Por Filipe Chamy
Um público sob influência
Ainda que encontre muitos detratores, o cinema de Quentin Tarantino tem pelo menos um inegável mérito: despertar a atenção a cineastas menosprezados, ignorados, desprezados e/ou obscuros. Sim, um mérito. É uma coisa excelente usar sua influência, se grande, para divulgar novidades ou corrigir injustiças. Tarantino então merece hats off por trazer ao conhecimento do mundo cineastas como Damiano Damiani e Bo Vibenius.
Tarantino trabalhava quando jovem em uma locadora, tem um vasto conhecimento de cinema, entende de gêneros e subgêneros, tem um olho clínico que o faz ver com a mesma paixão e profundidade obras díspares como They all laughed, de Bogdanovich, e Two-lane blacktop, de Monte Hellman. Ele não tem preconceitos com “exploitations”, entende que filmes eróticos, fitas de monstro e faroestes de baixo orçamento também são cinema, e muitas vezes ótimo cinema. Tarantino é um exemplo a seguir.
Mas esta coluna não trata apenas do fenômeno tarantiniano. Discute-se aqui a problemática das influências. Usá-las para obter notoriedade sobre algo.
“Fora” do cinema, temos o notável caso de Sandrine Bonnaire, que usou sua figura célebre para arrecadar fundos para divulgação e pesquisa de um tipo de autismo com que ela teve de conviver ao presenciar a triste e paulatina degradação de sua irmã, esforços observados pela sensibilidade da atriz fazendo as vezes de diretora em O nome dela é Sabine.
Mas “no” cinema é possível é possível fazer nesse sentido um trabalho digno. Um exemplo notável é Marcello Mastroianni. O magnífico ator italiano nunca se escondeu dos olhares do público, e passou incríveis décadas sendo um dos mais populares e requisitados atores de sua geração (e de outras, podemos dizer). Que fez Mastroianni diante do sucesso? Acomodou-se e resumiu sua carreira a um pastiche do que poderia fazer se empregasse esforço e determinação? Não, muito pelo contrário. Mastroianni nunca parou de se inovar e de procurar usar sua influência e seu imenso carisma para acostumar o público, num nobre empenho, a novas formas de narrativa no cinema, novas maneiras de atuação e novos diretores, comprometidos e engajados com o cinema. É portanto sintomático e prazeroso analisar sua filmografia, repleta de grandes momentos em filmes “difíceis” como A comilança, alegoria política de Marco Ferreri, Oito e meio, a mais representativa obra-prima de Fellini, e Quê?, comédia anárquica de Roman Polanski. Mastroianni não temia o ridículo, ao se maquiar como Casanova para Scola, nem o grotesco, ao fazer um Custer caricaturizado num western absurdo. Mastroianni era um homem sábio e sabia que tinha um papel, uma missão: fazer cinema, e não ser um manequim, uma marionete.
A maior parte das pessoas que trabalha com cinema não possui essa clareza de princípios que Tarantino possui e Mastroianni possuía. Um Johnny Depp, por exemplo, faz o caminho contrário ao ideal, e desce da autoralidade (Jarmusch, John Waters, Kusturica) a comédias românticas tolas e descartáveis, à série passageira dos piratas caribenhos, cedendo ao apelo fácil do dinheiro e do contentamento do público, que assim se aliena cada vez mais, embevecido por esse falso entretenimento, insultoso entretenimento, cada vez mais pasteurizado e acadêmico, burocrático.
Na França é visível o caso de Romain Duris, praticamente a mesma situação de Depp — e é triste perceber que seus filmes de maior sucesso são justamente os que fazem as maiores concessões.
Não que seja uma característica necessariamente recente usar sua influência apenas para uma blindagem pessoal de conforto. Mas é desconfortável notar como isso continua.