Depoimento de Claudio Cunha

Dossiê Carlos Reichenbach

Carlos Reichenbach foi o grande ídolo da minha juventude. “Meu tipo inesquecível”. Vários anos se passaram e ele continua entre os meus melhores gurus. Conhecemo-nos em meados de 1974, na Rua do Triunfo, na chamada Boca de Cinema, eu dando meus primeiros passos como diretor, ele já consagrado e respeitado entre os colegas por filmes como Lílian M. e Corrida em Busca do Amor . Sua experiência vinha de filmes publicitários, dos quais falava pouco, mas foi ali que se exercitou também como iluminador, o que lhe foi de grande ajuda para sua sobrevivência em períodos críticos do nosso cinema. Seu tipo abrutalhado, grandalhão, contrastava com seus modos finos, um verdadeiro gentleman. Ali no Bar Soberano, era comum vê-lo em inflamados discursos, tanto numa roda de diretores mostrando fatos com uma ótica diferente, anárquica, ou orientando técnicos e aspirantes ao estrelato, tratando todos igualmente. Sempre bem informado, culto, defendia seus pontos de vista com veemência e o que mais me fascinava era sua capacidade de se surpreender até com os próprios filmes que assistia. Era um cinéfilo na verdadeira acepção do termo. Respirava cinema. Gostei dele de cara.

Nossa primeira parceria foi roteirizando meu terceiro filme, Snuff – Vítimas do Prazer, quando nos tornamos amigos. Depois tive o prazer de co-produzir Amor Palavra Prostituta, filme que rodou o mundo, consagrando-o como diretor-autor.  Em O Gosto do Pecado, minha sexta direção, ele atuou como iluminador, o que muito me lisonjeou.  Assim era o Carlão, ora dirigindo, ora iluminando o filme de algum colega, com isso, aprendeu a produzir cinema.  Fiel às suas idéias, seus filmes sempre abordaram temas do cotidiano, refletindo sua angústia com as diferenças sociais, sem abrir mão de uma linguagem brasileira. Conseguiu impor a sua grife, vencendo o problema de fazer cinema no Brasil, adaptando-se a cada momento, transformando obstáculos em fotogramas de genialidade. Há pouco tempo, numa mesa redonda na Net, ele defendia um Oscar honorário para Nelson Pereira dos Santos; eu defendo um Oscar honorário para Carlos Reichenbach.

Claudio Cunha é cineasta, e trabalhou com Carlos Reichenbach em vários filmes, entre eles Snuff – Vítimas do Prazer