Dossiê Carlos Reichenbach
Um Mestre e sua Musa

Por Adilson Marcelino
“Minha paixão é pelo cinema, é para ele que corro atrás. Nunca fui atrás da televisão. Nunca foi minha praia”. Vanessa Alves fez essa declaração em entrevista para o meu site, Mulheres do Cinema Brasileiro, há alguns anos. E ainda que tenha feito alguns trabalhos na TV, foi mesmo nas telas que se tornou uma deusa e uma das mais amadas musas da Boca do Lixo.
Agora, se é o cinema a praia definitiva da atriz, o seu lugar especial é, definitivamente, no cinema do GRANDE Carlos Reichenbach.
Antes da carreira cinematográfica, Vanessa Alves – que ainda assinava só Vanessa – era modelo, fazia comerciais e participações em programa de TV. Selecionada em teste para A Filha de Emanuelle (1980), dos míticos Oswaldo Oliveira, diretor, e Antonio Polo Galante, produtor, os marmanjos tiveram que esperar a ninfeta fazer 18 anos para estrelar a produção.
Nesse comecinho de carreira no cinema, Carlão já está presente no trabalho da atriz. O cineasta a convida para O Paraíso Proibido (1981), segundo filme de Vanessa. E sob a direção do mestre, atua depois em mais quatro: Extremos do Prazer (1983), Filme Demência (1986), Anjos do Arrabalde (1987), e Garotas do ABC (2003).
Vários dos primeiros filmes de Carlos Reichenbach eu nunca consegui assistir, pois nem sempre chegavam a Belo Horizonte – e, se chegaram, perdi o bonde da época. Por isso não conheço O Paraíso Proibido e Extremos do Prazer. Fico só imaginando, cá com meus botões, o tanto que Vanessa Alves brilhou, pois o cineasta a escalou para outros trabalhos, e já disse, mais de uma vez, que ela e Ênio Gonçalves são seus atores-símbolos.
Mas como Deus ajuda quem cedo madruga, Filme Demência chegou a BH e no cinema mais amado por mim, o Roxy – sala sem maiores confortos, mas que se tornou verdadeiro templo para a cinefilia da minha geração, e que, infelizmente, não existe mais. Habitual freqüentador do cinema, nem acreditei quando Filme Demência entrou lá. Não conhecia o cinema do Carlão, mas já sabia de sua importância – e qual cinéfilo não sabe disso? Se não sabe, jamais poderá ser cinéfilo. Filme Demência foi minha porta de entrada – bela porta de entrada – e depois assisti todos os posteriores e alguns anteriores, como o episódio de As Safadas e meus xodós A Ilha dos Prazeres Proibidos e O Império do Desejo.
Pois bem, fui assistir a Filme Demência como abelha em pote de mel, mas, para meu desespero, não haveria sessão já que não tinha quórum suficiente de espectadores para apreciar a fita. E assim foi no segundo dia e também no terceiro dia. Esse quórum mínimo realmente existia, e não adiantava implorar para o porteiro e, pobre de marré-de-ci, nunca que teria dinheiro para comprar ingressos equivalentes. Daí que tive a idéia de juntar uma turma de amigos, implorar para alguns irem comigo, e assim pude, finalmente, assistir a essa obra-prima do cinema brasileiro.
E quem estava lá, na tela, pedindo carona para o Fausto de Ênio Gonçalves, toda serelepe? Naquele momento não sabia, mas rapidamente aprendi que era Vanessa Alves, mesmo porque era impossível não perceber a beleza, o talento e o frescor da jovem atriz – e olha que além de Ênio, tinha também um infernal Emílio de Biase aprontando todas como um Mefisto muito particular, e que, nesse trajeto, inclusive, encarna uma velhinha assustadoramente perigosa e maravilhosa.
O quarto encontro de Vanessa Alves com Carlão todo mundo já sabe. E para esse não precisei juntar gente para ver, pois foi um sucesso: Anjos do Arrabalde. E como todo mundo sabe também, Vanessa Alves arrasou em um elenco de feras – Betty Faria, Clarisse Abujamra e Irene Stefânia são as adoráveis e inesquecíveis professoras da periferia paulista – e levou para casa o Kikito de Melhor Atriz Coadjuvante no XV Festival de Gramado, em 1987, e também o Prêmio Governador do Estado de São Paulo.
Pois bem, se Carlão estava lá no ‘inicinho’ da carreira de Vanessa Alves, foi ele também que trouxe a deusa novamente para as telas, depois de tempos longe dela, em Garotas do ABC, para a alegria de todos nós.
Os cinemas de Carlos Reichenbach e de Vanessa Alves estão intimamente entrelaçados. É a história de um mestre e sua musa.