Dossiê Inácio Araújo
Amor, Palavra Prostituta
Direção: Carlos Reichenbach
Assistente de Direção, Cenografia, co-argumento, co-roteiro: Inácio Araújo
Brasil, 1981.
Por Vébis Junior
Extremos do Prazer e Amor, Palavra Prostituta são resultados do fascínio do diretor pelo existencialismo, e principalmente do pré-existencialismo de Kierkgaard, ao mesmo tempo que os filmes carregam o débito do diretor com a pornochanchada.. Estes filmes não sintetizam o cinema de Reichenbach, mas sua experiência no cinema. Segundo o próprio Carlão “são atípicos na sua obra”.
Amor, Palavra Prostituta foi o primeiro filme em parceria com o crítico e jornalista Inácio Araújo como roteirista (que antes já havia montado Lilian M).
Naquela época, a captação de fundos para realização de um filme era diferente dos dias de hoje. Já tinham a verba e depois corriam atrás do assunto para o filme e seu roteiro. Existia uma lei de obrigatoriedade em que os produtores já estavam argolados com exibidores, por isso as produções eram rápidas, em duas semanas desenvolviam o roteiro, um curto espaço se levarmos em consideração que partiam do nada.
No caso de Amor, Palavra Prostituta desenvolveram algumas hipóteses como a história de um cara chato que se instalava na casa de dois amigos, mas engavetaram devido ao filme ficar tão chato quanto o personagem. Aí Reichenbach recorreu a velhas idéias em uma pasta arquivada. Encontraram uma história que acabou virando a primeira frase da personagem vivida pela Patrícia Scalvi: Vou voltar para Catanduva! – referindo-se a um amigo, Éder Manzini, montador do filme que era da região.
Inácio Araújo e Carlos Reichenbach escreviam os roteiros e argumentos durante a noite, a pedido de Reichenbach que achava a melhor hora para criar e desenvolver, e o processo de criação de personagens surgiam quando os dois construíam os diálogos como réplica, que soavam muito engraçado para os dois, que riam bastante. Quando o filme foi lançado, Lígia, esposa de Carlão, encontrou Inácio ao final da projeção que lhe perguntara se havia gostado do filme. A resposta foi um tanto quanto irônica: – Vocês riam muito a noite inteira e o filme é uma puta tragédia!!!
Inácio explica que o conjunto era dramático na história, Carlão queria mesmo era uma história de sangue! Ainda mais sobre um aborto mal feito, somente nos diálogos como, por exemplo, do personagem Luis Carlos (Roberto Miranda) com Fernando (Orlando Parolini).
A história é sobre uma operária especializada, casada com um professor desempregado (Orlando Parolini) que foi mestre do personagem de Roberto Miranda, que é o bonitão da história, e que aparecia com a moça na casa do professor depois de fazer um aborto que não deu certo.
A construção dos personagens, como a concepção dos filmes em geral contém muito do processo criativo de Inácio Araújo, por mais que o filme fosse de Reichenbach. Inclusive, Amor Palavra Prostituta é considerado pelo roteirista o primeiro filme com linguagem narrativa mais linear, graças a esta união.
Há uma preocupação social, do problema histórico do Brasil, subdesenvolvimento, das lutas de classes, mas não apenas isso. Acima de tudo e que difere dos problemas já citados, ele aborda problemas humanos. O personagem Fernando (Orlando Parolini), a vida que ele vive insiste que tome outra atitude, mas ele prefere continuar vivendo na contra-mão. (arquétipo comum dos personagens masculinos nos filmes de Carlão, os homens que dão murro em ponta de faca) Um problema existencial trazendo desilusão e desencanto. Um intelectual sem ação, resultado dos existencialistas que não têm certezas.
A presença da morte no filme está presente a todo tempo, desde o suicídio de um engravatado numa árvore na represa, até o aborto da garota deixada em agonia pelo personagem de Roberto Miranda. Nas leituras de Kierkgaard, a situação em que se encontra o professor é de desespero, justificando seu silêncio contínuo, conforme pesquisa já realizada por Milton do Prado ao redor da obra de Reichenbach. Um personagem, e, por consequência, um filme sem certezas. Só dá indícios de vida no final do filme, quando passou pela experiência simbólica da morte com o aborto de Lilita.
“Eu acho que tem aí uma noção de que os encontros são múltiplos, a vida é múltipla, você vai ver na vida real, está sempre metido com pessoas que são diferentes de você. O fato de uma pessoa ser seu aluno não quer dizer que ela seja como você, completamente diferente neste contexto. Os caminhos que as pessoas são levadas são muito pessoais e estranhos. Mas isso também sempre teve, uma capacidade de escuta e de observar as coisas. Minha mulher achava que o Carlão carregava nas tintas na descrição dos personagens por exemplo, que os caras eram muito pesados, podiam ser mais leves, não eram aquilo, e o palavreado não é bem assim e tal. (pausa) mas de vez em quando eu estava com ela e você via uma cena, escutava alguém e você via como era assim mesmo, como na verdade e gente estava próximo da realidade. O que acontece? Quando estamos na vida real, você abstrai, né? quando você está vendo um filme, aquilo lá se transforma numa coisa muito importante. Mas os brasileiros estão muito parecidos com o que tem naqueles filmes, na verdade, nós tínhamos um objetivo a rigor realista, mas um realismo debochado também, né, senão não tem graça, seria buscar sempre o que está fora do parâmetro mais corriqueiro, tornando as relações mais completas, atrapalhadas e humanizadas.” (ARAÚJO Inácio entrevista concedida em Setembro de 2003).
Vébis Junior é cineasta e professor de cinema.