A Sessão do Comodoro e a Cinefilia dos Extremos

Dossiê Carlos Reichenbach

Por Marcelo Carrard

É inacreditável, para mim, que já se passaram cinco longos anos desde que ocorreu pela primeira vez a já lendária Sessão do Comodoro. Idealizada pelo cineasta Carlos Reichenbach, inicialmente era dupla – dois filmes eram exibidos em uma mesma noite em um dos templos da cinefilia paulistana, o Cinesesc, na Rua Augusta. Lembro-me claramente da primeira Sessão Dupla do Comodoro, quando foram exibidos os clássicos: Santa Sangre, de Alejandro Jodorowsky, e Canibal Holocausto, de Ruggero Deodato. Como sempre costumo chegar cedo aos meus compromissos, a fila ainda era pequena, mas quando entrei no Cinesesc percebi que a sessão estaria lotada, o que se confirmou em seguida. Todas as poltronas estavam ocupadas e as pessoas se acomodavam, se amontoavam pelo chão, foi muito forte e inesperado, mas, aos poucos, todos mergulharam no filme e na sessão seguinte algumas pessoas deixaram a sala de exibição revoltadas com os extremos do filme de Deodato. Recordo-me de o Carlão Reichenbach apresentando o seu blog, o Reduto do Comodoro, e então decidi fazer o meu próprio, o Mondo Paura. Com o passar dos meses e das sessões, fui conhecendo novos amigos cinéfilos, entre eles, Eduardo Aguilar, Leandro Caraça, André ZP e depois da noite gloriosa do Troféu Quepe do Comodoro, minha amizade com o Carlão se tornou mais sólida. Sessões inesquecíveis foram muitas: Incubus e Audition, O Homem de Palha e Eraserhead, sempre filmes raros e com uma grande capacidade de gerar discussões acaloradas entre os espectadores, sem importar se o público aprovava ou não os filmes, mas, a discussão sobre eles que passava posteriormente pelos blogs, com discussões longas e passionais, a favor e contra.

Autores clássicos do cinema extremo tiveram suas obras exibidas na Sessão do Comodoro. Joe D’Amato, com Buio Omega e A Alcova; David Cronenberg com Os Filhos do Medo; Jesus Franco com Macumba Sexual; Arrabal e o belíssimo Viva La Muerte, exibido ao lado de Fando & Lis; Dario Argento em uma exibição histórica de Prelúdio para Matar; Russ Meyer com seu Beneath the Valley of the Ultravixens; sem esquecer da noite em que foram exibidos Onibaba, de Kaneto Shindo, e Dellamorte Dellamore, de Michele Soavi; Voices From Beyond, de Lucio Fulci; Schramm, de Jorg Buttgereit; e toda uma galeria de filmes que tivemos o privilégio de ver em uma tela grande, em um cinema confortável, que registrou imagens de rara beleza como na noite em que a Sessão do Comodoro exibiu As Filhas de Eva, uma pérola do cinema vinda das Filipinas, e que o olhar sensível do Carlão Reichenbach percebeu que era digno de dividir com os amigos da sessão, difundindo o espírito da troca de filmes, de idéias e informações entre cinéfilos amigos que se encontraram nesses cinco anos de Sessão do Comodoro.

Dos momentos sublimes da Sessão, destacam-se a noite em que viajamos inebriados pelas imagens de A Morta-Viva, de Jacques Tourneur, uma verdadeira aula de cinema, e a noite em que foi exibido A Garota, de Luis Buñuel, dois momentos realmente inesquecíveis. O acesso aos filmes, a atmosfera de amizade e mútuo amor por um cinema que estava oculto pelos tolos preconceitos da crítica oficial são alguns dos desdobramentos iniciados pela Sessão do Comodoro. Foi em uma dessas sessões que eu conheci um menino que parecia uma enciclopédia ambulante do cinema da Boca do Lixo, chamado Matheus Trunk, que pouco tempo depois me chamou para participar de uma tal Revista Zingu!… Pois é, mais um desdobramento da sessão e seu espírito de congregar amigos, que vai muito além do tradicional cineclubismo. Cinco anos passam muito rápido mesmo. O interessante é que além da infinidade de filmes preciosos, vimos curtas-metragens feitos por amigos freqüentadores das sessões do Comodoro, uma oportunidade de ouro para esses novos realizadores. Longa vida para a Sessão do Comodoro, e que mais desdobramentos surjam, mais filmes raros sejam descobertos, amados e odiados: é assim que se configura a verdadeira e genuína cinefilia!