Dossîê Carlos Reichenbach

Vanessa Alves
Por Matheus Trunk
O cinema da Boca teve seu auge entre o final dos anos 70 e início dos 80. Durante esse período, atrizes como Helena Ramos, Aldine Müller e Matilde Mastrangi eram conhecidas nacionalmente. Muitas chegavam a ganhar fã-clubes em vários lugares do país. Diversas dessas atrizes, além da beleza, tinham grande talento e se tornaram conhecidas dos cinéfilos mais atenciosos e de parte da crítica. Vanessa Alves é um desses nomes.
Nascida em São Paulo, em 4 de setembro de 1963, Zilda Alves vem de uma família de origem humilde. Quando criança, fez balê e logo depois participou de alguns comerciais de televisão. Através de uma agência de publicidade, fez testes para uma produção de um dos filmes do produtor Antonio Polo Galante. Ela ganharia o papel principal no filme seguinte de Galante, A Filha de Emmanuelle, lançado comercialmente nos cinemas em 1980. Com sugestão do produtor, Zilda adota o pseudônimo de Vanessa, com o qual se tornaria uma das estrelas da Boca paulista.
A Filha teve a direção do realizador e fotógrafo Osvaldo de Oliveira, o Carcaça. De personalidade bastante forte, Carcaça nunca teve muita paciência com os atores. Segundo alguns contemporâneos, aquele homem tido como bruto e rabugento tinha grande carinho e respeito por Vanessa. Por isso, eles voltariam a trabalhar juntos.
Dentro do cinema paulista daquele período, cada musa chamava a atenção por sua personalidade. Matilde e Zilda Mayo eram falastronas e brincalhonas com todos. Vanessa sempre foi mais tímida e quieta.
Seu trabalho seguinte é O Paraíso Proibido, de Carlos Reichenbach, em que ela chegou a contracenar com o ator Jonas Bloch. Embora num papel menor, marca o início da parceria da moça com seu diretor mais constante.
Em A Menina e o Estuprador (1982), primeiro longa de Conrado Sanchez, Vanessa torna-se protagonista pela primeira vez. O filme é um grande sucesso de bilheteria e a moça recatada torna-se um nome de destaque entre as atrizes da pornochanchada paulista.
Sobre ela, escreveu o jornalista Jota Santana na época: “É a perfeita representante da jeneusse doré paulistana. Freqüenta os endereços mais badalados do pedaço, enlouquece a moçada com sua ginga quente e maliciosa de menina-moça, esbanja suas energias nas pistas mágicas das discotecas e dos roller-shows”.
Vanessa foi parceira constante do diretor Antônio Meliande. Com ele, participou de películas de destaque como Vadias Pelo Prazer e no episódio Belinha, a Virgem, do longa As Safadas. O primeiro é uma comédia sobre o trio de irmãs Susana (Taya Fatoom), Márcia (Sandra Graffi) e Xuxu (Vanessa). Embora tenha roteiro de Ody Fraga, o filme acaba se perdendo do meio para o final. O episódio Belinha é hilário. Vanessa faz a personagem título, que está pra se casar com o milionário Bruno. Sua preocupação é com enxoval. Para arrumar algum dinheiro, ela acaba se prestando a dar serviços sexuais, mas sem perder a virgindade.
Faz uma participação especial em Pecado Horizontal, de José Miziara, e é uma das assaltantes da casa de David Cardoso em A Noite das Taras II. É também a amada Camila do trágico Lula (Diogo Angélica) em O Motorista do Fuscão Preto, de José Adalto Cardoso.
Curral de Mulheres, de Osvaldo de Oliveira, é outro trabalho digno de nota. Vanessa é uma das escravas brancas comercializadas pelo cafetão Edgard (Maurício do Valle). Num dos momentos mais eróticos da película, ela faz uma cena bastante ousada com a atriz Shirley Benny.
Em 1984, a musa protagonizou um papel forte no longa-metragem Volúpia de Mulher, de John Doo. Ela faz Cristina, uma moça que é expulsa de casa quando os pais descobrem que ela perdeu a virgindade. Cristina virá para a cidade grande e terá a ajuda de pessoas como o travesti Lili Marlene e da médica Laura (Helena Ramos).
No engraçadíssimo Os Bons Tempos Voltaram – Vamos Gozar Outra Vez, Vanessa aparece no segundo episódio intitulado Primeiro de Abril. Ela é Sônia, namorada avançada do jovem Edinho (Marcos Frota). Nesse filme, a musa dá um show de sensualidade e rouba toda a cena. No mesmo episódio, o ator Dionísio Azevedo está impagável como um velho turrão e reacionário.
Segundo muitos especialistas em cinema brasileiro, o grande diferencial de Vanessa frente suas contemporâneas é sua parceria com o diretor Carlos Reichenbach. Quando o explícito começou a invadir nossas telas, a musa se aproximou cada vez mais de seu mestre para fazerem uma série de trabalhos juntos.
Lançado nos cinemas brasileiros em 1984, Extremos do Prazer é um filme extremamente ousado e provocador. A história gira em torno de Luiz Antônio (Luiz Carlos Braga), um ex-catedrático que teve seus direitos cassados. Permanece auto-exilado em uma casa de campo. Vanessa é a filha do intelectual, que vai visitá-lo.
Sem grande dinheiro, Extremos surpreendeu a todos por conseguir um sucesso de crítica e receber um prêmio de menção honrosa no Festival de Gramado. “A platéia, no entanto, vaiou o filme Tensão no Rio, que custou 400 milhões financiados pela Embrafilme e isso gerou um mal-estar na empresa. O filme de Carlão custou 15 milhões e ele não havia pedido um único centavo à Embrafilme que não costuma financiar os cineastas que não são do Rio de Janeiro”, escreveu sobre o filme Amylton de Almeida,A Gazeta, de Vitória/ES,em 23 de maio de 1984.
Em seguida, Vanessa participa com destaque de Filme Demência (1986), trabalho em que Reichenbach exorciza seus demônios pessoais. A história gira em torno de um industrial de cigarros falido (Ênio Gonçalves). Ele não tem amor pelo ramo, entrou nele porque adquiriu a empresa do pai. Inicia uma busca frenética por Mira-Celi, seu paraíso imaginário.
As diversas dificuldades de produção foram preenchidas pela criatividade de Carlão e do elenco. Sobre sua parceria com os dois principais atores do filme, Carlão explicou em seu livro de memórias O Cinema Como Razão de Viver, escrito pelo jornalista Marcelo Lyra e lançado pela Coleção Aplauso: “O Ênio é a versão masculina da Vanessa Alves. São atores com quem trabalho num sistema de cumplicidade, sem precisar repetir ad-nauseou o que espero dos personagens. Com o Ênio e a Vanessa a comunicação é feita no olhar”.
Demência obteve a consagração definitiva para Reichenbach: ele ganhou cinco prêmios no Festival de Gramado de 1987, entre eles o prêmio da crítica e o de melhor diretor. Em seguida, ele faria seu melhor trabalho com Vanessa: Anjos do Arrabalde.
Três professoras da periferia de São Paulo (Betty Faria, Clarisse Abujamra e Irene Stefânia) possuem uma série de problemas em seus trabalhos e na vida pessoal. Vanessa faz a quarta personagem feminina da película: uma jovem de periferia que é violentada e vive com um operário que não ama. Ao mesmo tempo, é rejeitada pelo pai. A personagem sofrida, mas bastante quieta e recatada, cai como uma luva para uma atriz calma como Vanessa. Mesmo em uma película com atrizes já consagradas nacionalmente, a musa quieta e recatada brilha intensamente. Com isso, acabou recebendo o Kikito de melhor atriz coadjuvante no Festival de Gramado e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo.
Com esse êxito na área cinematográfica, Vanessa ganha algumas chances na televisão, mas sem grande repercussão. Como diversas das atrizes que fizeram pornochanchada, ela permanece afastada do cinema durante muitos anos. Durante esse período, Vanessa faz teatro e dublagem. Retorna a telona somente em 2003, em outro filme de Carlão, Garotas do ABC.
Muitas pessoas julgam o cinema paulista dos anos 70 e 80 como uma produção indigna. Normalmente, o cinema da Boca é tido como algo menor e sem nenhum valor artístico. Porém, este foi um período de atrizes esforçadas e talentosas que estão na história do cinema brasileiro. Atrizes de real talento como Neide Ribeiro, Patrícia Scalvi e Vanessa Alves certamente deveriam ser mais lembradas.
Filmografia
1980 – A Filha de Emmanuelle, de Osvaldo de Oliveira;
1981 – O Paraíso Proibido, de Carlos Reichenbach;
1981 – Anarquia Sexual, de Antônio Meliande;
1982 – A Menina e o Estuprador, de Conrado Sanchez;
1982 – As Vigaristas do Sexo, de Ary Fernandes;
1982 – Vadias Pelo Prazer, de Antônio Meliande;
1982 – As Safadas (episódio Belinha, A Virgem), de Antônio Meliande;
1982 – Pecado Horizontal, de José Miziara;
1982 – A Noite das Taras II, de David Cardoso e Cláudio Portioli;
1982 – O Motorista do Fuscão Preto, de José Adalto Cardoso;
1982 – Curral de Mulheres, de Osvaldo de Oliveira;
1982 – Bonecas da Noite, de Mário Vaz Filho e Antônio Meliande;
1983 – Massagem For Men, de José Adalto Cardoso;
1983 – Extremos do Prazer, de Carlos Reichenbach;
1984 – Volúpia de Mulher, de John Doo;
1984 – Transa Brutal, de Diogo Angélica;
1985 – Os Bons Tempos Voltaram – Vamos Gozar Outra Vez (episódio Primeiro de Abril), de John Herbert;
1985 – Made In Brazil (episódio Fim de Semana Impossível), de Carlos Nascimento;
1986 – Avesso do Avesso, de Antônio Ferreira de Souza Filho;
1986 – Filme Demência, de Carlos Reichenbach;
1987 – Anjos do Arrabalde, de Carlos Reichenbach;
1987 – Los Corruptores, de Teo Kofman;
1987 – As Prisioneiras da Selva Amazônica, de Conrado Sanchez;
1987 – Mais Que A Terra, de Eliseu Ewald;
2003 – Garotas do ABC, de Carlos Reichenbach.