema de Carlão é que cada filme tem seu alcance. Não é um diretor óbvio e previsível, não há como saber o próximo passo. Não há cacoetes, apesar de seus filmes possuírem certos maneirismos típicos do cineasta. Gosto de pensar que seus melhores filmes são a mescla do experimentalismo e do perfeito acabamento. É como se primeiro ensaiasse, para depois voltar ao tema, mais consciente, aplicando novas formas, e concluindo. Vejo A Ilha dos Prazeres Proibidos como ensaio para O Império do Desejo, assim como vejo Filme Demência (de novo, pode parecer uma heresia) como ensaio para suas duas obras-primas, Alma Corsária e Dois Córregos, só para ficar em alguns exemplos. Outra coisa bacana no cinema de Reichenbach é que seus filmes tendem a melhorar numa revisão. Há certos macetes que usa que ficam mais naturais, mais perceptíveis, e parte da graça é sabe como ele os usa.

É esse interesse permanente na carreira do cineasta que faz com que homologuemos o cargo de perfilado na edição de aniversário. É nosso objetivo trazer alguém de longa carreira nesse dossiê, sempre pensando no papel que evoca ao cinema atual. Queira-se ou não, Sady Baby, perfilado da primeira edição de aniversário, foi um dos mais ousados cineasta pornôs brasileiros, com práticas hoje em voga. José Mojica Marins, tema da segunda edição de aniversário, é até hoje um mito. Assim como Carlão, aquele que melhor se fundiu a nova era e a uma nova esfera de pensamento e crítica.

A Zingu! surgiu numa associação minha com Matheus Trunk em 2006, no curso do Inácio Araujo. Ele já estava pensando em algo do tipo, eu entrei pensando no formato – convidado pelo Matheus. Acho que se não fosse o Carlão (e o Inácio), a Zingu! não existiria, pelo menos não como a conhecemos. O primeiro contato que tive de fato com Matheus foi quando o Carlão foi dar uma aula sobre direção, a convite do Inácio. Matheus já o conhecia, eu apenas o admirava – já havia assistido a Dois Córregos, até hoje um dos filmes marcos para mim -; o meu contato com ele havia sido apenas via internet. Após a sessão, fui lá eu, tiete, pedir uma foto. O Matheus também foi falar com ele, mas para conversar. Acabamos trocando palavras. Quando depois de um tempo o encontrei no Festival de Cinema Latino-Americano (em primeira edição, eu como monitor, ele como público), tínhamos algo em comum para falar: Carlão foi o nosso primeiro tópico. Deu no que deu.

Por isso, como eu disse, a Zingu! deve muito a Carlão. A edição tardia, sim, mas feita com muito prazer e vontade, é essa que você, leitor, pode conferir agora. Esperamos que você goste, e mais ainda, que você procure conhecer esse homem, o Carlão Reichenbach, melhor: seja lendo seu blog, seu site, pelos seus filmes ou mesmo pessoalmente – (quase) toda primeira quarta-feira do mês, Carlão está lá no Cinesesc, onde apresenta a já histórica Sessão do Comodoro.

Gabriel Carneiro

Editor da Zingu!