Dossiê Carlos Reichenbach
As Nobres Influências Cinematográficas de Carlos Reichenbach

Por Marcelo Carrard
Existe uma categoria de diretores de cinema que pode ser classificada com ‘diretores cinéfilos’, cuja paixão pela sétima arte se mistura de tal forma em sua criação artística, que transforma seus filmes em verdadeiras declarações de amor aos mestres do cinema formadores de sua cinefilia nas mais diversas fases da vida. Não apenas citações, mas atmosferas, olhares, onipresenças espirituais do cinema desses diretores aparecem explicitamente ou com uma sutileza elegante. Entre esses cineastas temos: Martin Scorsese, Pedro Almodovar, Tsai Ming Liang, Quentin Tarantino e muitos outros, das mais diversas formações e estilos cinematográficos. Um de nossos maiores e mais sensíveis ‘diretores cinéfilos’ é, sem dúvida, Carlos Reichenbach. Formado em um tempo em que o cinema tinha mitos, um poder revolucionário de transformação, e, principalmente, em que existia uma infinidade de cinemas tanto no centro, quanto nos bairros das grandes cidades, o fascínio que a grande tela exercia sobre os corações e as mentes daquela geração era um forte incentivador para que surgissem diretores, tudo aliado ao ambiente intelectual, ao discurso político revolucionário, à utopia, à literatura e ao desejo de expressar em imagens a inquietude daquele mundo em turbulência.
Creio que além do cinema clássico de Hollywood, de seus heróis e musas eternas, as rupturas estéticas da Nouvelle Vague francesa e japonesa surgem como um dos grandes mananciais de influências para o então jovem Carlão Reichenbach e seus colegas de geração. O privilégio que ele teve de ter visto os filmes japoneses nos cinemas do bairro da Liberdade, antes de muitos cineastas europeus, foi um elemento muito impactante para aquele grupo de cineastas. O cinema de Oshima, Yoshida e principalmente Imamura são claras influências para Carlão, que o acompanham até hoje. Mas, para organizar tudo, foi necessário um mestre, vital para a formação dele enquanto diretor: Luis Sérgio Person, mais que um professor, foi uma espécie de ‘pai espiritual’, que incentivou Reichenbach perseguir a carreira de diretor. A ligação dele com o pessoal da Boca do Lixo o fez um inspirado diretor de fotografia e a relação com o produtor A. P. Galante o influenciou na escritura dos roteiros até hoje. Seu incontrolável desejo por conhecer novos autores, lhe levou a cineastas como Samuel Fuller, que é citado explicitamente em Alma Corsária – na cena em que Eduardo Aguilar entrega um Oscar para Fuller, interpretado por Maurice Legeard. O fascínio e a profunda sensibilidade que o Carlão tem pelas mulheres em seus filmes remetem a Truffaut, mas ao desnudá-las, faz como um Tinto Brass, como um Joe D’Amato, como um Jesus Franco em momentos de grande inspiração. Existem os que afirmam que Reichenbach é um diretor feminista – de fato, ele sabe dirigir atrizes com profunda sensibilidade, assim como fazia o colega Walter Hugo Khouri.
Na fortuna crítica sobre a filmografia de Carlos Reichenbach, muitos fazem comparações entre a leitura que ele faz do melodrama clássico, com a releitura desse mesmo melodrama por cineastas como Rainer Werner Fassbinder. Estruturalmente, ambos preservam a cartilha do gênero e ao mesmo tempo a subvertem. Embora Fassbinder seja mais niilista do que o Carlão, ambos tem pontos em comum. Godard também é uma forte influência nos primeiros filmes, mesmo que não seja tão celebrada pelos mentores do Cinema Marginal, do qual Reichenbach é um dos “integrantes”. A amplitude de uma leitura sobre as influências cinematográficas de um diretor passa pela percepção pessoal de cada espectador, mas sempre é algo muito mais interiorizado, mais pessoal de cada realizador. De Candeias, ele tem um forte desejo de colocar os excluídos em cena, de mostrar uma realidade das bordas, uma realidade marginalizada e incômoda. Os ideais de sua geração e do Cinema Marginal nunca foram esquecidos por Carlão. A anarquia de filmes como Lilian M. até hoje possui uma força grandiosa. Cineastas totalmente diferenciados como Russ Meyer e Alejandro Jodorowsky estão entre os favoritos do Carlão Reichenbach, ao lado de Takashi Miike e dos novos realizadores franceses dedicados ao cinema de horror extremo, sem esquecer dos mentores do horror cinematográfico italiano: Mario Bava, Dario Argento, Lucio Fulci e Ruggero Deodato, entre outros. Fritz Lang também não poderia deixar de ser citado. Falar de cinefilia, de influências cinematográficas na obra de Carlos Reichenbach, é um longo e prazeroso passeio por uma galeria de imagens inesquecíveis. Tudo isso é fruto de um trabalho artístico de profunda sensibilidade, de um autor com os olhos totalmente livres.