Por Filipe Chamy
Liberdade e preconceito
Todo mundo tem preconceitos.
Em arte, então, ninguém tem nem pretensão de escondê-los. É um tal de destilar impunemente sempre generalizações e impropriedades, estilo “não gosto de séries de faroeste”, “não gosto de gibi de ficção científica”, “detesto filmes de animação”.
Englobar mil obras, autores, tendências e escolas nesses arquétipos e estereótipos é, evidentemente, um erro, ou pelo menos um equívoco que poderia ser evitado.
Mas, de fato, todo mundo tem algum preconceito. Eu tenho vários, também. Em matéria de cinema, sou o redator da Zingu! que mais critica as pornochanchadas, por exemplo. Para mim, elas são ruins até um filme que demonstre o contrário (e que tratarei como exceção).
Na minha última coluna, deixei claro um dos meus preconceitos: no geral acho que todo mundo que faz telenovelas (sobretudo, quem sabe, os intérpretes) de uma vaidade e estupidez atrozes e diretamente proporcionais. Mas, como todo preconceito, ele não é algo integralmente verdadeiro, caso haja uma análise mais ou menos atenta ou mais cuidadosa.
Falei das atrizes da televisão brasileira e sobre o caso de uma delas eu gostaria de me retratar: Paola Oliveira. Essa belíssima moça acaba de demonstrar uma coragem incompatível com a ideia bestificada que faço das mulheres da telinha; ela protagoniza atualmente um filme de difícil recepção por conta (justamente) do preconceito de todos: um filme infantil.
Se esse rótulo já é reducionista por natureza, ao ver o filme em questão — Uma professora muito maluquinha —, há coisa de semanas, pude perceber mais uma vez como o preconceito se infiltra pelas brechas mais previsíveis e solidificadas no imaginário coletivo. Ora, o filme “infantil” é bobo, ingênuo, direcionado a crianças. Mas qual filme terá feito mais concessões à narrativa fácil e formulaica, Uma professora muito maluquinha ou Os três mosqueteiros (mais um surrado remake em 3D)? Qual filme tem os conflitos mais atenuados e as insinuações mais pasteurizadas, Uma professora muito maluquinha ou Conan, o bárbaro (que também é um remake, vejam só)?
Uma professora muito maluquinha nada tem a ver com essa mesquinha cegueira do público de cinema, mas sofre não só com isso como com o quase total desprezo da mídia e a falta de apoio generalizada a filmes com/de crianças. E volto a perguntar: o que esse delicado retrato da infância e do bucolismo de uma cidade tem de “pior” que esses blockbusters genéricos que fazem tanto sucesso nas bilheterias?
Enquanto escrevo esta coluna, o filme está tendo uma vida pouco digna nas salas paulistanas: poucos cinemas e horários, minguando semana a semana. Ao contrário dos Se eu fosse você da vida (e demais pastiches fabricados à moda de telenovelas), Uma professora muito maluquinha não conseguiu atrair a curiosidade geral nem mesmo ao ser estrelado por uma linda e popular estrela em evidência da televisão. Mas quem vir o filme não vai deixar de notar o artesanato competente de sua direção, que não usa a ridícula sonoplastia de (maus) desenhos animados, abundantes nos filmes globais (da Globo mesmo), truquezinhos de montagem e recursos trapaceiros equiparados.
Termino este texto lembrando a virtualmente mais bela frase sobre cinema já proferida por um crítico (André Bazin): “todos os filmes nascem livres e iguais”. Verdade total, acima de qualquer preconceito; mas enquanto julgarmos as coisas por superficialidades e acharmos com isso que chegamos a algum lugar, as coisas estarão irremediavelmente comprometidas.