Entrevista: Toni Cardi – Parte 3

Dossiê Toni Cardi
Parte 3- Novelas, vivência no ramo imobiliário e o futuro     

Toni Cardi em cena de Nua e Atrevida (1972)

  

 Z- Em novelas, o senhor fez papéis pequenos? 

TC- A maioria era coisa pequena. Eu fiz quatro novelas na Tupi e uma na Record. Meu maior papel foi quando eu fiz um médico na antiga Tupi. Inclusive, foi nesse trabalho em que eu contracenei muito com a grande Eva Wilma. 

Z- Isso aconteceu em qual novela? 

TC- Isso foi na primeira versão do Mulheres de Areia. A direção era do grande Walter Avancini. Eu tenho um grande respeito por esse cara. Pra mim, ele foi o maior diretor de novelas do Brasil. Ele sabia tudo. Eu fazia um médico meio galã que foi um estouro na época. Poxa, eu estava lá em cima. No elenco tinha muita gente boa e eu peguei um destaque fudido ali. Você não precisa ser o principal. Tanto que o Aldo César falava pro (Carlos) Zara: “Bota esse cara na parada que ele vai estourar”. Tinham vários galãs na época…que hoje estão todos velhinhos (risos). Mas o Carlos acabou não seguindo essa indicação do Aldo César, que era muito meu amigo. Teve uma série de problemas durante a realização da novela. Quando a gente estava fazendo Mulheres de Areia, a Eva Wilma capotou um fusca preto descendo a serra em Santos. Na época, ela tinha acabado de se separar do John Herbert pra se casar com o Zara. Na realidade, não sei… houve uma cisma do Carlos comigo. Eu não sei o motivo e ele começou a me cortar. Então, eu não tive muita chance na Tupi. Mas como o meu forte era cinema, eu não liguei muito para isso. 

Z- Como o senhor avalia os seus papéis na televisão? 

TC- Esse do Mulheres de Areia foi o melhor. O da Record poderia ter sido mais trabalhado. Eu fiz um matador, um capanga do Jonas Mello que era contratado pra matar o Hélio Souto. O meu personagem era um jagunço, sabe? Usava chapéu tolado, suspensório, arma. Eu era um daqueles caras que andam de cabeça baixa procurando gente pra matar. Então, eu estou lá em dez, doze capítulos. Teve um dia que eu fui fazer um comercial do avião Bandeirante e cheguei tarde na gravação da novela. Mas eu tinha avisado o assistente de direção. O diretor era o Waldemar de Morais, muito polêmico esse cara. Ele era muito encrenqueiro, chato, foi o pior diretor que eu conheci dentro do segmento de televisão. Quando eu cheguei de manhã, já tinha avisado o assistente: “Fala que eu vou chegar um pouco depois porque eu vou filmar um comercial de manhã”. Esse comercial foi rodado na Embraer, em São José dos Campos. Quando eu cheguei, fui direto pro camarim colocar a roupa e me preparar porque eu sabia que eu ia gravar naquele dia. Quando eu passei pelo estúdio, o Waldemar me chamou num canto: “Toni essa é a hora de chegar? Você não tem nada pra me dizer?”. “Não, por quê?”, eu disse. Ele me respondeu: “Mas pô, essa hora?”. Eu eu: “O seu assistente não passou pra você que eu ia chegar mais tarde?”. Aí ele ficou questionando que eu deveria ter falado diretamente com ele e não com o assistente. “Mas eu falei com ele que eu iria chegar umas onze horas porque eu ia fazer um comercial”, respondi. Ele começou a reclamar e eu falei: “Então, aproveita e mata o meu personagem ou manda viajar porque eu tenho um filme pra fazer e você vai me liberar”. Naquele dia mesmo eu filmei umas três cenas seguidas, sabe? Fui dispensado e saí da novela. 

Z- O diretor era meio ignorante? 

TC- Não, o cara era grosso, muito grosso. Ninguém gostava desse cara. Waldemar de Moraes,  pode procurar esse nome. Os caras metiam pau nesse cara. 

Z- Por quê você se afastou da vida artística? 

TC- Porque eu fiz duas coisas que no Brasil não dão dinheiro: arte e judô. O cinema, que estava no sangue, não dá dinheiro. Não sei de ninguém que ganhou dinheiro com cinema até hoje. Televisão somente os cabeças, que são dois ou três, ganharam algo. Televisão é uma máquina de fazer louco, não é o meu caso porque eu não gosto disso. Fiz judô cara… uma modalidade que sempre sofreu muitas dificuldades. Por exemplo, você ia fazer uma competição, mas não tinha patrocinador, não tinha nada. Você tinha que comprar quimono, pagar passagem, hospedagem. As minhas competições eram um sacrifício pra fazer. Pra eu pegar faixa preta… hoje custa em torno de dois mil reais um exame de faixa preta. 

Z- O senhor chegou a fazer teatro? 

TC- Sim. Fiz muito com o Raffaele Rossi e com o Francisco Di Franco. Eu e o Chico viajamos esse Brasil inteiro fazendo Jerônimo, o Herói do Sertão. Inicialmente, essa história tinha sido feita para o rádio e, posteriormente, foi para a televisão. Nós levamos para o teatro. O Chico fazia o Jerônimo, eu fazia o bandido, e tinha uma menina que fazia a mocinha. Infelizmente, eu não me lembro o nome dela, uma atriz de teatro. Nós viajamos esse Brasil inteiro dentro de um Dodge Dart. 

Z- E o Chico já era muito famoso nessa época? 

TC- Ele era o galãzão na época. O Chico era meu irmão. Nós tínhamos a mesma altura, o mesmo tipo físico. Então, a gente viajou muito junto até por conta da nossa amizade. Nossa cara, eu senti muito quando ele morreu. 

 Z- Você chegou a ser profissional no judô?                             

 TC- Sim, eu era faixa preta. Tive academia, tudo. Cheguei a disputar o Campeonato Paulista em 64. Eu não tinha patrocinador pra fazer o exame, então você tinha que emprestar, virar, correr e buscar de várias pessoas. Você vê um menino que no ano passado, um rapaz forte, representou o Brasil no estrangeiro e não tinha dinheiro pra fazer um exame de faixa preta. Ele não tinha dinheiro, certo? É uma vergonha isso pro país. Então, são duas coisas que eu fiz que não deram dinheiro. 

Z- Então você resolveu parar. 

TC- Resolvi parar. Como eu mexia com empreendimentos imobiliários, acabei ficando na área. Na realidade, isso sempre deu dinheiro e me sustentou. Eu investi e resolvi ficar por aqui mesmo. Mexer com terra foi a melhor coisa que eu fiz.  

Z- Você vende lote pelo interior?

 TC- A maioria é pelo interior de São Paulo. Eu já fiz 237 loteamentos em cidades como Piracicaba, Registro, Campinas. Poxa, eu tive até em Macapá, lá no Norte. Eles pegaram uma área grande e dividiram em terrenos. Nisso, eu vendi à prestação pra esse povo que não tem condição de comprar fazenda ou sítio. Sou construtor também, cheguei a levantar dois prédios em Bauru. Isso tudo dá dinheiro e vale a pena. Já deu mais que hoje. Hoje a concorrência é muito grande. Antigamente, a procura era maior que a oferta. Eu tenho o recorde brasileiro: já vendi 586 terrenos em um dia. Eu tinha 54 corretores e durante um dia inteiro eu vendi 586 terrenos. Não deu tempo de almoçar, fomos jantar à meia-noite. Poxa, eu tive que comer uma bolacha e ir atendendo o pessoal. Essas coisas que vale a pena fazer com uma equipe grande e eu sempre tive uma equipe de verdadeiros profissionais para me acompanhar. A gente vem rodando esse Brasil afora. Eu tenho uma imobiliária em Bauru, outra em Prudente e aqui em Piracicaba trabalho em assessoria pra lançamento de loteamento. Dou ideias em projetos para loteamento. 

Z- Durante o período em que você ficou nessa área, você sentiu muita falta do cinema? 

TC- Meu irmão: o cinema é um câncer. Um bichinho que entra no sangue. Se você chegar em mim agora e falar: “Olha, estou com um convite de um produtor, um diretor e ele quer que você leia um roteiro pra você fazer um personagem”. Poxa, eu vou ficar ansioso, vou querer ler, ver essa porra. Então, está dentro e morre com a gente, bicho, não tem jeito. A arte é fogo, viu? Ela contamina. Entrou no cinema é foda, não tem jeito de fugir. Às vezes, eu ligo a televisão e vejo os colegas. Quero ver a interpretação dele, o que ele está fazendo. Fico admirando como o cara está, se envelheceu, se engordou. Você começa a recordar coisas do passado… tenho vários amigos que estão na ativa.

 Z- Você mesmo escreveu a sua biografia? 

TC- Eu mesmo escrevi na terceira pessoa. Eu não uso o meu nome na biografia, que se chama A Simetria de Uma Trajetória. No livro, eu uso o apelido de James, que era outro apelido que eu tive. Então, você não vai ver o Toni Cardi na história, e eu tinha de James pela minha semelhança com o Sean Connery. A obra ficou bonita, todo mundo que acompanhou e ajudou gostou. Tanto que os comentários foram bastante emotivos. O livro está na editora e está faltando somente colocar as fotos nas páginas certas. Depois, vou mandar imprimir os exemplares. 

Z- Como surgiu a ideia de você escrevê-lo? 

TC- Cara, eu comecei a escrevê-lo ainda na época da máquina de escrever. Isso começou há uns dezoito anos. Tinha umas 70 páginas e enfiei na gaveta. Agora como eu me separei, estou sozinho, os filhos estão criados, dá pra sentar e ficar sossegado escrevendo. Um dia eu abri aquilo e realçou tudo que estava na cabeça. Joguei tudo no computador e hoje montado deu 186 páginas. Está bom, bom pra cachorro (rindo). 

Z- O que o senhor espera com esse livro?  

TC- Na realidade, a minha história é muito complexa. É uma história bonita. Eu venho de uma origem muito humilde, eu pastei muito. Pastei pra cachorro. Cheguei a ter meu nome na imprensa bonito, na mídia correndo pra cima e pra baixo, fui considerado galã. Ganhei dinheiro, por onde passei sempre fui famoso. Sou famoso ainda, onde eu passo me perguntam: “Toni? Poxa é você? Você não trabalhou em cinema?”. Eu ainda sou reconhecido e tenho uma história muito séria ligada ao espiritismo. E eu me tornei espírita. Como bom filho de europeus, eu sou católico apostólico romano de criação e princípios. Mas por força do destino acabei me tornando espírita e hoje eu sou feito no candomblé, eu sou do candomblé. O meu pai e a minha mãe me mandaram algumas mensagens depois de mortos. Então, eu tive tinha muita coisa, muita perseguição na minha vida. Já era pra eu ser muito mais rico e ter muito mais do que eu tenho. Muito, mas muito. Mas eu tenho uma história que lendo o livro dá pra entender. Eu omito o nome de pessoas em terceira pessoa pra evitar certos problemas. Senão, ia dar muitos processos em cima da história. Então, eu quero transmitir mensagens pra jovens e adultos que tenham fenda nos olhos. Que a maioria… eu tive exemplo hoje à noite toda do meu lado. Eu cheguei em casa nove e meia da noite. Tinha um grupo parado com umas motos do lado do meu vizinho com um som alto dentro de casa. Quatro e meia da manhã, eu escutei briga na rua com umas meninas gritando. A festa, ao invés de ser dentro de casa é na rua. Então, você vê aquele vexame de mulher, umas meninas de dezesseis, dezessete anos brigando e falando palavra de baixo calão na rua. A festa foi até meio-dia hoje. Então, eu pergunto: o que elas esperam da vida? Porque eu tenho experiência de todos os lados da vida. Então, esse livro é uma mensagem. Tudo o que eu conto é realidade, não tem fantasia. Por ser muito real e envolver pessoas, eu tive que omitir muita coisa. É fora de série. 

Z- É uma obra sobre a sua carreira no cinema… 

TC- Da minha história de vida toda. 

Z- Também tem esse lado religioso no livro? 

TC- Sim, eu tive que mostrar esse lado. Porque aí vem a perseguição, a briga, a falência. Eu cheguei à falência e fui até o fim do poço. Tive que me reerguer e hoje estou bem de vida de novo. Isso aconteceu graças a uma série de coisas. Então, é muito bacana. A história vale a pena. Você vai rir, vai chorar e falar: “Esse filha da puta tem coisa pra caceta”. E não é da cabeça, é história mesmo com datas e tudo. São coisas que eu busco lá no fundo, entendeu? Então, esse livro é pro novo, pro velho e pro intermediário. É pra todos lerem esse livro com muito carinho porque vale a pena. Tem uma mensagem muito bonita. 

Z- Na época, os filmes que vocês faziam eram tidos como pornochanchada. Isso incomodava você? 

TC- Eu nunca fiz pornochanchada. Não, eu nunca participei de pornochanchada. Mesmo sexo explícito quando entrou eu estava saindo. Nada me atingiu. A minha trajetória em cinema foi boa e eu gosto muito dela. 

Z- Você fez muitos filmes em pouco tempo de carreira.  

TC- Exatamente. Eu fiz bastante coisa, tanto que no comentário do (ator) Carlos Miranda do meu livro, ele comenta: “Um profissional com o qual todo diretor, produtor e colega gosta de trabalhar. Sucesso Toni”. Mas eu não pretendo seguir carreira como escritor, vou ficar somente nesse livro aqui. Então, eu sou reconhecido pelo trabalho e pela forma que eu conduzi a minha carreira. Deixei grandes amizades, grandes amores, grandes paixões. Tudo isso faz parte da vida.

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