Por Marcelo Carrard
Beautiful Girl Hunter
Direção: Norifumi Suzuki
Dabide no hoshi: Bishôjo-gari, Japão, 1979.
Dentro da vasta produção japonesa dedicada ao cinema extremo, um nome sempre é lembrado, e não é apenas o de Takashi Miike. Muito antes do mundo se aterrorizar com os clássicos Audition e Ichi the Killer, já estava em ação um dos autores mais fetichistas e transgressores do cinema asiático: Norifumi Suzuki. Suas obras são uma fusão única e hipnótica de beleza, tortura, sangue e devaneios eróticos de rara composição. Suas obsessões estéticas, a tensão cromática de seus filmes, servem como moldura para a “dança” vertiginosa de suas musas. Em filmes magníficos como O Sexo e a Fúria e Convent of the Sacred Beast, vemos os corpos de suas heroínas receberem doses inacreditáveis de uma representação quase surreal do erotismo e da violência, como grandes guerreiras e sensuais assassinas.
Em 1979, porém, Suzuki realizou um dos filmes mais misóginos de todos os tempos: Beautiful Girl Hunter aka Star of David. Se em suas obras anteriores as mulheres se libertavam através do sexo e da violência, nesse, elas são bonecas de carne e osso, a serviço das perversões do jovem protagonista. Enquanto era um menino, ele apenas observava o pai em seus jogos de humilhação e dominação em que cordas imobilizam belas mulheres e a busca do prazer está na dor, na submissão delas, cujo sofrimento parece um combustível para o mestre dominador em seus jogos implacáveis. A beleza das cenas iniciais, na noite chuvosa, diante da lareira, mostram a grande força de Suzuki como esteta. Após anos de aprendizado ao observar o pai, o menino cresce e busca suas vítimas, como um verdadeiro caçador. A suspensão das vítimas em correntes e o banho de sangue do protagonista após o sacrifício da vítima mostram todo o incômodo mesclado com fascínio mórbido que permeia toda a obra de Suzuki. A tortura com os corpos suspensos remetem ao extremo Imprint, de Takashi Miike. As tensões cromáticas e seus contrastes na composição de cada cena aparecem em momentos de pura transgressão, como na que uma inusitada relação de zoofilia acontece entre uma muher e um cão, e na máscara de ferro que parece ser uma estilização da máscara demoníaca de A Máscara do Demônio.
Uma espécie de insert sem a glamourização das demais cenas do filme aparece no registro quase documental de um violento estupro que beira a transgressora estética Snuff. A sequência inacreditável da mulher exposta e livre no alto de um prédio é a maior representação da misoginia do filme, inesperada e genial. Existe outro filme misógino ao extremo, também do Japão, intitulado All The Woman are Whores, ou seja, Todas as mulheres são putas, que é um absurdo, mas o filme de Suzuki não fica atrás. Mesmo com essa jornada extrema pelo sombrio olhar misógino de um assassino, poucos cineastas conseguiram filmar as mulheres com o estilo e a autoria de Norifumi Suzuki.